[texto de processo] Dionísio Del Santo: diálogo com o acervo

Texto de Rodrigo Hipólito

Fundo bordô com logos da galeria Matias Brotas e indicação “100 anos” na parte superior Direita. À esquerda, em tipografia estilizada e em verde claro, lê-se “Dionísio del Santo: o construtivo ontem e hoje”. Logo abaixo, em branco, lê-se: participe do talk Diálogo com o acervo, mediado por Flávia Dalla, com: Almerinda Lopes, Nicolas Soares e Rodrigo Hipólito. Os nomes estão acompanhados por fotos em preto e branco com recorte circular. Abaixo das fotos e sobre um triângulo azul invertido que ocupa o vértice da imagem, lê-se: 11.11 às 17h, no MAES. Inscrições pelo https://linktr.ee/dionisiodelsanto. Na base da imagem, logos do MAES e do Governo do Estado do Espírito Santo.

Em 2025, Dionísio Del Santo completaria cem anos. Nas artes visuais, Del Santo é o maior nome capixaba. Como é comum, ele não é tão conhecido e, mesmo nos círculos das artes, são poucas as pessoas que se interessaram por pesquisar sua obra. A professora Almerinda Lopes é, até o momento, a única pesquisadora que compreendeu ser indispensável escrever sobre Del Santo. Seus livros e textos para catálogo nos permitem perceber a trajetória desse artista e localizá-lo em nossa história da arte.

Nesse 11 de novembro de 2025, pude participar de uma conversa com Almerinda, Nicolas Soares e Flávia Dalla, no Museu de Arte do Espírito Santo (MAES), instituição que leva o nome Dionísio Del Santo. A conversa “Diálogo com o acervo” foi organizada em parceria com a Galeria Matias Brotas e integrou a programação do circuito do centenário de Dionísio Del Santo. O evento ocorreu no contexto da exposição “Fragmentos”, que exibe trabalhos do artista produzidos na década de 1990, entre serigrafias e telas da série “Fragmentos rítmicos”.

A exposição “Fragmentos” funciona como uma afirmação curatorial sobre a fase final da produção de Del Santo. As obras selecionadas demonstram um domínio consolidado da linguagem construtiva, com foco na exploração de ritmo, forma e cor. A série “Fragmentos rítmicos”, em especial, brinca com a repetição e variação de módulos geométricos, de modo a criar uma sensação delicada de quase-movimento pela sequência visual. Del Santo sempre tratou da cor como elemento estrutural próprio para estabelecer impressões de profundidade e vibração ótica. Apresentada na sala permanente do acervo do MAES, essa mostra não é uma retrospectiva. Assim como as demais exposições ali montadas, nos últimos anos, trata-se de uma argumentação em torno e para o interior do acervo do museu. Nesse caso, diante do conjunto de serigrafias e pinturas, podemos pensar sobre a centralidade desse período para a compreensão dos métodos de trabalho do artista.

Após a visita à mostra, nossa conversa foi estruturada para promover uma análise multifacetada dessa produção de Dionísio Del Santo e de seu papel na formação do acervo do MAES. A professora Almerinda situou a trajetória de Del Santo no panorama mais amplo dos nossos concretismos e comentou com detalhes várias passagens da biografia do artista. Em diálogo com Nicolas Soares, diretor do MAES, procurei resgatar aspectos da formação do acervo do museu e como sua constante e renovada exibição, hoje, permite a abertura de uma série de diálogos com a contemporaneidade que, até pouco tempo, nos eram impossibilitados.

Fotografia do evento “Diálogos com o acervo”. Da esquerda para a direta, sentados em cadeiras pretas, com projeção de fundo laranja com informações do evento ao fundo: Flávia Dalla, Almerinda Lopes, Nicolas Soares e Rodrigo Hipólito, com o microfone e mãos.

