DERDYK, Edith (org,). Entre ser um e ser mil: o objeto livro e suas poéticas. São Paulo: Ed. Senac São Paulo, 2013.
Texto de Fabiana Pedroni
Viver, conviver, respirar, transpirar, comer, pisar, soltar… viver um livro envolve muitos verbos. Estudar livros não seria diferente. Doze ensaios inéditos, mais sete duplas de “escrituras visuais”, dão corpo ao livro “Entre ser um e ser mil”. Mais que um livro sobre livros, esse volume discute a diversidade de relações com os livros de artista.
O primeiro ensaio, escrito por Edith Derdyk, a organizadora, dá título ao livro e o apresenta. Esse ensaio é uma defesa do livro de artista. Nesse sentido, ele trabalha a fronteira entre livros de artista e livros extremamente tradicionais e funcionais, esvaziados de suas múltiplas funções para tornar-se suporte vazio, “contêiner isento, ausente de si mesmo” (p.12). Cabe dizer que a separação é apenas um modo didático de se compreender diferenças por aquilo que algo não é.
Mas, livros, funcionam. Existe um suporte que, de fato, seja isento de participação na formação do livro como objeto?
A abertura do livro de artista para a experiência amplia seu território poético. Essa abertura inaugura outros “paradigmas de espaço e de tempo que acontecem pelo manuseio, pelo avanço e recuo da leitura dos sinais, dos fólios e das matérias que se colocam em movimento para o livro sonhar ser outro de si.” (p.13).
As definições do livro de artista são mais aprofundadas no texto seguinte, “A definição do livro-objeto”, de Paulo Silveira. Cada vez mais, essas discussões são pautadas pelo termo mais amplo de livros de artista. Isso deixa o livro-objeto como produção localizada de forma específica na História da Arte.

Imagem de capa. Recorte do vídeo “Nori comeu a arte”, de Fabiana Pedroni, 2018. Disponpivel em: https://vimeo.com/306815015. Fotografia. Duas páginas de um livro antigo são separadas uma da outra.
Paulo Silveira é grande referência brasileira, quando pensamos sobre as definições de livros de artista e este ensaio não é diferente. O uso do termo livro-objeto aparece, principalmente, quando se exige uma “exatidão classificatória e em situações de ênfase retórica ou de exigência descritiva. Quando a incerteza se impõe, fica mais fácil generalizá-lo como livro de artista, mesmo que essa dissolução possa ferir a precisão de entendimento. Afinal, é imperativo lembrar que raramente um livro-objeto é efetivamente um livro.” (p.32).
Talvez, mais que distinguir livros de artista de livros não-de-artistas, esses textos falem sobre um livro que é um e pode ser mil. Os ensaios seguintes exploram justamente essa multiplicidade.
Em “Arte em livros – Brasil”, de Adolfo Montejo Navas, a atenção volta-se para uma mudança de poiesis, como ele nomeia, após o exercício construtivo na arte, e para a exploração, por parte da arte conceitual, das fronteiras materiais. Esse exercício construtivo e essa exploração aproximam artes plásticas e poesia. As reflexões de Navas são muito interessante para compreendermos como os livros se voltam para si mesmos, através de uma diversidade de exemplos.
Em “Entre páginas e não páginas: breve inventario de livros de artista”, Galciani Neves toma a crítica de processo, proposta por Cecilia Salles, como metodologia para abordar a obra e o processo de criação como indissociáveis. Também no texto “Em direção a uma abstração e síntese”, de Martha Hellion, o relato do processo criativo se destaca.
O processo criativo não se isola no trabalho com as palavras e as imagens, mas ultrapassa o sentido de corpo como objeto e elemento editorial. Neste sentido, há uma grande contribuição do relato de Ana Luiza Fonseca, com sua perspectiva de editora de livros de artista, sobre seu trabalho no espaço “Tijuana”, assim como a experiência de Elaine Ramos como diretora de arte na Cosac Naify apresentada no capítulo “Livro em processo”. Elaine vai falar das especificidades dos livros comerciais, como eles se aproximam do livro de artista, mas, também, o que está em jogo na cadeia produtiva, para que ele se distancie. Este é um texto importantíssimo que questiona, indiretamente, o estatuto distanciado da arte com relação a vida e o consumo comuns.
Em “Do verbal ao visual em livros de artista”, Amir Brito Cadôr fala das relações entre texto e imagem e de uma caligrafia como expressão artística. Mas, não só texto e imagem existem em um livro. A palavra é um desenho. O meio é a mensagem: “Mas um livro é como uma nuvem de pássaros, pode estar em toda parte e é, de certo modo, indestrutível.” (p.154).
Como nuvem de pássaros, o livro também é objeto. Sua condição de suporte, como diz Odilon Moraes, em “O livro como objeto e a literatura infantil”, ofusca seu corpo de objeto, mas, é pela aproximação do conteúdo que ele vota a ter corpo: “Todo suporte traz em si qualidades análogas ao tipo de registro que sustenta” (p.160). Ao abordar os livros ilustrados infantis, Odilon Moraes evidencia o livro como objeto e as aproximações do sujeito pela experiência.
Dentro dessa grande diversidade de livros, o texto de Regina Melin fala sobre “Exposições impressas”. Mais especificamente, esse ensaio fala sobre catálogos de exposições, exposição dentro de uma publicação e um importante discurso sobre a ideia de portabilidade nos livros de artista.
Para nos aproximarmos destas várias perspectivas, o texto de Fabio Morais, “Breve autobiografia bibliografada para um livro sobre livro”, nos joga em uma narrativa prazerosa sobre a relação do autor com os livros, desde a infância até quando os livros deixaram de ser bicho.
Esta resenha não abarcou todos os ensaios e “escrituras visuais”. Há tanto para se comentar sobre o livro, que não caberia nesta resenha. Além de ser referência para estudo de livros de artista, essa é uma leitura prazerosa e uma experiência estética para pensarmos sobre como nos relacionamos com os livros.
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