[resenha] A quinta estação, de N. K. Jemisin

Imagem de capa. Castrima Comm. Judd Mercer. A quinta estação. Jemisin.

Imagem de capa. Castrima Comm. Ilustração de Judd Mercer. Grande caverna repleta de cristas azulados e arroxeados, com muitas áreas escuras. ao centro e ao fundo, há estruturas de habitações e pontos de luz artificiais. Ao centro, mais à esquerda, pequenas silhuetas de pessoas caminham sobre plataformas e escadas.

Jemisin, N. K. A quinta estação. Trad. Aline Storto Pereira. Trilogia Terra Partida, livro 1. Editora Morro Branco, 2017.

Texto de Rodrigo Hipólito

“A quinta estação” é um livro premiado e reconhecido mundialmente. Jemisin já se tornou uma autora indispensável para quem se interessa por ficção especulativa. Quaisquer elogios feitos ao livro e a indicação de que vale muito o a leitura são o mínimo que um comentário sobre ele deve fazer.

Ao final, deixo a indicação de duas resenhas que elencam alguns dos elementos centrais dessa narrativa. Não é possível comentar todos esses elementos em um texto curto e é bem provável que eu faça resenhas para os outros dois livros dessa trilogia, chamada de Terra Partida (os outros dois volumes também foram publicados pela Morro Branco).

Apesar de ser uma história longa, complexa e repleta de termos próprios do universo ficcional imaginado pela autora, a leitura é fluida o suficiente para deixar a mente descansar. Isso é parte do jogo da prosa. Com a mente relaxada, você pode se impactar sem rodeios.

Não é uma questão de surpresas. Isso não importa para essa narrativa. Eu poderia revelar todos os pequenos e grandes mistérios arrastados pelo livro até quase o seu final e isso não impediria que essas cenas de “revelações” permanecessem impactantes. Tudo bem! Não vou fazer isso.

Eu detesto flashback como ferramenta narrativa. Tenho paciência quase zero para prelúdios e longas explicações sobre elementos fantasiosos. Mergulhos na psique de personagens e longas digressões sentimentais costumam me fazer fechar o livro nunca e mais abri-lo. Mesmo diante desses elementos, eu tive que economizar na leitura para que ela não acabasse rápido.

Jemisin não dá uma longa volta para te contar um acontecimento. Ela te conta o acontecimento e depois te leva para dar uma volta.

Uche era uma criança. Ele foi espancado até a morte pelo próprio pai. Quando Essun encontra o corpo do filho, ela sabe que foi seu marido que o matou. Ela sabe que precisa ir atrás dele para matá-lo e para encontrar sua filha mais velha, Nassun, que ele levou embora.

Os pais de Damaya a prenderam no celeiro depois de descobrirem o que ela é. Ela não sabe como controlar seu medo e seu ódio. Ela agradece por ter sido resgatada por um Guardião, mas logo entende que ele a machucará sempre que achar necessário. Seu corpo, sua mente e seu futuro serão controlados por outras pessoas.

Syenite sabe que é forte e competente. Ainda assim, ela recebe a ordem de engravidar de Alabaster, um homem gay atormentado e com capacidade para destruir o mundo. Os dois sentem nojo ao cumprir essa obrigação. Ainda assim, eles aprendem um com o outro e formam outro tipo de família.

São três históricas cruzadas em uma. Uche, Essun, Nassun, Damaya, Syenite e Alabaster são orogenes. Eles nasceram com a capacidade de sensar e controlar energias da terra. Essa é uma condição particularmente perigosa em um continente historicamente assolado por grandes terremotos. Os cataclismos decorrentes das falhas geológicas são tão intensos e frentes, que a Quietude se tornou uma sociedade inteiramente voltada para o medo de que ocorra um novo desastre de escala continental e prolongado no tempo, a chamada “quinta estação”.

Os orogenes são capazes de controlar tremores, mas também de causar tremores, mover montanhas e, ao fazerem isso, congelar tudo o que está a sua volta. Eles são temidos e, logo, odiados. Em estações normais, os orogenes treinados pelo Fulcro são contratados para realizarem pequenos e grandes trabalhos em comunidades que podem pagar aos seus “senhores”. Os não treinados, costumam ser mortos ainda na infância, como Uche.

Durante uma “quinta estação”, nenhuma comunidade aceitaria orogenes. O livro começa com a chegada de um “quinta estação”.

Apesar de iniciar com uma cena já bastante violenta, as violências descritas pelo restante do livro continuam a ser revoltantes. Esse é um dos núcleos de discussão mais densos dessa história: violência, preconceito e racismo.

Caso você se choque com o que os personagens são capazes de fazer contra os orogenes apenas por não considerá-los como seres humanos, lembre-se de que é assim que funciona fora da ficção. Para ser mais explícito: pais matam filhos ao descobrirem que eles não são heterossexuais, pretos foram e são escravizados, silenciados, torturados e mortos por serem pretos, pessoas trans são desumanizadas, exploradas, perseguidas e mortas, fenótipos e ligações de sangue determinam reconhecimento social, o discurso que valoriza pureza racial e cultural nunca nos abandonou e continua forte.

Em Quietude, a palavra ofensiva para se referir a orogenes é rogga. Jemisin derivou o termo da palavra “nigga”, usada para ofender pessoas pretas. Sim, em algum ponto da história a palavra será positivada. Isso é importante de ser ressaltado, pois as personagens conquistam compreensão e poder sobre si mesma na medida em que se encontram e constroem a compreensão sobre seus lugares no mundo de modo coletivo.

Construir companheirismo num mundo que faz de tudo para te matar é algo difícil. “A quinta estação” nos mostra que, quando o mundo acabar, você será aquilo que você se tornou.

– Resenha do Ficções Humanas;

– Resenha do Leitor Cabuloso.

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