
Imagem de capa. Fotografia em preto e branco de mulher de camisola, sentada na cama, com o cotovelo apoiado no joelho e a cabeça apoiada na mão, olhando para a esquerda, ao lado de urso que coloca a pata sobre seu ombro esquerdo e olha para a câmera, como se a consolasse.
Este texto é a transcrição do podcast Não Pod Chorar 05
Texto de Fabiana Pedroni
Sentou-se diante da porta, no chão frio do último degrau da escada. Diante da mesma porta que a acompanhamos sentar em tantos outros contos. A porta que um dia estava arranhada, noutro dia com cheiro de chá, noutro, ansiosa para expulsá-la de casa com apenas uma caixa. Era a mesma porta, mas desta vez, estava entreaberta. Tanto a menina poderia sair, quanto alguém ou algo poderia entrar. Mas ela apenas se sentou, e ninguém entrou. A teoria é simples. Portas existem para servirem de passagem, de travessia de um lado a outro. Diferente de uma pinguela, aquela pontezinha estreita e perigosa que conhecemos na roça, não se pode cair da porta. Ela é segura.
Volte alguns degraus, veja a porta mais do alto. Se afaste um pouco, quem sabe num salto. Aquilo é um passarinho? um pequeno bico no cantinho da porta? Droga – resmungou. Tanto esforço para se distanciar e agora precisava voltar para baixo, para ver mais de perto. Não era nada. Sentou-se, de novo. Os pés estavam gelados, poderia ter aproveitado quando subiu para mais perto do quarto e ter pego uma meia, bem quentinha. Agora era tarde. Quando chegou perto da porta já era tarde e o possível pássaro já não existia. Pensou em dormir ali mesmo, entre um e outro degrau, era só se encolher. Mas, e a porta entreaberta? Era tarde, o vento a havia fechado. Estava sempre tarde.
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Vocês já tiveram a sensação de que estão atrasados pra sua própria vida? Pergunta esquisita, não é? E não importa a sua idade, a sensação de “eu já deveria ter feito isso” parece ser bem comum. Semana passada, eu ouvi a netinha de uma amiga de minha mãe dizer que estava atrasada pra brincar. Eu perguntei “Você vai sair pra brincar com alguém?”, e ela respondeu “não, vou brincar sozinha.” “Mas, por que disse que está atrasada?” “ueh, tô atrasada com eu”. Eu ri muito, mas ao mesmo tempo, me deixou pensativa. A reclamação dessa menina resumiu tudo o que eu não consegui dizer, nem sequer perceber, em quase um ano.
Estou atrasada comigo mesma. 2017 foi aquele ano em que dissemos, ufa, acabou 2017. E aí veio 2018, pelo amor! O que sobrou de nós neste comecinho de 2019? Apesar no nascimento do Não Pod Tocar, em fevereiro de 2018, neste mesmo ano muitas coisas foram despedaçadas, muitas memórias esmagadas e muito desejos falidos. Quando paro para pensar sobre estar atrasada comigo mesma, é que compreendo porque não tive coragem de me aproximar do Não Pod Chorar neste tempo todo. O propósito do programa é reclamar, mas ao mesmo tempo trazer soluções, acalento, uma pontinha de felicidade e riso. Mas, é possível ver soluções, traçar alegrias, se tudo está embaçado?
Quando estamos atrasados para a própria vida, fica difícil se concentrar para falar de qualquer assunto, porque você fica preso ao deslocamento improdutivo. Você não consegue abrir nenhuma porta, porque você não consegue chegar nela a tempo antes de ser interrompida por outro evento, mesmo que o evento seja uma auto sabotagem. Serei mais clara, até porque também quero pedir desculpas por meu afastamento do Não Pod Chorar, mesmo depois de algumas pessoas terem me dito como a escuta dele foi importante. 2018 foi tão arrasador, finalizado com aquele terrível processo de eleição e materialização de comportamentos e falas que eu só esperaria de um filme apocalíptico, que não tive como falar, nem mesmo escrever.
