Artigo publicado em Revista Interdisciplinar Internacional de Artes Visuais, Art&Sensorium, [S.l.], v. 4, n. 2, p. 242-254, dez. 2017. ISSN 2358-0437
Resumo: Este artigo aborda os principais aspectos da visão de Georges Didi-Huberman sobre a História e a Teoria da Arte no que concerne ao resgate de “disciplina sem nome” de Aby Warburg. Um ponto central para os estudos warburguianos encontra-se nas influências de Burckhardt e Nietzsche para grande giro teórico do historiador de Hamburgo, antes e após seu período de internação em Bellevue e contato mais íntimo com a prática psicanalítica, pelo acompanhamento de Ludwig Binswanger. A partir desse cenário, evidenciamos o alargamento dos conceitos de Engramm, Pathosformeln, Nachleben para a lida crítica com propostas poéticas englobadas pela Arte Contemporânea.
Palavras-chave: Nachleben, Didi-Huberman, Aby Warburg, Arte Contemporânea.
Abstract: This article addresses the main aspects of Georges Didi-Huberman’s view of a History and Art Theory regarding Aby Warburg’s “nameless discipline.” A central point for warburguian rehearsals, is in the influences of Burckhardt and Nietzsche for the great theoretical spin of the Hamburg historian, before and after his period of internment in Bellevue and more intimate contact with psychoanalytic practice, by the accompaniment of Ludwig Binswanger. From this scenario, we show the enlargement of the concepts of Engramm, Pathosformeln, Nachleben for the critical reading with poetic proposals encompassed by Contemporary Art.
Keyworks: Nachleben, Didi-Huberman, Aby Warburg, Contemporary Art.
Introdução[1]
Mais do que o foco específico de Warburg nas sobrevivências de fórmulas patéticas clássicas no período da renascença italiana e nos barrocos, o nome do teórico de Hamburgo e sua visada sobre a História despertam crescente interesse em América Latina desde o final dos anos 1950. Como já nos apontou José Emílio Burucúa (2012), esse interesse liga-se com possibilidades de extrapolação e desdobramento de conceitos e métodos warburguianos para a lida com situações pertencentes aos últimos dois séculos e pouco mais.
Nas próximas páginas nos deteremos em alguns dos conceitos de Warburg que adquiriam maior reverberação na última década: Engramm, Pathosformeln, Nachleben. Tanto pelo espaço limitado de um artigo quanto por não estipularmos como objetivo o questionamento das características já tradicionalmente indicadas como próprias da arte contemporânea, o espaço dedicado a está será de indicação e não de aprofundamento. Primeiramente, consideraremos as relações entre o entendimento de “formas simbólicas” como corpos significativos reincidentes na história da cultura ocidental com o panorama teórico mais próximo das ideias warburguianas. Com consciência da extensão ampla de tal panorama, estabelecemos como fronteira a ótica de Georges Didi-Huberman sobre a reforma metodológica proposta por Aby Warburg, designada como “ciência sem nome”. Tal designação surge tanto por não haver uma estruturação oficial por parte de seu autor, que abandona a compilação de suas ideias em uma escrita tradicional após sua internação para tratamento psiquiátrico, quanto pela dificuldade de determinar de definições limitadas para seus principais conceitos.
Nachleben como Sobrevivência e Insistência
No caso da academia brasileira, o sucesso das ideias de Warburg recebeu impulso das bem quistas palavras de Didi-Huberman (2013a), principalmente na última década. Os três blocos de “A Imagem Sobrevivente” (imagem-fantasma, imagem-páthos e imagem-sintoma) valem como aprofundamento e dissecação do vocabulário warburguiano, mas também para percebermos os processos biográficos que colaboram na gênese desse conjunto de termos. Nesse sentido, a densidade dos comentários do historiador e crítico francês reside não apenas na revisão e explicitação de uma “ciência sem nome”, que jamais foi nitidamente estruturada em seu tempo de aparecimento, mas na exibição de uma rede de autores anteriores e contemporâneos ao propositor do Atlas Mnemosyne, com os quais este dialogava, e no tratamento que seus “herdeiros” dispensaram para suas teorizações. Neste legado, não podemos esquecer dos nomes apontado por Carlo Ginzburg, no ensaio “De A. Warburg a E. H. Gombrich: notas sobre um problema de método”, de 1966, como Erwin Panofsky, Fritz Saxl, Gertrud Bing e todos aqueles que se vincularam às atividades da Biblioteca Warburg (hoje o Instituto Warburg), além de Ernest Gombrich, Edgard Wind, Giorgio Agamben e Didi-Huberman. Sobretudo em relação a estes dois últimos. observamos não apenas uma retomada do trabalho de Warburg dentro da re-construção historiográfica, como também a sobrevida do nome do historiador na contemporaneidade.
