[artigo] Greco e Minujín: a condição pendular nos primórdios da arte contemporânea argentina

Publicado originalmente em: Greco e Minujín: nos primórdios da arte contemporânea argentina. PÓS: Revista do Programa de Pós-graduação em Artes da EBA/UFMG, Belo Horizonte, v. 15, n. 34, p. 468–493, 2025. DOI: 10.35699/2238-2046.2025.58350. Disponível em: https://periodicos.ufmg.br/index.php/revistapos/article/view/58350.

Rodrigo Hipólito

Angela Grando

Resumo: Este texto desenvolve o pareamento entre Viaje de pie en metro de Sol a Lavapiés, de Alberto Greco, e La Destrucción, de Marta Minujín, ambas de 1963. Essas ações marcaram uma rejeição à comercialização da arte e refletiram posturas experimentais e críticas frente à institucionalização das práticas artísticas. Elas podem ser mais bem compreendidas diante da “condição pendular” da arte latino-americana, entre influências internacionais e afirmações locais. Greco e Minujín não apenas dialogaram com as tendências hegemônicas da arte conceitual e informalista, mas as ressignificaram e desenvolveram linguagens próprias alinhadas às questões políticas, culturais e sociais do sul global. Através de diálogos bibliográficos, análise documental, descrição e comparativo entre os trabalhos e seus processos de realização, conclui-se que essas ações foram planejadas, em suas singularidades e convergências, e configuraram marcos fundamentais para o entendimento da arte contemporânea argentina, desafiaram narrativas centradas no norte geopolítico e ampliaram os horizontes da historiografia da arte latino-americana.

Palavras-chave: Alberto Greco; Marta Minujín; informalismo; historiografia da arte.

Abstract:: This text develops the pairing between Alberto Greco’s Viaje de pie en metro de Sol a Lavapiés and Marta Minujín’s La Destrucción, both from 1963. These actions marked a rejection of the commercialization of art and reflected experimental and critical stances toward the institutionalization of artistic practices. They can be better understood considering the “pendulum condition” of Latin American art, between international influences and local affirmations. Greco and Minujín not only dialogued with the hegemonic tendencies of conceptual and informalist art but also reinterpreted them and developed their own languages aligned with the political, cultural, and social issues of the global South. Through bibliographic dialogues, documentary analysis, description and comparison between the works and their production processes, it is concluded that these actions were planned, in their singularities and convergences, and configured fundamental milestones for the understanding of contemporary Argentine art, challenged narratives centered on the geopolitical north and expanded the horizons of the historiography of Latin American art.

Keywords: Alberto Greco; Marta Minujín; informalism; historiography of art.

Introdução

Ainda que, nas últimas décadas, as visadas pós e decoloniais tenham incentivado defensores de uma libertação das narrativas hegemônicas, em prol de uma visão desde América Latina, nossa historiografia continua a obedecer aos marcos do norte geopolítico, notadamente, quando define períodos e passagens do sul em acordo com o surgimento e o desenvolvimento de termos e conceitos estrangeiros, como são os casos do Conceitual e da Pop. Tal obediência poderíamos visualizar na determinação, por parte de Ana Longoni e Mari Carmen Ramirez, do ano de 1966 como o “início” dos nossos conceitualismos,[1] na necessidade de encontrarmos nossa “identidade conceitual”[2] e na crítica de Camnitzer a ideia de “protomovimiento”.[3] Por essas três referências, adiantamos que o foco deste texto está nos desenvolvimentos iniciais da arte contemporânea argentina.

Para que as passagens da arte nos anos 1950-1960, no sul geopolítico, possam ser fortalecidas como um período com seus próprios marcos, e não apenas como o momento de um “proto”, alguns nomes locais devem ser colocados em seu contexto, mas em diálogo histórico com os demais agentes de seu campo, sejam patrícios ou estrangeiros. No caso argentino, Alberto Greco é, recorrentemente, indicado como um “precursor” do conceitualismo ou da própria arte contemporânea local, embora tenha produzido ações, defendido o atravessamento entre arte e cotidiano, a experiência efêmera acima do objeto-produto como obra e a colaboração do público como fundamental para o sentido de suas propostas. Marta Minujín, que esteve próxima de Greco durante os últimos anos de vida do informalista, já trabalhava no sentido de happening antes do Happening para un Jabalí Defunto (1966), do Grupo de los Medios de Comunicación de Massa,[4] e assim é reconhecida. Dito isso, é curioso como pouco se comenta a similaridade entre La Destrucción (1963), de Minujín, e a viagem de trem que termina em fogo e polícia, de Greco, do mesmo ano. Também curiosa é a relação entre os “trotes” de Greco na imprensa, seus cartazes de maior pintor informalista, suas mortes forjadas, e o referido anti-happening, do Grupo de los Medios.

Assim, no presente texto, procuramos tanto compreender os empenhos daquela nascente arte contemporânea no sul geopolítico, a partir de comparativos entre os trabalhos e realizadores que compartilhavam de um mesmo cenário, quanto fazer uso de conceitos engendrados por atores locais. Dada a amplitude da empresa e em consonância com os exemplos anteriormente citados, procuramos nos restringir à análise comparativa de propostas entre artistas argentinos dos anos 1960. Em consonância com o interesse em debater as relações e influências entre os cenários locais e internacionais, especificamos o comparativo entre duas propostas realizadas por argentinos em campo estrangeiro, o que nos permite refletir a respeito dos sentidos de internacionalismo e da expressão “condição pendular”, anunciada no título. Para compreendermos tais termos, primeiramente, pensamos as lentes das teorias pós-coloniais, com o objetivo de definir os vieses adotados e, em um segundo momento, procedemos com a descrição e comparação dos trabalhos mencionados: Viaje de pie en metro de Sol a Lavapiés (1963), de Alberto Greco, e La Destrucción (1963), de Marta Minujín.