Toda a minha fala no podcast é escrita antes, porque me sinto mais confortável com a escrita, e quando eu empaco, escrevo algo supostamente desconexo para me conectar. Como o conto que vocês leram acima. Essa sensação de subir e descer as escadas e sempre chegar atrasada, sem poder fazer mais nada, é um pouco do que me empacou em 2018 e me manteve um tanto desconexa de mim e do Não Pod Chorar. Eu simplesmente empaquei. Escrevi pelo menos 4 pautas que não foram pra frente. Quem trabalha com podcast deve entender do que tô falando. Você escreve, edita, pensa, pesquisa, mas, no final, não grava. Quando isso começou a se tornar recorrente, tive de sentar e fazer a difícil tarefa de refletir quais os motivos que estavam me fazendo fugir. Você deve se lembrar de pelo menos uma situação em que você se encontrou num ciclo repetitivo que parecia não ter fim, sem saber direito porque continuava insistindo. Fazer listas que não serão cumpridas, começar desenhos, começar textos, começar projetos, começar mil coisas, mas nenhuma ser finalizada.
Precisei de uns bons meses e de um batom vermelho para me fazer voltar a mim mesma e finalmente gravar um Não Pod Chorar sobre Como não se esquecer de si mesma.
Comecei a compreender essa trava quando tentei reler a pauta sobre o Alzheimer da minha vó e morri de tanto chorar sem conseguir chegar ao final. Eu ainda estava muito ligada àquele episódio. Foi uma frase de lá do comecinho que me despertou para a dificuldade de agora, quase um ano depois, de muitas pausas. Eu disse bem assim “Esse extra, o Não Pod Chorar, é, pra mim, aquele espaço de maior urgência.”. E eu tive de me fazer a pergunta: O que há de maior urgência na minha vida?
Noooooossa, parem um pouquinho, dá a pausa no podcast, bebe uma água, amassa seu catioro, seu bichinho, seu pezinho, sei lá, respira. E se faz essa pergunta. O que que há de mais urgente na minha vida? Agora até eu preciso de água. Vem Chi Chi, cachorro lindo, acorda, dá um latidinho bonitinho para distrair-nos.
Se voltarmos a todos os Não Pod Chorar de 2018, veremos não só que questões de saúde nos abalam, mas também decisões e acontecimentos profissionais (no episódio 01, Rodrigo falou sobre Como desistir de um doutorado e no 03, sobre Como lidar com o conservadorismo na Arte, que são questões que me atingem diretamente, e o último Não Pod Chorar foi sobre o resultado das eleições. Eu, como uma esponjinha que não queria ser, só consegui entrar em pânico e dar voltas e voltas até entender que a mudança é assustadora, mas que precisamos aprender a lidar com ela e compreender que nem tudo está a nosso alcance.
Durante o período pré-eleições muitos de nós, isso vale para todos os lados possíveis dessa complexa teia social, tivemos as memórias massacradas. Pessoas que amamos ou amávamos, que admirávamos, que respeitávamos, exibiram comportamentos e pensamentos completamente distintos do que consideramos como ideal para a convivência. Que para mim é uma convivência baseada no afeto. Digo que isso vale para todos os lados, porque a decepção não foi unilateral. Durante muito tempo fui pessimista, mas subitamente, depois de começar a dar aula, a conhecer mais pessoas, principalmente os mais jovens, tive um sopro de esperança que me fez acreditar em coisas que não pensei ser possível. Jovens falando sobre seus corpos, sobre vários tabus, sobre sua sexualidade de modo muito mais aberto.. Mas, quanto maior o gigante, maior a queda. Daí eu cai. Rodrigo me disse, no dia do resultado da eleição, “estamos desapontados, mas não surpresos”. Eu estava surpresa. Pessoas queriam e pediam pela morte de outras pessoas. Eu realmente fiquei surpresa por um clima apocalíptico que eu gostava em filmes, mas que não soube lidar na vida real. Na rotina, parece que pouco mudou, mas mudou, e está mudando a todo momento. Basta procurar informações sérias, e encontrará várias decepções. Esse foi um ponto que fragilizou minha rotina e meu trabalho, e provavelmente de muitos de vocês também. Mas ao mesmo tempo, percebi que outros ganharam força na fala, principalmente as minorias. A esperança ainda está ali. Mas quando as coisas se conjugam, é que fica difícil.
