Resenha. Chamanes Eléctricos en la Fiesta del Sol, de Mónica Ojeda

Texto de Rodrigo Hipólito

Como a maioria dos leitores, meu primeiro encontro com Mónica Ojeda se deu em “Mandíbula”. Apenas consegui engatar e leitura na segunda tentativa. Por que eu insisti? Porque tinha alguma coisa ali, apesar de a prosa não ter facilitado meu acesso. Foi necessário paquerar a escrita. Isso é um elogio.

Nem todos os livros são garçons prestativos em um restaurante lotado de clientes famintos e exigentes. É melhor que seja assim. Isso nos ajuda a perder alguns vícios da passividade. Afinal, temos necessidade de nos relacionar. Relações pedem compreensão e o mínimo de esforço. Entendi que a escrita de Ojeda não estava ali para me servir. Ela queria me contar histórias do seu jeito, não se adaptar aos meus desejos e me cobrir de mimos sem receber qualquer carinho em troca.

Mónica Ojeda é apontada como uma das escritoras emergentes mais inovadoras da literatura latino-americana. “Chamanes Eléctricos en la Fiesta del Sol” (Random House, 2024) é seu quarto romance. Ela já tinha publicado “La desfiguración Silva” (2014), “Nefando” (2016) e “Mandíbula” (2018), além de dois volumes de poesia e a aclamada coletânea de contos “Las voladoras” (2020). Pela experiência de leitura do seu livro anterior, acreditei que estaria preparado para “Chamanes Eléctricos en la Fiesta del Sol”. Falhei um doloroso prazer.

Ambientado em um futuro distópico, marcado no calendário andino como do ano 5540, essa história está ligeiramente centrada na jovem Noa, sua amiga Nicole e no grupo de pessoas que conhecem no Ruido Solar, um festival psicodélico aos pés do vulcão Chimborazo, no Equador. É uma história equatoriana que mescla realidade urbana, mitologia andina e experimentos textuais. A paisagem inabarcável, a violência das gangues, a ineficiência e cumplicidade do estado com o crime, o abandono social, a natureza perturbadora e a cultura resultante de séculos de hibridização são apresentadas durante todo o livro. Junto a (ou através de) tudo isso, somos arrastados por um fluxo intenso e tempestuoso de corpos, música e alucinações palpáveis.

Como arremedo de sinopse, posso dizer que Noa foge de Guayaquil com Nicole para participarem do festival, onde milhares de jovens celebram e entregam-se à vida, mergulhados no ritmo de tambores, poesia, dança, vocalizações e erupções vulcânicas. O evento, no entanto, é apenas o prelúdio de sua verdadeira missão particular de Noa: reencontrar o pai, que a abandonou na infância e vive recluso nas florestas montanhosas. Lá, habitam também os desaparecidos, pessoas que jamais retornaram das edições anteriores do festival.

Com uma estrutura narrativa fragmentada, composta por um coro de vozes que inclui amigos de Noa, as Cantoras (um grupo com função similar ao coro da tragédia grega) e os diários do pai eremita, “Chamanes Eléctricos en la Fiesta del Sol” exigiu que eu fizesse uma leitura demorada. Essa polifonia cria um efeito hipnótico desagradável, que reflete com eficiência o caos lisérgico do festival e a dissolução das identidades individuais em um coletivo emaranhado.

Isso resume uma parte das questões formais do livro. A psicodelia faz aflorar as reflexões existenciais das personagens, confrontarem a outridade de seus amigos e afirmarem ou negarem suas identidades. No centro dessas jornadas íntimas, a busca de Noa pelo pai, apresentado como uma figura mitificada, espalha essa luta do povo equatoriano por pertencimento em um mundo marcado pelo desamparo. A violência, tanto familiar quanto urbana, atravessa toda a narrativa. Ojeda aborda essa violência e esse abandono tanto de forma indireta como através de metáforas geológicas: vulcões, terremotos e meteoritos tornam-se extensões do trauma humano.

A natureza está ali personificada como uma espécie de mãe ambivalente e devoradora. A montanha Chimborazo, o vulcão, deve ser escalado, desafiado, conquistado, encarado como uma promessa imbatível e inescapável de fertilidade e destruição. A música, por sua vez, atua como força catalisadora que dissolve a racionalidade em favor de um êxtase coletivo. Como alguém que detesta festivais e shows de música e não tem paciência para experiências psicodélicas, o terror da realidade concreta do desamparo social e da violência que nos persegue até em sonhos me atingiu com novas necessidades de fuga e refúgio.

Ojeda usa de uma lírica visceral, constrói imagens surrealistas que se confundem com cenas de naturalismo cru. Não há realismo mágico em “Chamanes Eléctricos en la Fiesta del Sol”, mas sim o processo de dissolução das consciências, o chacoalhar das dicotomias onírico/concreto, eu/outro, mágico/terreno, céu/chão, nascimento/morte, memória/esquecimento, humano/natureza.

Quando li “Madíbula”, apelidei o estilo de Ojeda de neobarroco pós-internet, com o que isso possa conter de negativo e positivo. “Chamanes Eléctricos en la Fiesta del Sol” voltou a me deixar com essa impressão. Isso significa que não é a mesma forma, nem a repetição dos mesmos elementos, tampouco dos mesmos desafios. Sua prosa exigente e estrutura não linear podem afastar quem deseja apenas uma leitura confortável. Talvez essa postura um pouco arredia seja uma das muitas características do que chamam de livro com personalidade.

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