[artigo] Retrofuturologia

Texto de Rodrigo Hipólito

Artigo completo disponível em: HIPÓLITO, Rodrigo. Retrofuturologia e a utopia da destruição. In: BERNARDINO, Hugo et al. Ações, práticas colaborativas e estratégias DIY nas artes. Organização Hugo Bernardino… [et al.]. Cariacica, ES: Editora Cantarelo, 2025, pp. 83-94.

Nesse artigo, falei sobre a relação entre anacronismo, memória cultural e práticas artísticas na era digital. Parti de uma reflexão sobre o texto “Conjunto de épocas” (Pedroni, 2012) para discutir como o anacronismo opera como sintoma de temporalidades sobrepostas, quando passado e presente se entrelaçam de forma não linear. Destaquei a materialidade dos suportes (como máquinas de datilografia) como catalisadora de processos criativos noturnos e intuitivos, em contraste com a lógica diurna da pesquisa acadêmica.

O conceito de “reativação de estratégias poéticas” é central nesse raciocínio: reapropriar obras históricas (como os vivo dito de Alberto Greco) implica incorporar suas materialidades originais e ressignificá-las no presente, seguindo a noção de Didi-Huberman de que o anacronismo revela “contra-dições” temporais. Em produções pós-internet, tecnologias obsoletas e vestígios temporais se tornam materiais artísticos e desafiam a linearidade histórica. O diálogo entre narrativa e banco de dados revela a fragmentação da memória digital e o impacto da virtualidade na preservação cultural, com as comunidades comprometidas e o acesso livre como resistência à destruição.

Para chegar nesse ponto, abordo o impacto da aceleração tecnológica (cinema, Internet, streaming) na percepção temporal. A saturação de referências culturais, facilitada pela reprodução digital, transforma o revival e o retrô em experiências corriqueiras, o que dissolve hierarquias históricas. Aqui, a disputa entre banco de dados (acesso não sequencial) e narrativa (organização linear) torna-se crucial. Projetos como o webdoc “O som dos sinos” ilustram como a interatividade redefine a documentação e descentraliza a construção de sentido.

A preservação da net.art surge como problema emblemático. Obras dos anos 1990 desaparecem devido à obsolescência tecnológica (hardware, codecs, links quebrados). Iniciativas como o Internet Archive e o Rhizome emulam contextos perdidos, mas a sobrevivência dessas obras depende de “montagem de vestígios” (Dekker, 2022), recomposições fragmentadas que reativam memórias, como em “Loveletter_1.0”, de David Link. Casos como “Mouchette.org” evidenciam que a colaboração comunitária e a pulverização da autoria são estratégias eficazes de preservação, ainda que transformem a obra em um “navio de Teseu”.

A retrofuturologia propõe utopias críticas que rejeitam a desmaterialização tecnológica. Artistas como Gabriela Munguía (“Máquinas de lo invisible“) e Leo Nuñez (“Dispersiones“) utilizam tecnologias obsoletas (madeira, motores, circuitos) em gambiarras que subvertem funções industriais. Essas práticas DIY, associadas à transparência de códigos e ao acesso livre, confrontam a lógica corporativa e a obsolescência programada. Oficinas como o TAPP (projetores precários) reforçam o potencial educativo dessas intervenções.

A arte contemporânea, ao reativar vestígios e ruínas digitais, desafia noções lineares de tempo e história. A destruição e o fracasso tecnológico convertem-se em matéria-prima para críticas éticas e estéticas, nas quais a colaboração e a abertura surgem como resistência à centralização do poder e ao desaparecimento cultural.

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