Movimento pendular

Percebe-se, na proposta pós-colonial, a defesa de uma ideia de América Latina como espaço “desterritorializado” ou “lugar indeterminado”, que consideramos possível de ser investigado no desenvolver dos processos de Alberto Greco e Marta Minujín. Características do pós-colonial, como a quebra das relações cronológicas como formas de significação de processos e a crítica aos modelos dicotômicos de análise coadunam objetivos de construção de uma historiografia liberta do papel de “precursor” e da preocupação com a gênese. Mais do que uma permanente crítica das consequências da colonização, os vieses pós e decoloniais propõem um reordenamento de prioridades, enfoques e protagonismos históricos, “incitando a elaboração de versões descentradas, diaspóricas ou globais das grandes narrativas que revolvem em torno da nação” (Prado, 2011, 115). Nesse sentido, a subalternidade decorrente da colonização não deve ser suposta como uma condição de atraso ou inferioridade, mas sim como um filtro hierárquico que prioriza os marcos históricos e as epistemologias no norte.[5]

Dentro desse discurso, a formação da ideia de América Latina ocupa espaço de relevância. Certamente, não há um entrosamento tal entre todas as nações latino-americanas que nos permita afirmar ser esse termo relativo a um “mundo” sociocultural em sua totalidade. A própria historiografia da América Latina apresenta complicadores que necessitam de mecanismos ainda em construção para que sejam sanados. Como François-Xavier Guerra comenta, em “Memórias em transformação” (2010), as nações americanas formam-se sobre um duplo processo de esquecimento: amnésia do tempo pré-invasões europeias e amnésia do tempo de colônia. Os dois grandes marcos desses processos de esquecimento seriam a “Conquista” e a “Independência”. Ambos prestam reverência ao desejo civilizatório.

Somente em meados no século XX, os modelos positivistas de progresso são questionados e permitem que cada nação siga caminhos bastante específicos em sua independência recém-conquistada. Aos debates sobre libertação, mestiçagem e antioligarquia, devemos agregar o questionamento da validade da busca por uma origem e a ideia de “precursor”.

Esses últimos apontam para a desconstrução de uma historiografia ainda difícil de se afirmar como “visível”. Essa ausência é lembrada por Carlos Aguirre Rojas, em “O ‘Longo século XX’ da historiografia latino-americana contemporânea: 1870-2025? Pontos de partida para uma reconstrução”, quando afirma que não haveria, ainda, qualquer história intelectual ou historiografia da América Latina no século XX que possam ser ditas satisfatórias (Rojas, 2004, p. 45).

O autor separa, na sequência, algumas possibilidades de resposta ao problema de porque a América Latina não construiu uma base historiográfica tão firme: condição periférica, atraso no processo de profissionalização de historiadores, juventude da civilização e das nações e alto nível de mestiçagem e pluralidade cultural. Esses mesmos aspectos poderiam ser apontados como aqueles que possibilitariam o aparecimento de uma historiografia rica e profunda, porém, tal projeto somente seria possível para além das bases europeias de pensamento.

Ao analisar a posição de Aguirre Rojas, Luiz Fernando Silva Prado determina um conjunto de períodos que permitiriam uma melhor discussão a respeito das mudanças no pensamento sobre a historiografia latino-americana no século XX (Prado, 2011, p. 119), no qual percebemos que o processo de profissionalização de historiadores formados com preocupações sobre o olhar desde América Latina se dá durante e posteriormente aos finais das décadas de 1950-1960. Ainda devemos considerar, quando pensamos na América Latina como um espaço “desterritorializado” e “lugar indeterminado”, nas distinções de formação de um modo de ser moderno do norte e outro do sul das Américas, nos conflitos entre modernidade, tradição e modernização (Canclini, 1990, p. 19-25). Em suma, ao assumirmos perspectivas próprias da pós-colonialidade, aceitamos repensar não apenas a extensão e o uso dos termos empregados por críticos e teóricos dos anos 1960-1970, como tocar as estruturas de uma historiografia intelectual e cultural ainda em formulação.

Há muitos anos, dois críticos de arte latino-americanos, o mexicano Jorge Alberto Manrique e o peruano Carlos Rodriguez Saavedra, já se referiram ao movimento pendular, sístole e diástole, que se sucede na criação artística do continente latino-americano. Essa oscilação de movimentos corresponderia à preocupação nativista e à inquietação internacionalista que perseguem o meio artístico do continente. Ou seja: vemos, de um lado, a consciência de nossa realidade tal como ela é, o compromisso com essa realidade e, de outro, a natural ansiedade pela renovação formal, por meio da busca da informação nos grandes centros metropolitanos, assim como através dos meios de comunicação de massa (Amaral, 2012, p. 11).

Esses críticos, lembrados por Aracy Amaral, participaram do mesmo encontro de onde provêm os textos referenciados, o Primeiro Encontro Ibero-Americano de Críticos de Arte e Artistas Plásticos, em Caracas, em 1978. O encontro conforma, com uma grande quantidade de outros eventos e publicações,[6] um cenário da década de 1970 que promove debates sobre os sentidos possíveis do “latinoamericanismo” para as artes. Naquela década, os críticos, teóricos, artistas e instituições voltaram-se com maior força e confiança para a busca por parâmetros, processos e preocupações que indicassem um ponto de vista do sul, sem deixar fugir a consciência de que não haveria uma só América Latina, mas sim um continente plural.

Jorge Alberto Manrique (1978) não menciona exatamente esse movimento pendular, indicado por Aracy Amaral, mas sim da ideia de uma invenção da América Latina. Como uma ficção que invade a realidade, a ideia de América Latina, apesar das diferenças de cada país e nação, começa a parecer possível. A questão mais importante, para Manrique, ao falar do valor de uma invenção, como a da América Latina, tornar-se realidade, está em algo mais extenso que as definições institucionais desse recorte do Novo Mundo: “ao fato de que o artista se sente latino-americano” (Manrique, 1978, p. 4, tradução nossa). É possível perceber, pela fala de Manrique, que o debate sobre uma arte latino-americana, nos anos 1970, já se encontrava profundamente atrelado aos questionamentos de uma teoria pós-colonial.

Já no caso de Carlos Rodriguez Saavedra, ainda em relação à citação de Aracy Amaral, seu comentário estende-se para além da compreensão dos movimentos nativistas e internacionalistas como variáveis de um mesmo processo de construção de nossa própria modernidade. Saavedra determina o movimento e a instabilidade como inevitáveis a partir do momento em que adentramos e assumimos visões de mundo não apenas pouco ou nada condizentes com nossa realidade, como também baseadas em um arcabouço cultural criado a nossa revelia. Munidos de tais ferramentas de análise, tendemos ao movimento pendular.

No entanto, a história da pintura latino-americana aparece, vista de fora, como um movimento de vai e vem, um movimento pendular, um movimento alternativo. Esse movimento é consequência da fratura, causada pela conquista espanhola, da nossa coerência original pré-colombiana. Desde o século XVI, entramos em um sistema de valores que não criamos e no qual fomos vistos como hóspedes de segunda classe: a cultura ocidental. Usamos o mesmo relógio que os europeus, mas com um horário diferente. As condições para o movimento do pêndulo são dadas, a partir desse momento, pelo processo histórico: passar do que somos ao que não somos, do que é nosso ao que é alheio (Saavedra, 1978, p. 3, tradução nossa).

