Texto de Alana de Oliveira
Originalmente publicado em: Jornal ES Hoje, Cultura, p. 9, 7 fev. 2025.

Rick Rodrigues, Permitir o afeto, 2022, Intervenção urbana. Bordados com fios de malhas sobre placas de acrílico. Dimensões 120 cm x 120 cm cada. João Neiva-ES. Fotografias Junior. Descrição: homem branco e magro de cabelos curtos escuros e bigode, vestindo uma camisa clara, segurando uma linha rosa, diante de um grande bordado feito em uma placa de acrílico suspensa. Vemos a cena ligeiramente de baixo, em plano médio. O homem está em segundo plano, pois em primeiro surge a flor rosa do grande bordado, à direita da imagem.
Linhas, bordados, lenços, caixas de fósforo, galhos, panos de prato, sacolas plásticas, sacos de papel, tacos de madeira, cartelas de remédio. Esses são alguns dos materiais usados para construir o universo poético de Rick Rodrigues. São coisas simples, singelas, que qualquer pessoa pode encontrar, jogar fora e esquecer. Os trabalhos de Rick nos lembram que mesmo os pequenos pedacinhos do dia, os objetos mais insignificantes, guardar fragmentos de uma vida.
Ele é natural de João Neiva e, como ele se denomina, cria do bairro Crubixá. O artista de 36 anos é graduado em Artes Plásticas e mestre em História e Teoria da Arte pela UFES. Com 14 prêmios, 7 residências artísticas, 7 feiras de arte, 13 exposições individuais, e um bom número de coletivas, Rick é um destaque da mais recente arte contemporânea capixaba.
Desde 2015, integra o coletivo Almofadinhas, com Fábio Carvalho (RJ) e Rodrigo Mogiz (BH). O grupo explora o “território do sensível e do delicado, entremeado por questões de afeto e sexualidade, e que tem o bordado como um dos meios de produção de suas obras”.
O bordado é um dos principais meios utilizados por Rick. Sobrinho de costureiras e filho de bordadeira de ponto cruz, a intimidade com o têxtil vem de família. “Ainda na minha infância, entre 6 ou 7 anos, vi meu irmão, Zenas, costurar uma peça de couro para montar a cavalo. Material mais bruto, mas o tutorial aprendi naquele instante. Ele disse: você vai e depois volta com a linha, preenchendo o espaço que fica. Vinte anos depois, descobri que se chama ponto atrás, no bordado.”
Por volta de 2014, Rick explorava monocromias azuis e vermelhas, com grafite 0.5mm, “material que recorre às minhas lembranças de menino também, quando insistia pra minha mãe comprar caixinhas de grafites coloridos, que eram até proibidos na escola. Lembro que minha mãe dava duro pra comprar o material básico para os 4 filhos, e eu querendo material extra”.

Rick Rodrigues, Permitir o afeto, 2022. Intervenção urbana. Bordados com fios de malhas sobre placas de acrílico. Dimensões 120 cm x 120 cm cada. João Neiva-ES. Fotografias Junior Luis Paulo. Cortesia do artista. Descrição: Vemos o artista de corpo inteiro, olhando para a câmera e segurando ao seu lado um grande bordado de uma rosa com caule, feito sobre uma placa de acrílico. Ao fundo plantas e um jardim.
Escadinhas, cadeiras, portas, janelas, camas, abajures, luas, porões, mesas, casas de duas águas, casas de passarinho, caixas de correios, essas são as imagens que aparecem com frequência em seus bordados, objetos e instalações. Ainda em 2014, inseriu a linha de algodão vermelha para bordar uma escadinha no papel. Depois, veio a vontade de experimentar o tecido, lembrou-se de uma caixinha de lenços que comprou para imprimir uma gravura (retrato de seu pai) e abandonou, frustrado com a impressão. Então “desenhei um passarinho no lenço alvo de algodão e comecei a bordar. Foi nesse momento que lembrei do tutorial do Zenas. A partir daí, passei a explorar o bordado”.
Rick se intitula “artista passarinho”. Quando pergunto o porquê, me responde: “Não gosto de biografias enrijecidas, frias. Fiz essa brincadeira na bio do meu Instagram e agora gosto que saia em documentos oficiais. Sou Manoel de Barros da cabeça aos pés. Aprendi com ele que posso ser passarinho. Vou e volto. Voo e volto. Gosto mesmo é do pouso.”
Como Manoel de Barros, sua principal referência poética, Rick explora a arte através das coisas ínfimas. É na miudeza do cotidiano que se inspira. Como diz o poeta pantaneiro:
Fui criado no mato e aprendi a gostar das
coisinhas do chão —
Antes que das coisas celestiais.
Pessoas pertencidas de abandono me comovem:
tanto quanto as soberbas coisas ínfimas.

Rick Rodrigues, Con(fiar) Memórias, 2024. Instalação interativa. Nova Friburgo-RJ (Praça Demerval Barbosa Moreira) e Teresópolis-RJ (Calçada da Fama). Fotografia Pam Campos. Cortesia do artista. Descrição: o artista de costas, em plano fechado, bordando um grande coração com linhas grossas de malha em uma tela de arame.
Assim também é a relação de Rick com João Neiva. Ele sai de lá para expor e estar em contato com o mundo da arte, mas sempre volta, pois é onde se sente não um artista, mas uma pessoa. Em João Neiva está seu ateliê, é onde vive, produz, dá oficinas e devolve para sua comunidade o conhecimento que adquiriu ao longo dos anos, em projetos sociais, como o Permitir o Afeto [Edição Residência Artística + Ateliê nas Escolas de JN], realizado em 2024.
Afeto. Palavra essencial para entendermos seus trabalhos. Rick afirma que a arte precisa afetar as pessoas, positiva ou negativamente, o que não pode é passar incólume. Dificilmente, você não será afetado pela obra de Rick. Suas peças se relacionam à casa, à vida doméstica, à paisagem, às memórias da infância, às lembranças familiares. Ele trabalha com apropriação de materiais, como os objetos recolhidos da própria natureza, galhos, folhas, ou garimpados do cotidiano, como caixas e cartelas de remédios, panos antigos recolhidos em antiquários e feiras. Apropria-se de histórias que ele não conhece, contidas nesses tantos objetos recolhidos que, no seu ateliê, ganham novas lembranças, contornos, misturados com suas memórias pessoais, reais, de sonhos ou inventadas. Seu ateliê é uma casa mágica, em que essas narrativas se materializam.
Embora apenas na vida adulta ele tenha ganhado a consciência de ser artista, desde a infância a arte esteve presente: “Fui uma criança que desenhava muito, criava objetos de papelão e madeira, colecionava objetos diversos, fazia composições, costurava as roupas de bonecas das minhas amigas e irmã, observava minha mãe e minhas tias bordando, fazia teatro na igreja e na escola.”. Para Rick, “o contato com a arte é estar no mundo.”.
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Nice post. I subscribed. Have a happy day☘️