Ao introduzir o tratamento que dispensará para os métodos de trabalho e a biografia de Aby Warburg, Didi-Huberman comenta sobre as intenções diversas de Panofsky[2] ao exorcizar a Nachleben (2013a, p. 85). É possível perceber, nas considerações de Panofsky, uma mudança de vocabulário direcionada para um lado mais científico e frio da análise e da composição da História da Arte. Não seria exagero pensarmos que tal frieza reflete as necessidades de posicionar a História da Arte como uma área de conhecimento detentora de seus próprios parâmetros e métodos que fossem nítidos o suficiente para conquistarem o reconhecimento das demais áreas. Essa era uma preocupação de Panofsky e talvez reflita algo da afirmação da História da Arte como uma disciplina humanística voltada primordialmente para o olhar histórico europeu.[3] Quando se aproxima da iconologia de Warburg, Panofsky prefere falar em significados e não parece se preocupar com a Leben, isto é, a vida das imagens. Essa atenção para com a vida das imagens, Warburg retirara de seu contemporâneo, Burckhardt.
Quando Warburg envia a Burckhardt sua tese recém terminada, nos fins de 1891 e início de 1892, embora conhecesse já alguns trabalhos fundamentais do pensador sobre o período renascentista, como “A Cultura do Renascimento na Itália” (2009) ou a contribuição para a “História do Renascimento na Itália”, idealizado por Franz Kugler (Cf. FERNANDES, 2005), e certamente sem imaginar o desenvolvimento das conclusões para o que seria futuramente publicado como “L’arte italiana del Rinascimento” (1992), já havia sido tocado pelo discurso de criação da cátedra de História da Arte na Universidade da Basiléia, em 1874 (Cf. Idem, 2006). Ambos se voltam para a Arte e sua História como questões vitais. Não seria possível separar Arte e História do emaranhado de experiências perceptivas e significativas que mantém a realidade em andamento, tampouco seria possível tratar da “vontade” que empurra a vida, de modo desgrudado de tais experiências. Para ambos, não se trataria apenas de encadear fatos, tampouco de fazer ciência ou de uma questão de método, mas de uma necessidade básica. De Burckhardt, Warburg trabalhará a Leben inserida num todo cultural,[4] pois a vida não funcionaria sem um elemento não natural, que é a cultura, na qual a experiência com a imagem não só não se reduziria àquela concepção da época do que poderia ser uma obra de arte, mas estaria suspensa em um entre. Um entre que escapa a uma cronologia linear ou espacial, que fica entre a história da arte e a arte. Para Guilles Deleuze e Félix Guattari (2006, p. 37), o “Entre as coisas não designa uma correlação localizável que vai de uma para outra reciprocamente, mas uma direção perpendicular, um movimento transversal que as carrega uma e outra, riacho sem início nem fim, que rói suas duas margens e adquire velocidade no meio”.
Falar de imagens implica também falar da experiência com as imagens e do modo como dividimos nossa existência com elas. A vivência das imagens exige um espectador participante, atuante na compreensão, que não busca apenas o conteúdo e significados. Trata-se de uma iconologia warburguiana que, como salienta Philippe-Alain Michaud (2013, p. 32), objetiva “[…] não a significação das figuras – esse é o sentido que lhe dera Erwin Panofsky, mas as relações que essas figuras mantêm entre si, em um dispositivo visual autônomo, irredutível à ordem do discurso”.
De modo amplo, a arte contemporânea procede a um espelhamento dessa afirmação sobre a potência das relações entre as imagens e figuras. Diríamos, então, que falar em experiências é também falar em imagens e do modo como estas dividem sua existência conosco. Quando pensamos a quebra de categorias pré-modernas de pintura e escultura, o abandono da moldura e do pedestal (GULLAR, 2007) e a dissolução da arte na vida quotidiana num sentido de transformação das relações perceptivas, sociais e políticas (OITICICA, 2006), isso não significa uma desconsideração com os aspectos materiais e imagéticos presentes nas propostas de arte. Com a experiência em primeiro plano é necessário que o trato com a forma venha acompanhado de um trato com as práticas do público com a forma e com os significados gerados a partir do atravessamento do público essas formas que são, simultaneamente, discursos.