Ao compreendermos essas afirmações, as variações históricas entre nativismo e internacionalismo surgem como um sintoma de nossas contradições. No caso argentino, o próprio sentido de internacionalismo tendeu a assumir significados diversos, na medida em que variavam os contextos político-econômicos e reformulavam-se os paradigmas do mundo da arte. Por décadas, artistas argentinos experimentaram e debateram-se com o internacionalismo como: rompimento do isolamento da década de 1940, integração e atualização de meios e processos (em uma postura que já supunha o estrangeiro como mais atualizado), permitir que artistas locais estivessem no páreo das disputas internacionais, internacionalização com o sentido de importação da cultura do colonizador e, depois, como exportação da produção local, exibição do crescimento interno e, ainda, submissão ao imperialismo (Giunta, 2001, p. 30). Embora isso possa ser mais evidente, para as artes, entre os fins dos anos 1950 e começo dos anos 1980, em âmbito geral, Saavedra fala sobre como tal condição pendular se mostra mais evidente a partir dos movimentos de independência das colônias.

Esse movimento alternativo é, no entanto, inseparável da própria existência da América Latina. Animado sucessivamente por uma energia centrípeta e outra centrífuga, nosso Continente se abre e se reúne em uma diástole e uma sístole incessantes e de necessidade vital. Ele se concentra para se afirmar e se expande para se renovar. Ao se contrair, nos consolidamos; ao se expandir, confirmamos nossa vocação universal. No primeiro caso, nos tornamos mais autênticos; no segundo, mais complexos e ricos. Suprimir qualquer um desses dois momentos equivaleria a decretar a paralisia e, consequentemente, a morte da América Latina. Esse é também, finalmente, o processo através do qual construímos a nossa personalidade, que não pode ser limitada a apenas um dos nossos componentes. É evidente, por exemplo, que não podemos nos identificar exclusivamente com nossas raízes mais antigas e profundas, o passado pré-colombiano, e é evidente, também, que não pertencemos à cultura europeia (Saavedra, 1978, p. 4, tradução nossa).

Ao pensar sobre o diferencial entre a mestiçagem das culturas latino-americanas e a mestiçagem das demais culturas, Saavedra toca em um ponto que ocupa espaço privilegiado: a inconsistência do sentido de “origem” quando pensamos nas narrativas de nosso passado. O que entendemos como “sístole e diástole” em muito dispensa a “origem” como preocupação para se compreender acontecimentos e processos que não respondem aos fundamentos europeus de História, cronologia, linearidade e narrativa. Interessam, sim, para a construção de uma historiografia da arte desde América Latina, os processos de dupla amnésia, identificados por François-Xavier Guerra, e os movimentos de abertura e fechamento, apontados por Saavedra, como partes da digestão, da reciclagem e da hibridização do sul, como comentava Camnitzer (Camnitzer, 2008, p. 24).

Duas ações de Greco e Minujín

A “condição pendular”, definida como oscilação entre influências internacionais e afirmações locais, decorrente da fratura colonial, materializa-se nas ações de Alberto Greco[7] e Marta Minujín[8] analisadas nas próximas páginas. Ambos, quando em solo estrangeiro (Madri e Paris), demonstraram essa dualidade: Greco, ao integrar o cotidiano espanhol em seus Vivo-Dito, e Minujín, ao destruir sua produção inicial, criticam a mercantilização artística europeia, enquanto reafirmam matrizes conceituais do Informalismo portenho. Suas práticas não reproduzem passivamente tendências hegemônicas, mas as ressignificam através de gestos radicais enraizados em críticas políticas e sociais argentinas, o que transcenderia a noção de “precursor”, ao articularem, na diáspora, um diálogo ativo entre abertura cosmopolita e especificidades locais, de modo a consolidar a pendularidade como operação estruturante da arte argentina.

O trabalho com o duplo processo de esquecimento e os movimentos de sístole e diástole podem ser aproximados ao tratamento de Alberto Greco como “precursor” e aos seus movimentos de trazer o quotidiano à arte e a arte ao quotidiano.[9] Assim como trazia o quotidiano para a arte e levava a arte para o quotidiano, Greco viajava para Europa e Estados Unidos, produzia em ruas estrangeiras, sem deixar de afirmar-se como o maior pintor informalista vivo,[10] de apontar seu “dedo vivo” e apropriar-se da realidade e sem abandonar a força da materialidade característica de suas pinturas, colagens e objetos.[11] Ou seja, pensar o desenvolvimento de seus trabalhos como se houvesse uma fase “pré-conceitualista” e outra submetida às influências às quais esteve exposto no exterior seria um equívoco.

Diversa de uma narrativa linear e cronológica, devemos fazer giros em torno desse ponto-chave, como um marco que diz respeito à história de seu contexto. Nesse sentido, ao indicarmos Greco como um precursor da arte conceitual, não apenas supomos a submissão à cronologia do norte para determinar a possibilidade de surgimento das vertentes conceituais do sul como corremos o risco de ignorar seu contexto específico e os diálogos e influências locais.

Não seria possível repassar, em apenas um texto, todos os acontecimentos marcantes da trajetória de Alberto Greco, principalmente em seus últimos 10 anos de vida. Das situações criadas em 1963, ressaltamos a viagem de trem que o artista empreende com uma pequena caravana, entre as estações de Sol e Lavapiés, em Madri. Greco transitava com um balde verde sobre a cabeça e guiou o povo para a última estação, onde estendeu tecidos sobre o chão e convocou os presentes a pintarem e intervirem livremente. Por fim, o artista ateou fogo ao resultado das intervenções do público e a polícia foi chamada para encerrar a confusão. Sobre aquela experiência, deixou registrado:

O metrô era incrível […] embora muitos não entendessem nada. Os melhores momentos foram o cartaz gigante pintado com Vivo-Dito, depois enrolado com todos os gravetos e potes de tinta e correndo feito louco, pingando tinta vermelha por todas as ruas. Então as pessoas voltaram correndo, delirando. Dei a volta no palco, com aquele tipo de cadáver encharcado e coberto de sujeira. […] Quando todo o fogo se apagou, escrevi em um pedaço de pano não queimado: O VIVO-DITO SÃO VOCÊS: O VIVO-DITO SOMOS NÓS, O VIVO-DITO É ISSO, assinei todos juntos, traçando um círculo ao redor deles. Assinei o bilhete e fui embora (apud Rivas, 1991, p. 310, tradução nossa).[12]

A Viaje de pie en metro de Sol a Lavapies (figs. 1 a 3), apesar de soar intempestiva depois de sua descrição mais sucinta, dependeu de certo nível de planejamento, que demonstra consciência e intenção, por parte do artista e de outras pessoas envolvidas, de que se tratava de um movimento para integrar a arte ao quotidiano, compreender sua manifestação como da ordem do comportamento e mais da apresentação de ideias do que da produção de objetos. O artista preocupou-se com a publicação de um convite público (Fig. 4), em que afirmava que assinaria pessoas, situações, uma cabeça de cordeiro, e que todas essas ações deveriam ser compreendias como obra de arte vivo-dito (Rivas, 1991, p. 312), em consonância com seu manifesto antes publicado.[13]

Figura 1. Imagens da ação Viaje de pie en metro de Sol a Lavapiés. Fonte: fotografias publicadas no jornal El Pueblo, em 19 out. 1963. Autores: Guarner e César, Madrid, 1963. Disponível em: https://www.albertogreco.com/es/obras/artevivo/metro/index.htm. Acesso em: 12 ago. 2025. Foto em preto e branco de várias pessoas caminhando em direção à câmera, com dois homens à frente, carregando um tecido branco encharcado de tinta.

