
Rodrigo Hipólito. Paisagem falsa. 2020. Primeira imagem de um tríptico. Fotografia de celular. Céu azul claro, visto através de tecido semitransparente, com telhado de um prédio na parte inferior da imagem e caixa d’água de concreto de outro prédio na parte inferior direita. À cima e ao centro, no limite da imagem, há um pequeno ponto escuro não identificado.
Texto de Rodrigo Hipólito
Por que prefiro que meu celular continue sem espaço? Não é apenas por não querer gastar dinheiro com um aparelho novo. Isso já seria motivo suficiente. Mas, há um motivo um pouco mais complicado para essa decisão de manter meu pequeno computador obsoleto até quando ele não puder mais brilhar.
Até pensei em comprar um aparelho ainda mais ultrapassado para cumprir a função de “celular de assalto”. Isso deixou a situação um pouco ridícula, pois o atual poderia executar essa função e ser substituído nas tarefas mais pesadas do quotidiano. Isso deve acontecer em algum momento. Vou arrastá-lo até onde eu puder.
Eu não baixo a maioria das imagens que me enviam pelo Whatsapp ou Telegram e, no caso de vídeos, a pessoa terá que esperar que eu acesse a conversa pelo computador. Não há espaço na memória do aparelho para que eu mude esse comportamento. Ou seja, a limitação do aparelho determina uma limitação para o meu comportamento e, nesse caso, eu prefiro que seja assim.
Eu sei que, se tivesse em mãos uma capacidade de memória e processamento atualizada, eu estaria muito fodido. O nível de conteúdo audiovisual que eu consumo pelo celular, hoje, não está muito distante do que eu consumia cinco, seis ou sete anos atrás. Essa foi uma decisão consciente.
Lá por 2012, notei que eu começava a desenvolver certa dificuldade de lidar com a profusão, velocidade e complexidade dos conteúdos digitais. Postei Meus olhos viraram uma cybershot e A Coisa apresentada expulsa o Criador como parte de um processo de pesquisa poética mais amplo, que eu ainda levo adiante.
De lá pra cá, o meu incômodo cresceu junto com o embaralhamento e a velocidade dos conteúdos imagéticos que precisam ser decifrados para executarmos atividades as mais simples. Algumas trocas de mensagens entre duas pessoas exige que eu processe tantas imagens com tantas formas, cores, composições e referências, que me deixam tão cansado quanto uma longa e chata reunião de trabalho.
Utilizar aplicativos e acessar sites que deveriam facilitar a minha vida se torna uma experiência desgastante de análise. No caminho entre minha intenção e a informação que a completaria, há tantos esforços de designers arrojados e empenhados em testar os limites da minha banda larga de país em desenvolvimento, que costumo desistir. Talvez eu não precise tanto daquela informação. Ao menos ela não parece mais tão importante, quando o caminho mais curto para a acessar é um condensado do “2001: uma odisseia no espaço” com “Animatrix”, tudo em tela vertical e com camadas e camadas de botões excitados para mostrar suas milhares de funções.
Este texto é uma reclamação de auto obsolescência intencional, mas não apenas isso. Não posso negar que até assistir televisão tem se tornado uma experiência visualmente cansativa. Há poucos comerciais e vinhetas de programas que não me deixam com receio de ter um ataque epilético induzido pela enxurrada piscante. Mesmo que eu quisesse negar esse fato para parecer mais “atualizado”, a dor de cabeça resultante não me permite.
Junto desse choro, vem a curiosidade para saber quais seriam os limites desse excesso. É conhecido que momentos de grande agitação urbana, industrial e tecnológica são seguidos de largo interesse pela desaceleração e o bucólico. Será que isso também vai acontecer com a comunicação pós-internet. Mal faz trinta anos desde que começamos a nos adaptar a essa viagem. Então, seria injusto considerar que o limite está próximo apenas porque o meu limite já foi ultrapassado. Mas, qual seria a posição mais adequada para perceber esse limite com mais nitidez?
Quando se popularizaram as câmeras digitais e, depois, as câmeras em celulares e smartphones, uma das primeiras preocupações de quem pensava a comunicação e as artes foi: isso é inútil, as pessoas não vão conseguir observar tantas imagens em seu tempo de vida. Em alguma medida, esse raciocínio foi acertado. É muito provável que nós não passemos mais do que duas vezes pela grande maioria das imagens que registramos com nossos aparelhos. Algumas exceções ficam, são mostradas para o público e, a depender da repercussão, se tornam marcantes e podem ser resgatadas e observadas com mais atenção. Esse é o caso de memes, por exemplo. Mas, são poucos, ao menos quando comparados com todos os cliques por segundo.
Meus olhos viraram uma cybershot e isso aponta tanto para minha condição de ciborgue quanto para o meu medo da atualização do sistema. Não sei o que será da minha cabeça quando eu for obrigado a trocar de aparelho. Duvido que ela vá explodir e é isso que mais me assusta.
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