A mostra inaugural do MAES, em 1998, foi uma grande exposição com 85 trabalhos de Del Santo, que o próprio artista montou. Infelizmente, seu estado de saúde já era delicado e ele nem mesmo pode presenciar a abertura da mostra. Del Santo foi internado e faleceu no começo de 1999. As obras que compunham a exposição permaneceram para dar início ao acervo do museu.

Um acervo por acidente definiu as décadas seguintes da construção de uma identidade para o MAES. Quando ocupei a função de cuidar da reserva técnica da instituição, dez anos após sua abertura, ainda estávamos em processo de separar o que pertencia a diversas instituições estaduais e havia sido levado para o MAES. Seu acervo misturava-se com o da antiga galeria Álvaro Conde, com o da Assembleia Legislativa, Galeria Homero Massena e mesmo com as peças dos palácios geridos pela Secretaria de Estado de Governo.

Conversamos sobre as dificuldades dos processos de montagem da mostra em comemoração aos dez anos do museu, em 2008, quando Almerinda dividiu a sala sem climatização da reserva técnica comigo, para realizar a curadoria. Para além daqueles desafios, podemos perceber as mudanças ocorridas nos quase vinte anos seguintes. Sob responsabilidade da restauradora Marcela Dantas, com reserva técnica climatizada, sala permanente de exposições e política de aquisição e empréstimo, as informações sobre o acervo MAES podem ser acessadas com facilidade.

Recorte da fotografia anterior, com Nicolas Soares e Rodrigo Hipólito ao microfone.

Junto da conversa sobre os caminhos institucionais do acervo, defendemos a necessidade de mais pesquisas sobre Dionísio Del Santo e sobre como muitas percepções acerca da atuação do artista entre os anos 1960-80 são equivocadas. Del Santo compreendia seu papel dentro e às margens dos movimentos concreto, neoconcreto e nas transformações paradigmáticas da arte contemporânea brasileira daquele período. Sua recusa ao dogmatismo concretista foi consciente. Seus préstimos não creditados para mais de cinquenta artistas, na realização de composições gráficas, foi mais fruto de necessidades financeiras do que inocência de jovem interiorano. Suas pesquisas com as cores sempre foram tão densas e relevantes em seus processos quanto a atenção dedicada à eficiência e experimentação gráfica. Perceber sua complexidade demanda um esforço de contextualização que tanto volta-se para seu caso em específico quanto para o sem-número de lacunas de nossa história da arte.

Por fim, falamos sobre circuito do centenário como um todo, com foco na exposição “Dionísio Del Santo: o construtivo ontem e hoje”, aberta na Galeria Matias Brotas. Essa mostra coloca obras do artista em diálogo com trabalhos de outros criadores, de seus contemporâneos a artistas atuais. A curadoria demonstra a vitalidade e a persistência de questões construtivas na arte contemporânea. Foram observadas conexões temáticas, como o interesse por geometria, movimento e materialidade, visíveis em obras de diferentes gerações. O diálogo estabelecido não é apenas de continuidade, mas também de contraste, de modo que podemos notar como os artistas de hoje reinterpretam e, por vezes, expandem esse legado.

Fotografia dos convidados, após o evento. De pé, abraçados, da esquerda para a direita, Nicolas Soares, Flávia Dalla, Almerinda Lopes, Rodrigo Hipólito e Lara Brotas.

A partir de tudo o que conversamos nessa noite, é nítido que, apesar de seu reconhecimento no contexto regional e entre especialistas, a inserção de Del Santo nas narrativas hegemônicas da arte brasileira permanece um desafio. Iniciativas como o circuito do centenário são vistas como mecanismos estratégicos para reverter essa situação, pois promovem uma projeção nacional e internacional de sua obra. Se identificamos vazios na pesquisa acadêmica, em particular no que diz respeito aos seus processos de trabalho específicos, à relação entre seus estudos e sua produção visual, e à análise de grande quantidade de seus trabalhos espalhados por coleções particulares, podemos despertar interesses renovados no preenchimento dessas brechas.

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