Figura 2. Imagens da ação Viaje de pie en metro de Sol a Lavapiés. Fonte: fotografias publicadas no jornal El Pueblo, em 19 out. 1963. Autores: Guarner e César, Madrid, 1963. Disponível em: https://www.albertogreco.com/es/obras/artevivo/metro/index.htm. Acesso em: 12 ago. 2025. Foto em preto e branco de artista ao centro, ao fundo, ajoelhado sobre um tecido branco, ao lado de um balde, com dezenas de pessoas de pé, formando um corredor humano em perspectiva, olhando para câmera que está em um ponto próximo do chão.

Figura 3. Imagem da ação Viaje de pie en metro de Sol a Lavapiés. Detalhe para Greco com um balde sobre sua cabeça, ao centro da imagem. Fonte: fotografias publicadas no jornal El Pueblo, em 19 out. 1963. Autores: Guarner e César, Madrid, 1963. Disponível em: https://www.albertogreco.com/es/obras/artevivo/metro/index.htm. Acesso em: 12 ago. 2025.

O ator Luis Gallardo, que viria a ser detido pela polícia ao fim da ação, foi chamado por Greco, tomou a frente e reuniu o público com falas como:

Vejam, senhores, aqui estamos num ato vivo de pintura, arte no instante, queimada e purificada. A arte viva-Dito é a aventura da realidade que sai para a rua. Ei senhor, fique de frente para a parede. Não vá, senhora. Que vá trabalhar a rata, o camaleão que tenho em minha mão (López Anaya, 2003, tradução nossa).

Enquanto o ator falava, espalharam-se, sobre o chão, os tecidos brancos e os recipientes de tinta, previamente preparados, e orientava-se o público para realizarem a intervenção. Toda essa sequência, finalizada com as chamas, necessitou de razoável premeditação para que tudo se concretizasse. Esse planejamento, certamente, deve ser considerado com vistas para o cenário de repressão da Espanha franquista de 1963, como nos lembra Fernando Herrero-Matoses (2015, p. 108), em “Alberto Greco e Julio Cortázar: el juego y la trayectoria nómada de la vanguardia”.

Figura 4. Alberto Greco. Convite para o “Momento Vivo-Dito”. Viaje de pie en metro de Sol a Lavapies. Impressão sobre papel, 21 x 9 cm, Madrid, 1963. Fonte: https://www.albertogreco.com/es/obras/artevivo/metro/index.htm. Acesso em: 12 ago. 2025. Fotografia de panfleto horizontalizado que diz “alberto greco te invita a un momento vivo – dito. viaje de pie en el metro desde sol a lavapies y visita al mercado. mostrar el obeto encontrado en sur lugar. greco firmará gentes – situaciones – cabezas de cordero y todo cuanto considere obra de arte vivo – dito. viernes 18 de octubre , a las 12 horas – lugar de encuentro andén de la estación de metro sol – dirección lavapies.” O número 12 está cortado, com uma anotação grande em vermelho que diz “7 tarde”.

Como podemos sempre considerar que seja inadequado pensar os trabalhos de Alberto Greco dentro de princípios que parecem apenas ter se solidificado na arte contemporânea algumas décadas depois, essa defesa de sua consciência sobre a arte que produzia deve vir acompanhada de questionamentos já realizados a respeito desse sujeito imaginado pela posterioridade. O iconoclasta como ícone, inventado e tornado lenda, não é uma construção de décadas recentes. A compreensão de que era necessária outra visada para abarcar a produção de Greco estava presente em sua época e contribuiu para que se tornasse uma espécie de lenda-viva (Melaj, 2008; Hipólito; Grando, 2016).

Figura 5. Marta Minujín, La Destrucción, Impasse Ronsin, Paris, 1963. Fonte: fotografia de Harry Shunk e János Kender. Getty Research Institute, Los Angeles. Disponível em: https://www.stirworld.com/see-features-arte-arte-arte-the-jewish-museum-echoes-marta-minujin-s-feisty-anthem. Acesso em: 12 ago. 2025. Foto em preto e branco da artista sorrindo, enrolada em tecidos e presa por cordas aos restos de suas obras empilhados ao fundo. Ela sorri, com os cabelos sobre o rosto e o braço direito de fora do tecido branco que a envolve da metade do tronco para baixo.

Assim como Greco, Marta Minujín empreendeu viagem à Europa como parte do movimento de internacionalização de sua época. É compreensível que a experiência de viajar para a Europa como inevitável para as formações dos artistas daquele período, na Argentina, estivesse arraigada na concepção oligárquica sobre progresso civilizacional e como herdada da arte moderna pela nascente arte contemporânea local, da qual ambos faziam parte. Minujín, poucos anos após seu retorno de Paris para Buenos Aires, procurou fazer uma crítica e uma análise sobre esse movimento pendular internacionalista. Sua ideia seria a realização de duas mostras, sob o título de “Importación-Exportación” (1968). Apenas a primeira parte, com propostas influenciadas pelo movimento hippie, foi realizada. A segunda mostra, pensada para reafirmar a força dos pontos de vista locais, infelizmente, não tomou corpo.[14]

Antes de retornar à Argentina, no entanto, sua última ação em Paris nos parece ser significativa para pensarmos tanto essa mútua influência entre artistas argentinos quanto sua postura frente à internacionalização, ou como tais experiências reverberaram em seus processos poéticos. Em 1963, Minujín realizou La Destruición en el Impasse Ronsin (figs. 5 a 7), ou apenas La Destrucción, como marco de encerramento de seu período de formação na cena artística parisiense.

Figura 6. Marta Minujín, La Destrucción, Impasse Ronsin, Paris, 1963. Fonte: https://exhibits.haverford.edu/arqueologias/marta-minujin-es/. Acesso em: 12 ago. 2025. Foto em preto r branco com o fundo de obras instaladas de modo improvisado em um terreno baldio, com pessoas em segundo plano, conversando e viradas em direção da câmera.

