Texto de André Martins, Ícaro D. G. Lima, Rafael Walace Sampogna e Ryan P. M. Tongo
Revisão de Rodrigo Hipólito e Fabiana Pedroni
Texto apresentado à disciplina de Informática e Sociedade.
Resumo: Este trabalho aborda as relações entre Arte e Tecnologia em duas vertentes: da produção e da exibição. Objetiva-se mostrar como a produção de Arte lidou com as tecnologias, especialmente desde os anos 1990, e como as instituições tradicionais de exibição de Arte, os museus e galerias, não acompanharam esse mesmo desenvolvimento. Essa distância entre produção e exibição foi sublinhada pela pandemia de Covid-19, que exigiu, dos espaços de exibição, mudanças rápidas e necessárias para se alcançar o público atual.
Palavras-chave: Tecnologia. Arte. Pandemia
Introdução
Na base do entendimento eurocêntrico do que é Arte, está a palavra grega téchne. De amplo significado, ela origina palavras como técnica, tecnologia, produzir (tíkto em grego), e pode ser compreendida como a produção de um saber, o conhecer pela experiência e o deixar aparecer. Essa amplitude nos é útil para afirmar quantas questões se desenvolvem ao redor da relação entre Arte e Tecnologia. Produzir um saber técnico vai além do fazer artesão, do esculpir uma pedra para ser escultura ou ligar cabos e criar códigos para ser Arte Contemporânea.
Produzir, em grego, é tíkto. A raiz tec desse verbo é comum à palavra tékhne. Tékhne não significa, para os gregos, nem arte, nem artesanato, mas um deixar-aparecer algo como isso ou aquilo, dessa ou daquela maneira, no âmbito do que já está em vigor. Os gregos pensam a tékhne, o produzir, a partir do deixar-aparecer (HEIDEGGER, 2001, p. 138-139).
Com essa citação de Heidegger, partimos para dois pontos importantes para as Artes: o de produção e o de exibição. Referenciar o uso grego da palavra téchne para se referir às Artes é um ponto de partida importante, pois evidencia que a discussão entre produzir e exibir é de longa data. Neste trabalho, abordaremos como a Cultura e a Arte relacionam-se com a tecnologia pelo uso de sistemas digitais em sua criação e exibição e, sobretudo, como a Pandemia de covid-19 alterou essa relação.
Para tanto, traremos alguns exemplos de uso de sistemas digitais para a produção de arte para, em seguida, questionar como as instituições de exibição de Arte lidam com as tecnologias em meio à pandemia.
A produção de Arte e as tecnologias
No campo da produção artística, pode-se observar que o uso de tecnologias digitais se disseminou na década de 1990, quando artistas se encantaram com as possibilidades daquele novo mundo de virtualidade e a New Media Art pode ser encarada como movimento (TRIBE, JANA, 2006). A Net.Art, em específico, trouxe, na década de 1990, trabalhos que usavam a internet como meio, ou seja, trabalhos que tinham, como base, só existirem na internet, só poderem ser apreciados e consumidos na internet, e não fora dela. Por não serem pensados para a exibição em museus e galerias, os trabalhos de Net.Art eram difíceis de serem comercializados e apresentados ao público pouco habituado com novas tecnologias de comunicação, visto que eram acessados diretamente pelos computadores (NAO POD TOCAR, 2021).
Da década de 1990 até hoje, a Arte que faz uso de sistemas digitais mudou tanto quanto as novas tecnologias. Observamos o uso de engenharia genética para criar uma coelha fluorescente (a Alba, do projeto “GFP Bunny”, do carioca Eduardo Kac, em 2000)[1]; ou podemos citar o surgimento do primeiro humano oficialmente reconhecido como cyborg, o artista Neil Harbisson, que possui um implante que transforma cores em frequências de som, ou seja, ele escuta cores;[2] ainda observamos Simon Weckert que, com 99 smartphones em um carrinho de mão, passeou pelas ruas de Berlim e causou um engarrafamento falso, ao enganar o Google Maps.[3]
Estes três exemplos citados mostram o quanto a produção de arte se desenvolveu junto das tecnologias e fez uso delas em sua produção. Contudo, a pandemia de Covid-19 evidenciou uma lacuna no campo cultural que já era sabida, mas pouco vivenciada: a distância enorme entre aqueles que produzem e aqueles que exibem as Artes, no sentido mais tradicional, os museus e as galerias.