São muitos nós na garganta. Ficamos vulneráveis e nos esquecemos de alguém, de nós mesmos. Os desdobramentos da disputa eleitoral foram meio que a última gota pro copo transbordar e inundar ça porra toda que era o mínimo de bem-estar consigo mesmo. Muitos, como eu, ficaram descrentes de que conseguiríamos nos sentir confortáveis, tranquilos para desfrutar de coisas simples do dia a dia, como tomar um chá na varanda, olhando as plantinhas. Porque.. aquele seu chá favorito te lembraria do aumento de impostos na importação, de tentativas de lucros exagerados na alfândega, as plantas balançariam ao vento, mas não sem te mostrar que muitas delas vinham de uma prole cheia de agrotóxicos, cada vez mais liberados na produção da horticultura. Aquela linda batata doce que você plantou estaria aos poucos murchando com o calor insuportável num meio ambiente negligenciado e entupida de pó de minério liberado por uma empresa sem nenhum comprometimento com o seu bem-estar… Aos poucos, tudo vira pânico, e pânico é improdutivo.
Precisamos, sim, pensar sobre tudo o que tem acontecido nas várias esferas de nossa vida social, mas, ao mesmo tempo, se não conseguimos manter a mente saudável, não saímos do lugar. Quando nenhuma parte do seu dia diz de você e unicamente de você, é porque aí temos um problema. Deixe-me explicar melhor, para não parecer que pensar sobre si é excluir-se da sociedade, pelo contrário, é se reconhecer como parte de um grupo.
Vamos para algumas situações mais concretas, que nos ajude a pensar o que tem me deixado perdida e, talvez, a muitos de vocês. Desde muito cedo, desde não sei bem quando, a gente aprende a pensar no outro, porque é o outro que convive com a gente. Se você morou na roça, terá a responsabilidade de cuidar dos bichos do quintal, as galinhas, as vacas, de não as deixar no vento gelado da noite, ou aquele seu bichinho de estimação que precisa de banhos periódicos. Quando entramos na fase dos relacionamentos amorosos, vamos nos construído como novos sujeitos. A gente conhece novas bandas, novos gostos, novos lugares, porque é uma pessoa diferente que passa a conviver com a gente. Galera do tinder, então… que as primeiras conversas muitas vezes são de companhia online, usam muito os gostos musicais e descrição de coisas que gosta de fazer como início de assunto. E daí que a gente passa a conviver e assume novas rotinas.
Mas aí o relacionamento acaba, e mesmo que este relacionamento não tenha sido abusivo, você fica meio, perdida. Estar solteira para muitos pode significar que as decisões agora são só suas: o que vai assistir na tv? Que canais você realmente quer seguir no youtube? Ou, que podcast você vai ouvir enquanto cozinha? Espere! Que música mesmo você gosta de ouvir? E quando você se dá conta de que boa parte das suas escolhas vem de escolhas alheias, não raciocinadas, é arrasador. Eu me dei um pouco conta disso depois de alguns meses após o namoro ter acabado e a trilha sonora típica do sofrimento ter perdido efeito. Eu fui ouvir algo menos sofrência e fiquei bem assim “nossa, que música chata, por que diabos tô ouvindo isso?” E era a banda favorita do boy. Fiquei 4 anos ouvindo uma música que eu detestava! Aposto que se eu tivesse dito desde o início que eu não gostava daquela música, isso não seria um problema. Mas a gente se apaga para evitar conflitos, mesmo quando, na verdade, muito possivelmente nem haveria conflitos. E, bem, se o namoro terminasse porque você não gosta da banda que o cara gosta, que bom que acabou logo! Porque de coisas superficiais na vida já temos o bastante.
Muitas das coisas que nos constroem como sujeito vem, na verdade, das pequenas coisas do dia a dia, e não de grandes decisões. Você faz o que faz, você come o que come, você veste o que veste, você ouve o que ouve porque você realmente quer? Nunca paramos para pensar nisso, porque parece uma perda de tempo pensar em algo que já está definido. Mas a gente nunca tem ciência completa de como um hábito começou e se foi de sua vontade mesmo que ele existisse, ou se você está afim de que aquilo mude. Nós somos esse misto esquisito de resultado de experiências com outras pessoas, uma espécie de esponja digimônica que tá toda hora querendo evoluir para um outro monstro mais complexo.
Parece bobagem, pouca coisa, mas isso atrapalha muito o Estar consigo mesma. Porque quando a gente se dedica demais ao outro e nos anulamos, a gente simplesmente não se conhece e acha insuportável estar sozinha. Ou, num outro sentido, ficamos paranoicas por sempre precisar de responsabilidades que envolvam outras pessoas, cuidar de um outro e nos frustramos profundamente quando percebemos que nem tudo está a nosso alcance.
