
“Wolf & Sheep”, da série “Adorable Circle Of Life”, Alex Solis.
Texto de Rodrigo Hipólito
Dos muitos conceitos pouco trabalhados nos estudos de Estética e nas Teorias da Arte, a fofura é um dos que mais me intriga. Posso arriscar algumas afirmações sobre isso. A ausência de variados estudos sobre a fofura talvez se dê por sua presença ser marcante apenas muito recentemente. Embora o mecanismo psicológico que nos permite reconhecer fenômenos fofos não pareça ser uma novidade, as produções de Arte, mesmo fora da Europa, só teriam se dedicado a produzir fofura a partir de meados do século XVIII.
Posso estar profundamente errado quando a esse último ponto? Sim. Em todo o caso, se evitarmos pensar teleologicamente, os elementos fofísticos não seriam proeminentes no que conhecemos das produções culturais originárias das Américas, asiáticas, russas, de África ou insulares do Pacífico (nesses dois últimos casos, é provável que haja exceções relacionadas com o ponto seguinte). A não proeminência de tais elementos poderia estar relacionada com a construção do sentido de Infância e com o refinamento dos instintos de proteção da espécie humana.
É certo que a ideia de Infância é uma construção recente para os europeus. Para outras culturas, no entanto, tal ideia não apenas não é recente como seguia e segue concepções distintas de nossas heranças individualistas e cristãs. A variedade de entendimentos da infância na vastidão dos territórios africanos nos impede de arriscarmos um comentário superficial. Aceitemos as exceções. Muitos povos indígenas, por exemplo, pensam a Infância há tempos e compreendem a criação das crianças como de responsabilidade coletiva, isto é, desprendida do núcleo familiar da tradição europeia. A necessidade de proteger a fragilidade das crianças já estava ali, mas não necessariamente a fofura.
Outra operação mental que permite o surgimento do fofo é a capacidade de antropomorfizar objetos, animais e mesmo ideias muito abstratas. Nos casos europeus, animais antropomorfizados estão presentes em mitos e fábulas desde a antiguidade. Algo similar também pode ser encontrado nas Américas e em praticamente todo o resto do globo.
Pajés, xamãs e machis podem assumir formas animais. Divindades da natureza demonstram consciência e são capazes de julgar a partir de valores humanos. Deuses com cabeças e membros de animais pululam as tradições orientais. Em todos esses casos, no entanto, a antropomorfia diz respeito ao ser humano adulto, o qual não detém os elementos formais necessários para desencadear a sensação de fofura.
Eu sei! Eu sei! Exceções e exceções!
Mas, ainda com as exceções, não devemos incorrer no erro de julgar formas passadas pelos parâmetros atuais. A figura do Jesus menino era retratada com a postura do adulto capaz de abençoar com seus dois dedinhos erguidos. As funções socialmente representativas em comunidades ameríndias quase sempre são permitidas apenas após os rituais de abandono da infância. Em povos orientais, a fragilidade e a vulnerabilidade, quando não eram encaradas como defeito, eram engolidas pela erotização.
O surgimento do fofo não se deu de modo simples e a fofura nem sempre foi possível. O fofo se relaciona com: processos de urbanização e industrialização, os quais nos distanciaram culturalmente das entidades da natureza; a valorização da Infância como etapa complexa do desenvolvimento cognitivo, psicomotor e sociocultural do humano; a liberdade de estilização e representação não visualmente fidedigna da realidade material por parte de artistas; o desenvolvimento da propaganda, atrelado à diversificação dos desejos; e, mais recentemente, à necessidade de consumo de conteúdos alheios às obrigações metódicas do trabalho alienante, aprofundadas pela sociedade da comunicação intensa e constante.
Trabalho realizado para a disciplina de Estética e História da Arte I, por Evily Lelia Ferreira, Marcos Romanholi de Souza, Larissa Campos Brunetti Spagnol e Lilian Marcelino da Silva, sob regência do Prof. Rodrigo Hipólito.
Isso significa que a fofura se tornou algo que nos acalenta.
Produzir e consumir o fofo é uma solução comunicacional e auxilia em nossa saúde mental. Não seria útil tentar explicar, aqui, os motivos pelos quais nós precisamos do fofo. Se você tem alguma dúvida de que você precisa do fofo em sua vida, apenas experimente segurar um filhote em seu colo por alguns minutos. Depois disso, recomendo que cumprimente o próximo cachorro que encontrar pela rua.
Referências:
BORGGREEN, Gunhild. Cute and Cool in Contemporary Japanese Visual Arts. The Copenhagen Journal of Asian Studies 29(1), 2011, pp. 39-60.
DALE, Joshua Paul et al (Org.). The Aesthetics and Affects of Cuteness. Routledge, 2016.
HALPERIN, Liora. The Birth of Cute. The Hairpin, 2012.
NOT SO KAWAII PODCAST.
SATO, Kumiko. From Hello Kitty to Cod Roe Kewpie: A Postwar Cultural History of Cuteness in Japan Education. About Asia, Volume 14, Number 2, Fall, 2009.
.
.
.
.
.
.
.
.
.