Figura 7. Marta Minujín, La Destrucción, Impasse Ronsin, Paris, 1963. Fonte: fotografia de Harry Shunk e János Kender. Disponível em: https://walkerart.org/collections/artworks/marta-minujin-exhibition-and-happening-la-destruccion-the-destruction-impasse-ronsin-paris. Acesso em: 12 ago. 2025. Foto em preto e branco de artista de pé, à esquerda da imagem, suja de tinta, debruçada sobre uma pilha de obras meio destruídas, esticando um braço com uma tocha para por fogo em tudo.

Como aponta Ana Beatriz Mauá Nunes, em “Yo soy genial, pero nací en Argentina: gênero, nacionalidade e consagração na trajetória de Marta Minujín” (2020), a artista passou por uma rápida ascensão e reconhecimento como parte relevante do cenário da arte contemporânea argentina.[15] Esse reconhecimento, ainda jovem, seria advento não apenas das qualidades próprias de seu trabalho, mas de seu posicionamento no processo de internacionalização de artistas locais, de sua origem familiar e do apoio veloz das direções do Centro de Artes Visuales (CAV) do Instituto Torcuato di Tella, com Romero Brest, e do Centro de Artes y Comunicación, encabeçado por Jorge Glusberg, logo após seu retorno de Paris. Além desses elementos, cabe ressaltar que tal processo de apoio para a presença de artistas argentinos na Europa e nos EUA, naqueles começos da década de 1960, misturava-se com o entendimento estrangeiro da América Latina como “alteridade cultural e política” (Nunes, 2020, p. 199), passível de ser compreendida como horizonte revolucionário. Ou seja, havia tanto um interesse local no envio de artistas para o estrangeiro quanto uma expectativa das cenas independentes europeias em relação ao que poderia surgir de diverso com o contato com artistas latino-americanos.[16]

Mas, de acordo com o registrado em seus diários da época (Minujín, 2018), as duas temporadas que Minujín passa em Paris, entre 1961 e 1963, foram repletas de indecisões, insatisfações com o cenário, com seus colegas argentinos em terras europeias e ambição pendente entre o sucesso mercadológico e o reconhecimento por parte de grandes prêmios e instituições. Ademais, Minujín fortalece sua postura experimental e sua herança informalista. A negação do objeto vendável como resultado do processo criativo e a escolha destrutiva como extremo dessa postura são partes dessa herança.

Antes de sua primeira mostra oficial na Galeria Lirolay, em 1961, Minujín havia exposto suas primeiras pinturas no Teatro Agón e na Galería Pizarro, além de frequentar o Bar Moderno, onde conhece Alberto Greco e modifica sua pintura rumo ao Informalismo, tanto por essa influência quanto pela de Jorge López Anaya (Noorthoorn, 2010, p. 131-132; Minujín, 2015, p. 18). Mas é o contato com Germaine Deberq, então coordenadora da Lirolay, que altera de imediato sua trajetória, pois recebe o convite para fazer parte da comitiva argentina para a Segunda Bienal de Paris. Pelo que escolhe para apresentar de modo autobiográfico, com a publicação de seus diários da época (Minujín, 2018), compreende-se que, conscientemente ou não, a artista optou por afastar-se do cenário mais tradicional e abraçar a insegurança vanguardista. A recusa da bolsa para cursar o ano letivo na École Nationale Supérieure des Beaux-Arts e a mudança para a rua Delambre, em convivência com diversos artistas experimentais, significou a escolha não apenas por participar do cenário internacional das artes, mas de integrar-se ao que considerava mais atualizado no campo de modo geral.

Nessa fase, que podemos chamar de “Cajas e Colchones”, Minujín acumula grande quantidade de assemblages e obras não finalizadas. Os colchões usados, tirados de hospitais, após limpos, eram pintados com faixas e motivos coloridos, costurados e colados noutros objetos e armações de madeira. Ainda que a aparência dessas criações não refletisse essas referências, a artista aponta que o uso dos colchões como suporte foi o caminho para descobrir a Pop e a Conceitual. No retorno à Argentina, tais referências permanecem. Se, em 1961, Minujín ressalta o Novo Realismo como o que mais lhe marca e afirma já ter visto tudo o que precisava para produzir, em 1962, diz precisar de muito mais tempo para firmar-se como artista (Giunta, 2001, pp. 191-193) e lamenta voltar à Buenos Aires. Andrea Giunta acrescenta que, assim como Alberto Greco, Minujín precisava ser notada, que a concepção de vanguardismo como choque valia para ambos e que o anedotário dos anos 1960 passa, centralmente, por seus nomes. Se Minujín já possuía historietas em Paris, sua saída da cidade se torna um marco com La Destrucción (1963). Sem poder guardar os trabalhos (Giunta, 2001, p 197), Minujín realiza uma mostra em seu ateliê e leva metade das peças para serem destruídas em um terreno baldio, próximo aos ateliês de Niki de Saint Phalle, Jean Tinguely e Larry Rivers, que cederam o local conhecido como impasse Ronsin (Noorthoorn, 2010, p. 136; Minujín, 2015, p. 40). Antes de atear fogo à montanha de colchões e madeira, ela convida alguns nomes proeminentes, que lhe eram próximos, para interferirem sobre seus trabalhos, ação que foi seguida da soltura de 500 pombos e 100 coelhos, em um ritual que marcará seu interesse pela efemeridade.

Quando descrita por Andrea Giunta, essa ação parece ter surgido sem muito planejamento. No entanto, ao verificarmos seus diários e catálogos, como tornou-se explícito décadas depois, La Destrucción ocorreu como um espetáculo razoavelmente planejado. Nos 20 dias que antecederam a ação, a artista organizou uma mostra em seu ateliê, junto à portuguesa Lourdes Castro e ao venezuelano Alejandro Otero. Para essa exposição, foi impresso um catálogo, em que Minujín já anuncia que, no encerramento, destruiria seu acervo, ainda que não por completo.

Usei esse tempo para convidar artistas a destruir minhas obras. Eles deveriam aparecer no terreno baldio do Impasse Ronsin às 18h da quinta-feira, 6 de junho, trazendo quaisquer elementos de trabalho que mais os expressassem. Eles deveriam criar sobre minhas obras (como destruição simbólica), deveriam implantar suas imagens sobre as minhas, cobrir, apagar e modificar minhas obras.

[…]

E chegou o grande dia, convoquei todos para o Impasse. Eu já havia colocado anúncios sobre o acontecimento em galerias e museus, e um grande número de pessoas demonstrou interesse e compareceu à destruição (Minujín, 2015, p. 42-43, tradução nossa).