Didi-Huberman (2013a, p. 85) compreende que a relação entre cultura, como elemento artificial no jogo histórico, e vida, como inevitabilidade relacional, apontam para um sentido de vida na Nachleben como uma simultaneidade do jogo de funções (abordagem antropológica), do jogo de formas (abordagem morfológica) e de um jogo de forças (abordagem dinâmica e energética). No primeiro caso, falamos dos processos de dar significado às ações humanas e compreendemos a abordagem antropológica como um sistema que permite também interpretar tais ações em conjunto. No segundo caso, a abordagem morfológica procura dar aparências aos significados (incluso ações como aparências), formar um conjunto inteligível de tais aparências e estabelecer uma axiologia que confira valores a tal conjunto. Essa última sub-função do jogo de formas está na base do sistema da Arte Moderna, no que concerne a autonomia da Arte e as realizações do Norte geopolítico. Já no terceiro caso, a abordagem dinâmica e energética nos permite gerar relações entre significados e significados, aparências e aparências, significados e aparências, assim como entre seus conjuntos. Quando compreendemos a simultaneidade desses jogos, seu contínuo movimento e emaranhar de imagens, experiências e ideias, aproximamo-nos da Leben das imagens.
Devemos perceber como essa simultaneidade e, por conseguinte, a Nachleben, nos fala também sobre os movimentos que levam Arte em direção da vida quotidiana e o quotidiano em direção da Arte, questão que se torna preponderante para as propostas de arte da metade do século XX até os dias de hoje. Os discursos sobre tal aproximação Arte e Vida, por sinal, talvez tenham sofrido do mesmo processo de esfriamento que a postura de Panofsky imputou a iconologia warburguiana. Certamente a estipulação de significados bem definidos, que alicerçam propostas de arte vivencial e conceitual, e a primazia da abordagem antropológica, permitem a entrada da História e da Teoria da Arte na academia de maneira bem mais confortável. Por outro lado, devemos nos perguntar se uma ciência fria, que constrói e acredita em fatos secos, poderia promover uma aproximação eficaz de gestos patéticos como os são não apenas os da Arte, mas também os da História.
A tônica da “ciência sem nome” de Warburg escapa dessa frieza num mergulhar temerário em direção dos corpos que sustentam o tempo e a memória. Podemos notar esse aspecto da lide warburguiana com a memória pelos comentários de Didi-Huberman sobre as relações entre a ideia de sobrevivência em Warburg com a psicologia da história de Nietzsche (DIDI-HUBERMAN, 2013a, p. 137). Didi-Huberman avança sobre as “Considerações Inatuais” (NIETZSCHE, 1999) para nos falar da plasticidade da memória e do tempo histórico, assim como do passado que só é possível com a constante alimentação do presente (DIDI-HUBERMAN, 2013a, p. 145).
Memória e tempo histórico não existem sem plasticidade e é por serem plásticos que podem movimentar-se e transformar-se dentro das fraturas e suturas sofridas pelos jogos de força, dos quais fazem parte. Isso é um lembrete de que tempo histórico e memória só funcionam quando há suporte para os mesmos. Os meios, sua plasticidade (ou corporeidade)[5] são sempre mudados, sofridos, traumatizados, insistentes e, por isso mesmo, sobreviventes.
Para Bernardes (2010, p. 310), a relação do indivíduo com o mundo dos objetos, corpos sensíveis, não se dá como um reflexo consciente do mundo, visto que a consciência humana
[…] é também o produto de sua atividade no mundo dos objetos. Nessa atividade, a que medeia à comunicação com outras pessoas [e imagens], tem lugar o processo de apropriação (Aneígnung) por parte delas, das riquezas espirituais acumuladas pelo gênero humano (Menschengattung) e plasmada na forma sensitiva objetal.
Desse modo, a consciência é produto das relações sociais firmadas através da vida social e, ao mesmo tempo, mediada pelas significações produzidas pela própria sociedade através da história. Quer dizer, a relação com a plasticidade dos objetos não se limita aos sentidos conscientes e ditos interpretativos de conteúdo, mas se enquadram naquilo que Didi-Huberman chamará de “inconsciente do visível”, ou de visual em oposição ao visível.[6]
Pathosformeln e o Retorno do Mesmo
Em continuidade ao entendimento dessa plasticidade do tempo e da memória, que permite seu estado de sobrevivência, devemos compreender essas mudanças e traumas também carreiam repetições. A natureza dessas repetições é, no entanto, bem distante de uma exatidão artificial pois, como o próprio Didi-Huberman relembra, repetição e contratempo estão relacionados, ainda sobre as palavras de Nietzsche. Todo o historicamente significativo somente pode aparecer por um agir contra a história, contra o tempo. Nesse sentido, é dita a advertência do filósofo para os historiadores: “E, se necessitarem de biografias, não sejam elas as que tem por refrão ‘O sr. Fulano e sua época’, e sim as que deveriam ter como título ‘Um lutador contra seu tempo’ [ein Kämpfer gegen seine Zeit]” (NIETZSCHE 1874, p. 135 apud DIDI-HUBERMAN, 2013a, p. 149).
