[texto de processo] Educação, vida e morte

Texto de Rodrigo Hipólito.

Em todos esses anos nessa indústria vital, já perdi a conta da quantidade de vezes em que me lamentei em público. Eu me refiro à educação e à escala industrial como ela sempre foi pensada. Com raras exceções, nós passamos pelo confinamento rotativo das escolas, série após série, e somos jogados para o sacrifício do mercado de trabalho, até se esgotarem nossas forças.

Somente depois de digerir minhas frustrações como profissional da educação, consegui assimilar que professories, alunes e funcináries estão do mesmo lado desse cabo-de-guerra. Como aluno, eu vivi a ilusão persistente de que, passados os anos de formação básica, haveria uma sombra palpável de independência. Não há.

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Essa foi uma transmissão dos canal Ilha das Profes, de Leila Oliveira e Paola Costa. Fui convidado, junto com Dennis Almeida, para conversarmos sobre os caminhos da educação e nossas experiências como professories. Durante mais de duas horas, nós sorrimos e nos irritamos com um cenário que parece apresentar poucas saídas positivas. Mesmo diante da escassez de solução, nenhum de nós quatro, assim como a maioria das pessoas que pensam e vivem educação, está em condições de jogar a toalha.

Como compreender que a época dos desmontes já passou e, agora, estamos mergulhados na demolição das instituições públicas? Como encarar, de cabeça erguida, a marcha acelerada do retrocesso? Como impedir o desaparecimento das conquistas alcançadas com o suor e a vida dos que nos antecederam? Como aproveitar as brechas de um projeto anti-humanístico já posto em prática?

Nós nos perguntamos e não encontramos respostas satisfatórias. Mas, talvez, situações como essa transmissão, sirvam para isso. Feitas e publicadas as perguntas, elas podem atingir cabeças em condições melhores que as nossas. Como professor, eu gosto de atirar perguntas ao vento. Ainda que as respostas nem sempre apareçam, quando aparecem, é uma festa do coração ribombante.

Uma das analogias que usei, durante a conversa, fala da educação formal como um túnel pelo qual passamos. Nós gostamos de acreditar que é possível sair desse túnel com um resultado bom ou ruim. Ao passar pelo túnel, será inevitável que você sofra uma transformação. Qual transformação será essa?

O túnel da educação pode fazer com que você se transforme em uma peça ou ferramenta útil para o sistema de produção do qual essa instituição faz parte. Esse é o caso do ensino tecnicista e funcionalista, voltado para alimentar a fome e a indigestão do mercado de trabalho. Entendemos essa transformação como ruim.

Esse mesmo túnel pode fazer com que você se transforme em uma pessoal crítica, socialmente consciente e capaz de gerar sonhos. Esse é o caso da educação libertadora, a qual nunca tivemos a oportunidade de aplicar. Entendemos essa transformação como algo bom.

O problema é que, dentro desse sistema de produção, não há a opção em que a educação não seja um túnel. Compreendo que, enquanto os processos de ensino-aprendizagem não forem parte desejada da nossa vida de modo integral, não será possível abandonarmos a ideia de que escolas produzam cidadania.

Isso me parece ser o mais difícil, deixar de pensar a educação como uma etapa da vida. Nós não pensamos a alimentação como uma etapa da vida. Não pensamos a saúde como uma etapa da vida. Não pensamos a arte como uma etapa da vida. Não pensamos a ciência como uma etapa da vida. Não pensamos a religião como uma etapa da vida.

Muitas vezes, nós pensamos o carinho, a amizade, a companhia, o afeto, a curiosidade, o encanto, a brincadeira, o prazer e a esperança como etapas da vida. Quando isso acontece, quando acreditamos que cada um desses elementos só encontra espaço em uma etapa da vida, significa que aceitamos a sua ausência. Isso significa que aceitamos viver sem carinho, sem afeto, em solidão, em desespero, dor e sofrimento, ao menos a partir de certa época de nossa jornada. Isso é um erro.

Não é difícil perceber que sim, é possível ter carinho, amizade, companhia, afeto, curiosidade, encanto, brincadeira, prazer e esperança em qualquer fase de nossa vida. Isso é um ideal. O mesmo ideal deve ser aplicado à educação. Devemos e podemos compartilhar e construir conhecimento do nosso nascimento até nossa morte. A educação libertadora acontece quando se torna parte de nós.

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