[artigo] Voltar sem culpa

Texto de Fabiana Pedroni

 

Artigo completo disponível em: PEDRONI, Fabiana. Voltar sem culpa: desdobramentos poéticos em sala de aula. In: BERNARDINO, Hugo et al. Arte e sociedade: educação, identidade e inovações visuais no século XXI. Organização Hugo Bernardino… [et al.]. Cariacica, ES: Editora Cantarelo, 2025, pp. 9-22.

Nesse artigo eu analisei uma proposta pedagógica implementada lá em 2018, na disciplina de História da Arte Contemporânea dos cursos de Artes Plásticas e Visuais da Universidade Federal do Espírito Santo (UFES), centrada no conceito operatório de “desdobramento”. Eu parti da contradição inerente à formação artística, que frequentemente dissocia prática poética, teoria e didática, e propus uma atividade avaliativa coletiva que integrou essas dimensões e promoveu o “atravessamento” entre cotidiano, criação e reflexão crítica.

A iniciativa surgiu como resposta aos desafios pedagógicos identificados: a separação curricular entre produção artística e fundamentação teórica; a necessidade de superar modelos avaliativos tradicionais baseados em repetição ou seminários expositivos; e o imperativo de evitar epistemologias eurocêntricas que fragmentam fazer, sentir e pensar. A proposta, construída em diálogo com os discentes, estruturou-se em quatro etapas interligadas: (i) escrita de um texto livre sobre temas pessoais (interesses, inquietações); (ii) sorteio anônimo dos textos entre participantes (incluindo convidados externos), utilizando programação em Python para garantir aleatoriedade e evitar identificações; (iii) desenvolvimento de uma obra artística (em qualquer linguagem) a partir do texto recebido; e (iv) elaboração de um texto crítico (“texto de artista”) sobre o próprio processo criativo, seguido de debate coletivo.

Ao analisar essa empreitada, eu destaco como cada etapa fomentou competências específicas. A escrita inicial exercitou o señalamiento (referência a Edgardo Vigo) e incentivou a turma a eleger elementos do cotidiano como matéria poética e teórica, além de enfrentar a dificuldade da liberdade temática. A produção artística mediada pelo anonimato deslocou o controle autoral e estimulou respostas criativas a ideias alheias. O texto crítico, inspirado no modelo do “crítico-criador” (Frederico Morais), funcionou como dispositivo de autorreflexão sobre as escolhas processuais, com ênfase na autonomia entre obra e registro escrito (Ricardo Basbaum). A etapa final, de debate, consolidou a corresponsabilidade na avaliação, ainda que mantendo a autoridade docente.

Um caso exemplar (o texto sobre culpa acadêmica, de Júlia Muniz, transformado no vídeo “Nori comeu a arte”, seguido de seu memorial descritivo) ilustra a potência do método. O processo revelou como sentimentos pessoais (como a culpa) e objetos cotidianos (livros abandonados) podem ser deslocados poeticamente para gerar críticas ao sistema educacional e às tradições historiográficas. Por fim, reforço que essa atividade permitiu reinserir questões centrais da arte contemporânea (autoria, crítica institucional, diálogo entre linguagens) na prática pedagógica, de modo a exigir engajamento profundo de docentes e discentes. A metáfora “voltar sem culpa”, que mantive desde a postagem original, aqui no Nota, sintetiza o convite à revisitação criativa das próprias trajetórias e a superação do peso das tradições acadêmicas através de uma educação baseada na experiência coletiva, na liberdade responsável e na inseparabilidade entre vida, arte e ensino.

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