O que a artista comenta como um simples convite consistiu em indicações prévias que determinariam fortemente o sentido do acontecimento. Não se tratou apenas de dispor seus trabalhos para que sofressem intervenções e fossem destruídos, mas do direcionamento e uso de outros artistas e seus processos como ferramentas de sua ação.

Todos eles vieram para a oficina e eu disse ao Erik Beynom, que era um artista pop: “Este trabalho é para você”; para Hernández, que era um artista expressionista abstrato, o mesmo; para Paul Gette, que era um artista performático: “Você destrói este com um machado, quebrando tudo”; à Lourdes Castro, que fazia tudo de prata, disse pra pintar minha obra toda com spray prateado, e ao Christo, que me envolvesse em uma das minhas obras (apud Noorthoorn, 2010, p. 51, tradução nossa).

Embora tenha sido influenciada pelas práticas dos Novos Realistas, às quais dá incontestável atenção durante seus primeiros meses em Paris, as influências para o desenvolvimento de suas esculturas de caixas e colchões, assim como para a realização de La Destricción, são mais variadas e refletem seus interesses em debates de outras ordens. O comparativo entre esse acontecimento e as ações de Niki de Saint Phalle, Tirs (1961), por exemplo, mais ressaltam as diferenças entre essa e a proposta de Minujín do que o contrário. Enquanto de Saint Phalle convida Robert Rauschenberg e Jasper Johns para dispararem contra seus trabalhos e, dessa forma, agrega valor aos objetos que continuam a levar seu nome, Minujín parece realizar uma crítica a essa mercantilização e fetichização. Ainda que ambas as estratégias desdobrem possibilidades dos readymade (posto que tanto Minujín quanto de Saint Phalle recolhiam objetos para alçá-los à condição de objetos de arte após pequenas ou não tão pequenas intervenções), o que sobra da ação de Minujín são apenas fotografias e relatos, que circularão de modo restrito nos anos seguintes e passarão a ser estudados como historicamente relevantes somente décadas depois. Mesmo que soe contraditório com as posturas futuras da artista, tão afeita a midiatização de todas as suas ações, nem mesmo a imprensa foi convidada para presenciar La Destrucción, e suas notas pessoais explicitam suas críticas à postura de alguns Novos Realistas em relação ao uso dessas estratégias para agregar valor comercial às suas peças. Todos esses pontos são demarcados por Michaëla de Lacaze Mohrmann (2020, p. 72), inclusive a afirmação positiva de Minujín de que, com a destruição, ninguém poderia comprar seus trabalhos.

Em contraponto ao seu aparente desgosto diante do cenário parisiense, a iconoclastia de Alberto Greco permanecia presente como uma espécie de lente auxiliar para as análises da jovem Minujín. No início de seu período parisiense, Greco a acompanhou nas visitas às mostras e situações propostas pelos Novo Realistas, inclusive às ações de Niki de Saint Phalle (Minujín, 2018, p. 56). A condição espetacular das ações dos Novos Realistas, ressaltada por Pierre Restany, certamente impactou os processos de Minujín, mas não acima da iconoclastia de Greco, que já havia dado passos na direção de aprofundar o sarcasmo diante da autoria artística (Mohrmann, 2020, p. 71).

No comparativo e na aproximação entre essas duas ações, além de observarmos a importância do planejamento, das autoafirmações de Greco e Minujín como artistas argentinos, de seu desenvolvimento conjunto na vanguarda portenha, de seus interesses pela participação do público e de suas posturas críticas diante da mercantilização das obras e da autoria, não podemos nos esquecer de que o fogo e a destruição eram presenças inegáveis no Informalismo. Em 1961, a Galeria Lirolay apresentou a mostra “Arte destructivo”, com participação de Kenneth Kemble, Luis Wells, Silvia Torras, Jorge Lopez Anaya, Jorge Roiger, Antonio Seguí e Enrique Barilari. A exposição, com obras agredidas, destruídas e misturadas com móveis e objetos recolhidos dos refugos da cidade (tanto da área do porto quanto do local onde se queimava lixo), possuía a ambientação de uma paisagem sonora composta por uma coleção de registros de quebras e rasgos. Embora parecesse desprovida de ordem, “Arte destructivo” somente se realizou a partir de um cuidadoso planejamento. Sua concepção integrava-se ao programa poético de Keneth Kemble, refletia um interesse generalizado pela destruição e a violência e, como ressalta Andrea Giunta (2001, p. 185, tradução nossa),

O que tornou essa experiência tão importante e diferente foi que o que foi mostrado foi o resultado de um longo processo de trabalho colaborativo, no qual os artistas se reuniram não apenas para coletar materiais, mas também para discutir a ideia de destruição e trabalhá-la em suportes visuais e auditivos.

Greco e Minujín,[17] da mesma forma que os demais integrantes da vanguarda informalista portenha, haviam desenvolvido o conjunto de ações que se complementavam e se aproximavam até formarem um contexto em que é possível a concepção de propostas como La Destrucción e Viaje de pie en metro de Sol a Lavapies. Se “Arte destructivo” é tida como a culminância do Informalismo pelos atores da época (Giunta, 2001, p. 186), as ações de Greco e Minujín, cada uma a sua maneira, parecem encontrar-se com esse sentido de transição, encerramento e morte.

Viaje de pie en metro de Sol a Lavapiés e La Destrucción foram meticulosamente planejadas, o que evidencia uma consciência artística que transcende a noção de mero “precursor”. O convite público de Greco, a coreografia com atores, a disposição de materiais e a direção de participantes revelam estratégias intencionais para integrar arte e cotidiano, enquanto Minujín organizou catálogos, designou intervenções específicas a outros artistas e recusou a imprensa, de modo a articular uma crítica à mercantilização. Esses procedimentos sistematizados, enraizados no contexto do Informalismo portenho, confirmam que ambos já operavam com matrizes conceituais locais, como a negação do objeto mercantil, a efemeridade e a crítica institucional, além de reconfigurarem influências internacionais a partir de preocupações políticas e sociais argentinas. Assim, suas obras não derivam passivamente de tendências hegemônicas, mas representam marcos autônomos na construção da arte contemporânea argentina, o que desafia historiografias centradas no eixo Norte-Sul.

Conclusão

Tanto Minujín quanto Greco levam a Argentina junto de si para o exterior. Mesmo que algumas de suas ações tenham sido realizadas em solo estrangeiro, isso não fez com que eles estivessem somente submetidos aos parâmetros externos e obedientes às determinações e influências (inegáveis) do cenário hegemônico. Essas afirmações são condizentes com o entendimento de América Latina como espaço “desterritorializado” e como “lugar indeterminado”, indicadas anteriormente e já bem desenvolvidas nas visões pós e decolonial. No mesmo sentido, ressalta-se a importância da postura desses artistas ao reiterarem sua condição de latino-americanos (Manrique, 1978, p. 4). Essa postura se torna nítida quando percebemos o largo interesse e a força das presenças de artistas do sul na Paris da virada dos anos 1950 até metade da década seguinte (Nunes, 2020).