Devemos, então, apontar que aquilo que segue o movimento do eterno retorno do mesmo em Nietzsche não é o mesmo idêntico, mas uma semelhança que poderíamos chamar de fantasma. A citação que Didi-Huberman traz (2013a, p. 150), de “Nietzsche e a Filosofia”, por Deleuze (1962, 54-55)[7], praticamente dispõe a explicação do eterno retorno no interior de um “presentismo”. Para François Hartog (2014), o “presentismo” seria uma “ordem” de tempo em que passado e futuro não funcionam como “saídas” para o presente, mas sim em que o presente absorve o passado e o futuro sem que estes se percam. Nesse discurso, a aproximação do espaço de experiências com o horizonte de expectativas realiza uma “suspensão” da dinâmica de tempo histórico.[8] Tanto o passado, que não poderia ser passado sem amarrar-se ao movimento presente, quanto o futuro, que não poderia vir sem deixar-se para o presente, não seriam possíveis sem a “passagem” do presente sobre si mesmo.[9]
Até o momento observamos que o desvio da cronologia linear é necessário para lidar com a produção contemporânea e com o entendimento de produção de imagens no sentido mais amplo. O sentido do eterno retorno parece já bem assimilado, porém, o sentido do “mesmo” talvez cause confusões, pois tendemos a imaginar que o que se repete no mesmo é uma repetição “total”, uma identidade, isto é, algo idêntico. Esse não é o caso. O francês nota essa delicadeza ao escolher as palavras de Agamben:
Detenhamo-nos por um momento na palavra Gleich. Ela é formada pelo prefixo ge (que indica um coletivo, uma reunião) e pelo termo leich, que remete ao alto-alemão médio lich, ao gótico leik e, por fim, à raiz lig, que indica a aparência, a figura, a semelhança, e que se transformou, no alemão, moderno, em Leiche, o cadáver. É essa raiz lig que encontramos no sufixo lich, com o qual se formam muitos adjetivos em alemão (weiblich [feminino] significa, originalmente, o que tem uma figura de mulher), e até no adjetivo solch (de modo que a expressão filosófica alemã als solch [como tal], ou as such do inglês, significa: quanto à figura, à forma própria). Em inglês temos a correspondência exata na palavra like, que tanto é encontrada em likeness quanto nos verbos to liken e to like, e também como sufixo na formação de adjetivos. Nesse sentido, o eterno retorno do gleich deveria ser traduzido, ao pé da letra, como o eterno retorno do lig. Assim, há no eterno retorno algo como uma imagem, uma semelhança […]. (AGAMBEN, 1998, p. 78).
Ou, se quisermos, o retorno de um fantasma. O “mesmo” nietzschiano que retorna não é a identidade, mas uma semelhança, uma parecença, algo que remete e faz com que o que é morto permaneça. Esse “mesmo” que retorna, esse fantasma que insiste, dá a energia “anistórica” para que aquele que luta contra o tempo seja visto, ou melhor, que seja visto a própria passagem do presente sobre si mesmo.
A sobrevivência (ou insistência) das imagens antigas, toma corpo na visão warburguiana pelo conceito de Pathosformeln. “Fórmulas do phatos” seriam a corporificação da Nachleben, mas, apesar de uma possível definição direta e como muitas das ideias centrais de Warburg, o entendimento da Pathosformel depende de um amarrado difícil de seguir. Quando de sua formulação, o historiador pensava na sobrevivência do antigo e nos diz de “fórmulas do phatos” numa “intricação” entre “uma carga afetiva e uma fórmula iconográfica” (DIDI-HUBERMAN, 2013a, p. 173-174). Se pensarmos em intricação, nos aproximaríamos de emaranhados ou redes emboladas de formas, ideias, expressões e conteúdos que, mesmo quando simplificados, ainda podem causar confusão.