Vi isso acontecer de perto com minha mãe nos últimos anos, em que recaiu sobre ela uma responsabilidade esmagadora, que é cuidar da minha avó com Alzheimer. Não pelo trabalho em si, apenas, mas pelo peso da responsabilidade e da autocobrança. Conversamos muito sobre estas questões. Se pararmos para raciocinar de modo mais objetivo, a carga horária de trabalho dela como cuidadora seria a de um trabalhador normal, de 8h diárias, com hora extra no final de semana. Mas… ela está 24h envolvida mentalmente, preocupada, tensa. Em que momento do dia a mente estaria livre para dedicar-se a si mesma, a seu corpo, a seus sentidos e vontades?
E quem está do lado pouco sabe como ajudar. Assumimos outras tarefas, para que ela possa ter mais tempo para si, mas é difícil se reconhecer neste turbilhão de responsabilidades. E eis que me vi numa situação parecida. Em maio de 2018, minha mãe teve uma crise renal, associada à uma infecção urinária que já a importunava desde setembro de 2017. Eram apenas três pedrinhas no rim. Mas essas três benditas a levaram para uma internação hospitalar e um caso de sepse, uma infecção generalizada que quase a levou à morte. Este foi o principal motivo de meu 2018 ter me dado uma sacudida e eu não ter conseguido voltar ao meu estado produtivo normal, porque a partir de maio, tudo virou um estado de alerta.
Minha mãe nunca tinha adoecido, nem gripe direito tinha pego. No máximo um problema no ombro que é persistente, mas nada que a levasse ao hospital por mais de um dia, muito menos ser entubada. E eu me vi, naquela situação de cuidar da minha mãe, cuidar das questões financeiras, cuidar da casa da minha vó, agenciar tudo e ainda trabalhar, dar as minhas aulas. Como eu estava? Sobrevivi, mas para isso, a gente assume um modo automático mais objetivo possível para não ficar louca. E os amigos, que são a verdadeira família, são os que mais socorrem nessa hora.
Mas, o problema vem no depois. Pensem em situações em que vocês foram exigidos de modo brusco, sem aviso prévio, como um tapa na cara, uma chinelada da vida com um grito “cresce mininu e engole o choro!”. Merda neh? Na hora a gente se vira, mas… e depois? E depois que a poeira abaixa? É o mesmo do relacionamento. Você fica com um pé cá e um lá, meio perdido, porque pode até estar escrevendo um texto, trabalhando, mas seu ouvido está de pé, tentando captar qualquer anormalidade de uma tossida de um pulmão que esteve cheio de água durante a sepse. Mas toda a preocupação excessiva, toda a dedicação pode virar uma frustração porque nem tudo depende de você.
Encontrar um equilíbrio depois de uma situação de grande estresse é a parte mais difícil para se reencontrar. Isso vale para mim tentando ao máximo proibir minha mãe de comer hambúrguer, vale pra minha mãe que mesmo nas melhores fases da minha vó fica tensa como se ainda estivéssemos em estado de alerta, isso vale pra todos nós que passamos situações marcantes e estressantes, um bournout (que é o esgotamento físico e mental), um processo de depressão, a desistência de um plano, como foi do meu doutorado, uma quebra brusca de uma rotina como a finalização de um relacionamento, a morte de alguém querido… situações traumatizantes exigem tempo para um reencontro de si, e é essa a minha maior urgência.
O que existe da sua rotina que é algo que você construiu para você mesmo? Existe algo que você gosta muito, que prioriza, mas que várias vezes abriu mão de ter ou fazer em prol de outra pessoa?
E não tem jeito, a gente só se encontra quando começa a se questionar, a analisar as escolhas. Observei que logo depois de ficar solteira, a parte do dia que eu ficava mais feliz era no café da manhã, quando eu preparava comidas gostosas, porque sou uma pessoa faminta. Eu adoro frutas, gosto de fazer uma omelete, talvez até uma sopinha, se eu não estiver derretendo com o calor que faz em Vitória. Mas, quando estou namorando, eu viro um pequeno monstro que absorve a rotina alheia e come pão, pão com café. E… eu nem gosto de pão com café. Desculpem, brasileiros, eu não gosto de café. Eu até tomo, mas não é o que eu gosto. A sensação de libertação do meu café da manhã é um indicativo claro de que eu não era Fabiana enquanto estava namorando. Eu só estava ali, seguindo as regras de outra pessoa, e desnecessariamente. Com certeza a outra pessoa não se importaria se eu levantasse mais cedo, cuidasse dos catioros enquanto a omelete estivesse no fogo. Mas eu me anulava. E isso atrapalhava toda a minha rotina da manhã, até a hora do almoço. Porque se o almoço estivesse bom, eu me animava novamente. Sim, sou dessas que tem memórias gustativas e tudo é comida gostosa. Uma das pautas que escrevi e não foi pra frente era justamente sobre alimentação e o poder da comida na memória. Essa pauta não foi pra frente porque não era tão importante quanto perceber que eu precisava voltar a comer bem de manhã, porque é o que eu gosto.