A complexidade do entendimento dos processos e realizações de artistas como Greco e Minujín está diretamente ligada ao que apontamos como “condição pendular” e aos movimentos de sístole e diástole, que se encontram entranhados tanto nas estruturas institucionais quanto em nossas visões de mundo. Em suma, para compreender o desenvolvimento da arte contemporânea na América Latina e, por conseguinte, repensar sua historiografia, é fundamental considerar de modo mais balanceado, e sem simplificações, os esforços internacionalistas e os processos de sístole e diástole (Saavedra, 1978, p. 3-4). Tais movimentos nos permitem compreender nossa arte contemporânea como fruto de abertura, influência estrangeira, desproteção e hibridização, mas, também, de fechamento, influência local, proteção, reciclagem e digestão (Camnitzer, 2008, p. 24).

Viaje de pie en metro de Sol a Lavapies e La Destrucción, certamente, integram o cenário internacional mais extenso e refletem interesses por mudança e reinício, de morte e ressurgimento. Mas não podem ser analisadas e compreendidas pela ótica de simples influência dos avanços europeus e novaiorquinos, o que colocaria Greco e Minujín como precursores de algo que só viria a se desenvolver na Argentina após a metade da década de 1960. Pelo contrário, percebe-se que o Informalismo se constituía de posturas conscientes em relação aos sentidos dessas experiências para as mudanças de paradigmas que efetivavam. Nas palavras de Keneth Kemble:

O que me interessava era a criação, os processos de criação. Era tentar espalhar por aqui um espírito de pesquisa e aventura, para que pudéssemos criar e não estar sempre seguindo as últimas modas em Paris ou Nova York, que era o que fazíamos e o que continuamos a fazer (apud Giunta, 1997, p. 84, tradução nossa).

O incômodo com a mercantilização do Informalismo, o ressurgimento de um interesse pelo impacto imaginativo surrealista, a quebra e ressurgimento das linguagens e das instituições viciadas, além desse desejo, expressado por Kemble, de construir uma nova Buenos Aires que definisse seus próprios termos vanguardistas, permaneceriam vivos por toda a década. Parear La Destrucción e Viaje de pie en metro de Sol a Lavapies e pensá-los antes integrados aos caminhos do Informalismo argentino do que apenas como resposta ao contato com as acumulações de Arman, as obras autodestrutivas de Tinguely e as propostas de ação de Niki de Saint Phalle e Gustav Metzger permite que se perceba com mais consistência seus papéis no tecido da nascente arte contemporânea argentina dos anos 1960.

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[1] Nesse sentido, cabe ressaltar que, quando Mari Carmen Ramírez (2000, p. 373) afirma que a primeira fase do conceitualismo na América Latina seria entre 1966 e 1974, estabelece uma limitação para propostas surgidas na Argentina, no Brasil e entre artistas exilados em Nova Iorque. Sob sua ótica, as experiências locais anteriores deveriam ser compreendidas apenas como precursoras. Ana Longoni (2007), ainda que critique a limitação cronológica da proposta de Ramírez e nos lembre que Alberto Greco, Edgardo Antonio Vigo e Marta Minujín realizam trabalhos sólidos e recorrentes nos anos anteriores, não abandona os marcos e cronologias lineares. A despeito da discordância, é razoável nos lembrarmos de que tanto Ramírez quanto Longoni estabelecem um foco crítico sobre as dicotomias de emissão-recepção e centro-periferia, no sentido de promover certo decentramento para a compreensão dos contextos e processos locais, fundamentais para o surgimento da arte contemporânea na América Latina.

[2] Embora seja inegável que há grande variedade de origens nacionais, herdeiras de muitos povos, e que a história da arte dos países latino-americanos possui seus próprios pontos sensíveis, observa-se um compreensível empenho na determinação de aspectos confluentes entre nossas experiências conceitualistas, como é o caso do inconformismo e da preocupação ideológica, que não exporia uma relação direta com o desenvolvimento do Minimalismo e do Conceitual norte-americanos (cf. Ramírez, 2000, p. 41). Nesse sentido, um dos primeiros empenhos para compreender tal unidade e estabelecer uma conceituação apropriada nos veio através da “arte de sistemas”, proposta por Jorge Glusberg (Paladino, 2015, p. 21), a quem credita-se a expressão “conceitualismo ideológico” (Glusberg, 1972).

[3] Ao verbalizar seu incômodo, o uruguaio sintetiza o problema: “A palavra ‘protomovimento’ permite a exclusão de artistas de um grupo ao qual eles normalmente deveriam pertencer, considerando suas intenções e recursos formais. Mas às vezes essa inclusão é capaz de alterar a narrativa histórica” (Camnitzer, 2008, p. 45, tradução nossa).

[4] Em 1966, a “mania” de falar sobre happenings na imprensa pouco conhecedora dos termos, na Argentina, chegaria a seu ápice (Masotta, 2004, p. 336-340).

[5] Aníbal Quijano (2007) explica como a naturalização da visada eurocêntrica é parte indissociável da colonialidade e como essa condição determina fronteiras discursivas e metodológicas para a construção de conhecimento, assim como para o estabelecimento de hierarquias sociais, jogos de poder e perspectivas econômicas e de trabalho. Mas, cabe ressaltar que a colonialidade não se estabeleceu de modo homogêneo, tampouco sem atritos: “Uma crítica explícita ao evolucionismo unilinear e unidirecional do eurocentrismo já está presente, por exemplo, no livro de Haya de la Torre, El Antimperialismo y el APRA (escrito segundo seu autor em 1924, embora sua primeira edição seja de 1932). A percepção das relações de poder econômico no Peru, implícita no primeiro dos Ensayos de interpretación de la realidad peruana (1928), de José Carlos Mariátegui, pode ser considerada o embrião do conceito de heterogeneidade histórico-estrutural, desenvolvido em meados da década de 1960. Veja meu livro Notas sobre el concepto de marginalidad social (1966)” (Quijano, 2007, p. 95, tradução nossa).

[6] Como as publicações organizadas por Damián Bayón e Marta Traba, a I Bienal Latinoamericana de São Paulo, a II Bienal de Medellín, o Simpósio de Austin, o Simpósio Situación y Perspectivas de las Artes Visuales en América Latina, na Universidade Nacional do México, etc.