Nesse tempo de isolamento social, surgiu o projeto Bem Web Art,[4] uma websérie sobre trabalhos de arte produzidos para a internet, retomando para o público aquilo que já havia sido feito no campo artístico e que deveria ser levado em conta pelas instituições atuais.
A exibição de Arte no contexto da pandemia de Covid-19
Nos primeiros meses de 2020, a pandemia de Covid-19 atingiu, dentre outros, o setor cultural, fechando cinemas, teatros, museus, galerias e espaços de apresentação musical. Como opção imediata, muitos artistas recorreram às redes sociais e plataformas de exibição de imagem, como YouTube e a Twitch. Vimos o multiartista Criolo usar tecnologia do Fortnite no primeiro show em Realidade Expandida no Brasil, em janeiro de 2021, com a criação de ambientes virtuais aplicados ao mundo real, para uma maior imersão do público na live transmitida pela Twitch.

Figura 1A – Criolo XR. Fonte: https://www.youtube.com/watch?v=VP8EKwhKFxc Descrição: captura de tela do clipe de Cliolo, com a silhueta do cantor ao centro, na parte de baixo da imagem, ladeado por silhuetas de outras três pessoas, duas delas com olhos brilhantes, com construções que remetem à arquitetura de bairros periféricos de São Paulo ao fundo, envoltas em névoa, com silhuetas de humanos com cabeças de rabos de jacaré voando na altura dos postes de iluminação pública e um grande jacaré de olhos brilhantes caminhando da direita para a esquerda em primeiro plano.

Figura 1B – Criolo XR. Fonte: https://www.youtube.com/watch?v=VP8EKwhKFxc Descrição: Fotografia dos bastidores da gravação do clipe de Crioulo, mostrado na imagem anterior, com cantor em um estúdio, sobre tablado escuro cercado por paredes escuras ao fundo e luzes fortes nas laterais, apontadas para o cantor.
Enquanto isso, museus e galerias, as instituições mais tradicionais de exibição de Arte, começaram a enfrentar grandes dificuldades para fazer uso de tecnologias em meio à pandemia; seja pela exigência de mudança na instituição em curto tempo, seja pela falta de compreensão das possibilidades dos sistemas digitais para a exibição e interação com a Arte, que antes eram feitas de modo presencial.
A criação de tecnologias como o Google Street View trouxe, para usuários da internet, a possibilidade de viajar pelo mundo sem sair de casa. Essa ferramenta permite que qualquer um possa escolher um local que haja cobertura para, quase literalmente, caminhar pelas ruas. Através de cliques no mouse, é possível andar por diversas imagens em 360 graus que, quando concatenadas, dão a visão completa do local onde foram tiradas. Com essa mesma sensação, podemos passear por museus. A pandemia levou os museus a repensarem o digital e a se aproximarem desses sistemas como meios de exibição. Você pode fazer um tour virtual pela exposição de Os Gêmeos, na Pinacoteca de São Paulo,[5] ou acompanhar vários eventos online do Museu de Arte do Espírito Santo (MAES) pelo canal da Secretaria de Estado de Cultura Secult ES), no YouTube.[6]
Contudo, a tentativa de replicar o espaço presencial no virtual tem sobrecarregado e entediado muitos espectadores. Fazer um tour virtual cria uma ilusão de visita, mas pode esvaziar a experiência que se deveria ter de imersão artística. Um tour guiado por cliques e restrito à visão, a ver aquilo que está no presencial através do virtual, coloca o espectador numa posição passiva, e um tanto entediante. No caso de uso das redes sociais, as obras de arte têm de disputar espaço e atenção com outras tantas informações jogadas na tela. Na timeline da rede social, uma imagem de pintura de Picasso passa despercebida entre vídeos de filhotes de gatos brincando e produtos eletrônicos.