O fato é que nos relacionarmos exige de nós tempo, dedicação, e isso não é ruim. É uma construção constante, uma definição de fronteiras. Aquela história de que nos tornamos um só, pra mim, é balela. É nessa hora que a coisa desanda. E falo isso para todo tipo de relacionamento. Quando decidi voltar a morar com minha mãe, por questões familiares, para nos ajudarmos, foi um tanto complicado, porque eu tive de assumir uma outra rotina que não era a minha. Quando meu namorado veio morar comigo, minha rotina mudou drasticamente de novo. E não quer dizer que tudo seja ruim, mas tem aquelas pequenas coisas que alguns vão chamar rabujentices, se forem em excesso, mas que em pequenas doses nos mantem atentos a nós mesmos. Eu gosto de café da manhã farto e de plantas. Quando morei sozinha, eu tinha muitas plantas. Tive que deixar a maioria para trás e aos poucos fiquei sem jardim. Isso foi drenando minha energia. Eu preciso de plantas para meu dia estar mais completo. Preciso daquele momentinho em que eu vou regá-las e respirar um pouco, sozinha. Às vezes esse momento é tão necessário durante a semana que até as quase afogo de tanta rega. Mas aí reconheço que estou ali, não atrasada para minha vida, mas que a estou vivendo.
Só estamos na nossa vida quando não perdemos nós mesmos de foco. É muito fácil nós nos perdermos de foco. Às vezes até tentamos nos recompensar por isso, às vezes com objetos materiais, uma roupa, um consumismo aqui outro ali, que vai te dizer de modo vazio que agora você está atenta a você mesma. Mas, talvez não esteja. Não há regras. Cada um tem necessidades diferentes. E é esse o grande desafio que descobri nos meus 30 e poucos anos. E não digo isso como um marco de idade, tem gente com 15 que tá na mesma que eu, tem gente com 70 que ainda tem a maturidade de uma ervilha num cachorro quente.
E aí fica aquela pergunta, onde estão as suas necessidades em meio às necessidades do outro? Sei que não dá pra fazer tudo o que a gente quer, isso é ilusão. Mas é possível, sim, selecionar pequenos momentinhos do dia a dia para você se encontrar consigo mesma, para reaprender a gostar de si, do seu corpo, do seu trabalho, dos seus pensamentos… E foi por isso que eu me senti atrasada comigo mesma. Como eu poderia gravar um Não Pod Chorar, como eu poderia ser sincera nos meus pensamentos se tudo o que eu conseguia pensar no meu dia a dia era excesso de sódio, pedra nos rins, necrose pulmonar, e por aí vai. Estou reaprendendo a criar soluções para os problemas, e tentar sair do estado de alerta do momento traumático, e vocês, que me ouviram pacientemente até agora, devem compreender bem do que estou falando. A rotina parece ser uma coisa simples, dada, mas não, ela é construída e pra ser bem vivida, ela precisa ser construída de modo consciente. Como quero viver a minha vida…
Uma tia que eu nem se quer convivo de verdade, uma vez me disse, logo depois do meu pai morrer, lá nos meus 15 anos, uma frase que eu não esqueci. Sabe aquela coisa de uma banda que faz sucesso só com uma música e depois some? Tipo isso… Essa tia me disse “Fabiana, não dá pra gente pensar na morte como algo positivo, porque ela é traumática, mas pensa assim, agora você é a pessoa mais forte que você conhece, porque se você consegue passar por esta situação e sorrir amanhã, é sinal de que não importa o que vier pela frente, você vai sorrir de novo no outro amanhã”. E cá estou eu, mais um trauminha na bagagem e mais uma expectativa de um lindo café da manhã pra começar bem o dia, um dia em que eu esteja ciente de que eu estou ali, vivendo a minha vida e não atrasada pra ela. E uma parte da minha vida que desandou e eu senti muita tremenda falta, foi a de poder falar com vocês e saber que vocês também terão um dia lindo pela frente.
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