[7] Alberto Tomás Greco (1931, Buenos Aires – 1965, Barcelona) destacou-se como cofundador do Movimento Informalista em Buenos Aires, posteriormente evoluindo para práticas tidas como precursoras da arte conceitual. Ele desenvolveu os chamados “Vivo-Dito”, a partir de seu manifesto que propunha a arte como gesto de “sinalização” do cotidiano, assinando pessoas, objetos e situações in situ para dissolver fronteiras entre arte e vida, criticar instituições artísticas e exaltar o efêmero. Suas ações performáticas, como o lançamento de ratos na Bienal de Veneza (1962) e seu suicídio encenado como “obra final” (com “FIN” inscrito na mão), radicalizaram o conceito de obra-processo e influenciaram neovanguardas na Europa e América Latina.

[8] Marta Inés Minujín (1943, Buenos Aires) é pioneira em happenings, performances e instalações de grande escala; iniciou no Informalismo (1961) e ligou-se ao Nouveau Réalisme em Paris, onde realizou sua primeira ação. Cofundou a variante portenha da Pop Art com grandes instalações interativas, como La Menesunda (1965), desenvolveu diversas performances com comentários sobre novos meios de comunicação, arte ligada ao cotidiano, intervenções e grandes monumentos efêmeros. Como um dos nomes mais conhecidos e consagrados da arte argentina, permanece em atividade até o momento da redação deste artigo.

[9] “O ‘primeiro movimento’ de Greco consistiria em levar a vida quotidiana para a Arte. Nesse movimento contam suas pinturas com materiais ‘não-artísticos’ e a ex-posição das peças para serem consumidas pelo tempo. O outro movimento seria o de levar a arte à vida quotidiana. Então teríamos suas intervenções no espaço urbano, suas participações “surpresa” em exposições, sua verdadeira aura de artista, em suma, os seus ‘vivo-dito’. Esses movimentos, por fim, entrecruzam-se confusamente na trajetória do artista.” (Hipólito; Grando, 2016, pp. 686-697).

[10] Em 1961, Greco realiza aquela que talvez tenha sido sua primeira intervenção em espaços públicos. Junto ao encerramento de sua mostra “Monjas”, na Galeria Pizarro, Greco cola cartazes pela avenida Corrientes, em Buenos Aires, com os dizeres: “Alberto Greco, ¡Qué grande sos!” e “Alberto Greco, el pintor informalista más importante de América”, enquanto a ação era registrada pelo fotógrafo Sameer Makarius (García; Pacheco, 2021, p. 289-290; Grando; Hipólito, 2020, p. 683). Alguns desses registros fotográficos podem ser encontrados em: https://www.albertogreco.com/es/obras/artevivo/quegrandesos/index.htm. Acesso em: 12 ago. 2025.

[11] “Não se trata apenas de uma continuidade entre as práticas informalistas e aquelas da Nueva Figuración, dos novos meios e conceitualistas. Sob o entendimento de ‘acontecimento’, o informalismo de Greco, após sua virada para os ‘vivo dito’, abarca aquilo que se apresenta aos corpos/pensamentos em proposições expressivas. Se algumas dessas proposições se fizeram com marcas efêmeras, como os círculos de giz nas calçadas e as pixações em saunas públicas, essas marcas se fazem ainda perceptíveis, como documentadas pela historicidade e pela visibilidade das fotografias.” (Grando, Hipólito, 2020, p. 145).

[12] Carta de Greco a Lourdes Castro e René Bertholo, 1963.

[13] “Para Greco, cada momento poderia se converter em uma situação ressignificadora, assim, todas as coisas à volta, incluindo as pessoas, poderiam tornar-se matéria-prima. Quando volta à Roma, ainda em 1962, inicia as demarcações de espaços públicos com os dizeres ‘A pintura é finita’, ‘Viva a Arte Vivo-dito’ e ‘Viva Greco’. 1962 é também o ano em que Greco espalha pelas paredes e muros de Gênova o seu ‘Manifesto Dito del’Arte Vivo’. Através desse manifesto, Greco cunha a expressão ‘vivo dito’, com a qual se tornariam historicamente conhecidas ações empreendidas até sua morte, em 1965.” (Hipólito; Pedroni, 2014, p. 405)..

[14] A artista havia declarado suas intenções logo na abertura da primeira mostra, como fica registrado na Revista Gente, em 25 de julho de 1968: “O espetáculo-show que apresentarei se chamará Importación-Exportación. Vou mostrar o mundo do qual participei em Nova York, o mundo dos hippies, que é o movimento jovem mais recente daquela cidade. Quando eu retornar aos Estados Unidos, oferecerei a segunda parte do show lá, que será baseada na minha experiência durante esses 15 dias na Argentina. Somos contra o establishment. Contra tudo o que está estabelecido, que seria representado por instituições, bancos, escritórios. Temos até nosso próprio candidato presidencial, chamado Abolafia, que é um garoto de vinte anos que não está ocupado com nada além de sua campanha” (Minujín, 2015, p. 101, tradução nossa). No entanto, o fechamento do Instituto Torcuato di Tella (ITDT), em 1970, encerra aquele projeto. Aberto em 1958, o ITDT foi fundamental para o desenvolvimento da arte contemporânea argentina. Ainda que perseguido pela ditadura iniciada em 1966, no governo de Juan Carlos Onganía, o Instituto não deixou de promover o vanguardismo e, nos anos anteriores ao seu fechamento, é notável o empenho nas mostras realizadas sob a indicação de “Experiencias” (cf. Varela, 2018).

[15] Embora não seja possível detalhar, aqui, as variações desse reconhecimento, é justo dizer que a ascensão e o apoio de críticos e diretores de grandes instituições, por parte da artista, não significa a ausência de diferenciações entre seus trabalhos e as vertentes de viés político-crítico locais, assim como da apresentação de dúvidas a respeito do lugar por ela ocupado na historiografia da arte contemporânea argentina.

[16] “No início de 1962, havia tantos artistas jovens em Paris que Germaine Derbecq conseguiu organizar a exposição ‘30 Argentins de la novelle génération’ em paralelo com a exposição de época parisiense (entre 1921 e 1946) das obras do escultor Pablo Curatella Manes” (Giunta, 2001, p. 193, tradução nossa).

[17] Nas décadas seguintes, Minujín será rapidamente reconhecida por seus happenings (vertente forte da arte contemporânea argentina dos anos 1960) e desenvolverá intensa relação com o campo da performance. O início de tal desenvolvimento pode ser percebido com certa nitidez no planejamento da sua primeira ação, aqui apresentada. Dado o nosso objetivo central de evidenciar a importância da “condição pendular” para a historiografia da arte contemporânea argentina, assim como a curta extensão de um artigo, ressalta-se a relevância da leitura de Marta Minujín: happenings y performances (Minujín, 2015) para melhor compreensão do peso das questões performáticas para a artista, nas diversas fases de sua trajetória.

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