[resenha] Isso é Arte?, de Will Gompertz

Capa. Will Gompertz. Isso é Arte.

Imagem de capa. Recorte da capa do livro “Isso é Arte?”, de Will Gompertz. Fundo azul, com a pergunta que dá título ao livro escrita com fonte manuscrita, em letras amarelas, ao lado esquerda de uma serigrafia de ilustração de uma mão apontando uma arma disparada para quem lê.

Texto de Rodrigo Hipólito

Escrevi essa resenha na época do lançamento da primeira edição em português. Reencontrei o texto, perdido em e-mails antigos. Preciso deletar mensagens. Não há mais espaço para armazenamento.

Mais de sete anos se passaram e… bom, os mesmos embates que inseri nessa resenha continuam presentes. Arte, entretenimento, intelectualidade, herança conceitualista e pop, grandes somas de dinheiro, hiperinformação, espetáculo do sucesso quantitativo.

Tudo bem! Há muitas outras discussões bem mais interessantes que atravessam as produções e o mercado de arte hoje. Ainda assim, fora do porre dos círculos especializados, esse título continua a ser um ponto de partida.

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Empreendedorismo comercial ou um circo de mau gosto?

Publicado originalmente em A Gazeta, Caderno Pensar, Vitória, ES, p. 4 – 5, 05 out. 2013.

Will Gompertz. Isso é Arte?. 1ª ed. São Paulo: Zahar, 2013.

Uma das tensões centrais da arte, para Will Gompertz, está no “envolvimento público versus erudição”. O inegável crescimento do público dos museus contrasta com a imagem da arte atual como um bicho de sete cabeças. Em “Isso é Arte?” (Zahar, 2013) o editor de arte da BBC e ex-diretor de comunicação da Tate Gallery de Londres, busca explicar as transformações da arte moderna com simplicidade e bom humor.

Convidar o leitor para um café em Paris com os impressionistas, um passeio por Nova Iorque com Duchamp ou seguir Rauschenberg e sua garrafa de Jack Daniel’s até o ateliê de De Kooning são partes de um romance com roteiro determinado: a história da arte moderna. Desobrigado do academicismo, o autor empresta voz ficcional as figuras históricas. A intimidade, criada por diálogos nunca ouvidos, nos aproxima das razões pelas quais a arte atual é tão diferente das pinturas ilusionistas do séc. XIX.

Em cada período narrado, há a dúvida sobre o que é nomeado Arte. A pergunta “Isso é Arte?” deixa o peso problemático que possuía, até meados de 1970, e adquiri um tom jocoso. A sensação de humor vem da ironia da oposição às vanguardas. Pois os detratores da arte foram presenteados com o peso de seus olhares maldosos e tacanhos. Os movimentos são lembrados, os críticos caíram no esquecimento. Os equívocos eruditos, ocorridos no correr da arte moderna, nos trazem ao cenário de agora, no qual a variedade de propostas torna quase grosseiro perguntar pelo que seja ou não arte.

O “artetenimento” requintado surgiria como o mais recente movimento da arte, embora o investimento financeiro tenha estado em todos os períodos dessa história. O Impressionismo reconhece o apoio do marchand Durand-Ruel e a Fountain de Duchamp deve parte de seu legado à fotografia de Stieglitz. Indicar que a única patrocinadora da mostra de Cindy Sherman, em 1997, foi Madonna, é um dos muitos detalhes da arquitetura do livro de Gompertz que vinculam a arte atual com a grande circulação de dinheiro nas contas de artistas vivos.

Gompertz esquiva-se de nomear o cenário atual, porém, enfatiza, enquanto sorri, o termo “empreendedorismo”. Nesse sentido, a buzziness art de Andy Warhol seria a cereja do bolo, mantida em formol até os dias de hoje. O autor talvez tenha se apegado a arte televisionada ou compartilhada nas redes sociais, o que não retira o valor de um círculo romanesco, iniciado na emancipação Impressionista dos salões e encerrado no leilão de Damien Hirst. Essa é uma narrativa linear, cujo mérito não está na assertividade crítica, mas na fidelidade às intenções do livro: desmistificar a arte contemporânea intelectualizada.

Talvez não fosse o abstracionismo a grande dificuldade encontrada pela arte moderna em conquistar o gosto geral, ao menos não para o autor. Apesar de museus chamarem atenção para o número crescente de visitantes, para Gompertz “a reputação profissional” está em primeiro plano e a discussão sobre trabalhos e mostras é propositalmente dificultada por medo ou incapacidade dos profissionais de expressarem-se com simplicidade. Nessa crítica, Mondrian está no pódio dos artistas que mais confundiram em suas tentativas de versar sobre a própria pesquisa plástica.

Se os cartoons de Helguera, usados no livro, debocham dessa dificuldade dos artistas, o texto não faz isso. O autor fala de arte moderna como um fofoqueiro alegre. Apontamentos sobre os dissabores de figuras históricas são apresentados despretensiosamente, mas, são afirmações sem ressalvas. Todo o ritmo do texto nos traz a convicção de que romancear fatos é fundamental para compreender a arte recente. E é até original iniciar uma conversa sobre pop art com uma narrativa ficcional sobre Paolozzi, que culmina na fatídica palestra, concedida pelo artista escocês do pós-guerra, em Londres, em 1952. O romanceado se esforça para adoçar uma arte que o público, erudito ou não, considera difícil de engolir.

A descompostura que a Pop e os Conceitualismos infligiram ao olhar poderia reduzir a arte à diversão de filósofos. Tal redução não ocorreu. A retrospectiva de Abramovic (MoMA, NY, 2010) exemplifica como um trabalho “difícil” vira o “programa mais quente da cidade”. Ou isso, ou o mundo da arte foi aceleradamente povoado ou colonizado pela indústria do entretenimento. Gompertz escolhe a segunda opção, sem dispensar considerações negativas a esse respeito.

Ao fim, o livro soa como um pedido de desculpas envergonhado, por saber que os artistas atuais não são charlatões. Como se fosse necessário explicar para aqueles que consideram a arte recente um circo do mau gosto, que na verdade ela não é.

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