Considerações finais
O desafio atual, iniciado pela pandemia, para os museus e as galerias, não terá fim quando os espaços tradicionais de arte reabrirem. Está é uma realidade presente, que desafia os meios de exibição: como o museu pode alcançar o público pelo virtual, de forma tão instigante quanto as artes produzidas na virtualidade fizeram?
Mais que trazer respostas, a pandemia gerou um atrito na relação entre arte e tecnologia e, agora, exige que museus se questionem sobre como alcançarão o público em suas casas. Certamente, mais uma live de palestra não será a resposta.
Referências
HEIDEGGER, Martin. Construir, habitar, pensar. In:______. Ensaios e conferências. Trad. Emmanuel Carneiro Leão, Gilvan Fogel e Marcia Sá Cavalcante Schuback. Petrópolis: Vozes, 2001, p. 138-139.
NAO POD TOCAR. Net.art: a redescoberta da internet esquecida. Rodrigo Hipólito; Fabiana Pedroni; Chewie [S.l.]: Não Pod Tocar, 11 abr. 2021. Podcast. Disponível em: <NPT S04E04: Net.art: a redescoberta da internet esquecida> . Acesso em: 12 ago. 2021.
TRIBE Mark; JANA, Reena. New Media Art. Koln: Taschen, 2006.
Bibliografia Consultada
TECHN. Dicionário de Poética e Pensamento, UFRJ. Disponível em: http://www.dicpoetica.letras.ufrj.br/index.php/Techn%C3%A9. Acesso em: 13 de ago. 2021.
BEIGUELMAN, Giselle. Atropelados pela pandemia, museus rastejam na internet. Folha de São Paulo, São Paulo, 17 de abr. de 2020. Disponível em: https://www1.folha.uol.com.br/ilustrada/2020/04/atropelados-pela-pandemia-museus-rastejam-na-idade-da-pedra-da-internet.shtml. Acesso em: 12 ago. 2021.
LAVIGNE, Nathalia. Overdose de lives e museus virtuais causam cansaço e vertigem. Disponível em: https://www.canalcontemporaneo.art.br/quebra/archives/009928.html. Acesso em: 10 ago. 2021.
CASCONE, Sarah. One in Eight Museums Worldwide May Never Reopen, According to the International Council of Museums. News Art Net. Disponivel em:
https://news.artnet.com/art-world/unesco-icom-museums-report-1866558
MOREIRA, Greta Fernandes. Isolamento social e tour virtual: uma visita ao MASP em alta definição. Trivium, Rio de Janeiro , v. 12, n. 2, p. 142-146, dez. 2020 . Disponível em <http://pepsic.bvsalud.org/scielo.php?script= sci_arttext & pid=S2176-48912020000300013 & lng= pt\ nrm=iso>. acessos em 04 ago. 2021.
[1] Mais sobre este trabalho em: GFP Bunny: a coelhinha transgênica
[2] Mais sobre este trabalho em: Neil Harbisson: Neil Harbisson: Eu escuto as cores. e NPT S01E04 – porta sem aldrava IV – NOTA manuscrita
[3] Mais sobre este trabalho em: Com 99 celulares, artista engana Google Maps e causa engarrafamento falso
[4] Disponível em: http://www.fabiofon.com/webartenobrasil/. Acesso em: 12 ago. 2021.
[5] Disponível em: https://www.360up.com.br/tourvirtual/osgemeos/ Acesso em: 13 ago. 2021.
[6] Disponível em: https://www.youtube.com/user/Secultespiritosanto Acesso em: 13 ago. 2021.
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