[…] “causas externas” (o vento na cabeleira de uma ninfa) com temas psíquicos (o desejo que move a ninfa), “acessórios” (o parergon, a periferia) com tesouros (o centro, o coração das coisas), realismo de detalhes com intensidade dionisíacas, artes do mármore (escultura) com artes do gesto (dança, teatro, ópera) etc. (DIDI-HUBERMAN, 2013a, p. 175).
Devemos estar cientes de que, para pensarmos os termos warburguianos para uma lida com a arte contemporânea, isso só seria possível ao alargarmos o sentido desses termos. Não devemos, ainda, nos perder nos caminhos que argumentam ou se esforçam por explicar críticas a uma repetição inexistente e não indicada por essas palavras. Nas Pathosformeln, a fórmula não administra um conjunto de constantes imutáveis, mas sim o “mesmo” que retorna sem ser identidade, como esboçado pela inspiração nietzschiana, apresentada acima. Essa “parecença” ou esse fantasma que passa de corpos em corpos apresenta mais uma movimentação ou uma energia presente na História e na História da Arte do que propriamente uma possibilidade de estagnação do tempo pela repetição.
O movimento é uma das construções arrastadas pelo pathos. O ser patético não é o ser passivo, mas o que se deixa afetar, sensibilizar. O patético é aquilo que responde às forças externas e delas deriva formas como “momentos transitórios”. A construção patética, com suas “singularidades fecundas” “devia”, faz o devir, faz o acontecer (DIDI-HUBERMAN, 2013a, p. 180-182). Essa vontade virtual (em potência) do patético gera o acontecimento como o ponto do qual desdobram-se ações variáveis.[10] Eis uma das principais e menos compreendidas requisições de diversas vertentes da arte contemporânea para o público: ser patético.
Dispor a obra de arte para o domínio temporal relaciona-se com a entrega do poder de co-autor para o espectador de modo copertencente: a existência da atividade do espectador possibilita que a obra encontre-se no domínio temporal, e ao espectador é dada a possibilidade de acessar construtivamente a obra devido à seu domínio temporal. Como já havia notado Oiticica, nessas condições não é mais adequado designar suas realizações como obras. E mesmo o termo “trabalhos”, como preferia o artista, talvez ainda deixe margens para pensar em uma finalização por parte do propositor. As proposições vivenciais seriam, de maneira mais aproximada, dispositivos para serem disparados pelo espectador/participador. E estes dispositivos guardariam significados em potência, indeterminados, que surgiriam sempre como novos na atualização do participador/disparador (FAVORETO; HIPÓLITO; MARQUES, 2012, p. 91).
A partir das transformações ocorridas na década de 1960 em grande parte dos cenários da arte no Ocidente, o público adquire um papel tanto pouco determinado quanto imprescindível para a constituição das propostas de arte. Não seria mais possível afirmar que artistas são responsáveis por entregarem uma obra para contemplação do público, mas sim que artistas surgem como propositores de algo que pode vir a ser uma experiência estética e conceitualmente construtiva (Cf. OITICICA, 1986, p. 50-63).
Essas e muitas outras mudanças de rumo significativas ocorridas entre as décadas de 1960 e 1980 nos permitem afirmar a arte contemporânea não como um período da História da Arte, mas como um paradigma global que reconfigura nossa relação com as imagens, com o fluxo espacial, com os papéis de público, artista e trabalho de arte e com a própria teoria da arte (Cf. HEINICH, 2014). Ainda que muitas das características presentes no que chamamos de cenários da arte contemporânea sejam tópicos de debates, é certo que o público como ativador afetado pelo movimento de reconfiguração das próprias referências históricas da Arte fora dos espaços tradicionais de contemplação é um ponto central para compreender a ascensão dos processos sobre os “trabalhos acabados”. Formas patéticas, formas que afetam, sobrevivem de uma proposta de arte para a outra e no interior dessas propostas na medida em que há atuação do público. Ainda falamos de sobrevivência de formas quando falamos em participação do espectador.
Essa sobrevivência se dá, assim, no movimento desencadeado pelo patético. Devemos compreender, aqui, a construção expressiva como compreendemos organismos. O vocabulário biológico e antropológico de Warburg nos pede para ver as imagens como seres vivos que arrastam heranças passadas, com significados variáveis ou não. Toda a transformação que a matéria viva, orgânica, sofre, deixaria uma marca, vestígio, rastro, algo cunhado na carne (Prägung), que sobreviverá mesmo sem suas “excitações originais”. Essas seriam as transformações que sobrevivem como “imagens-lembrança” (Engramm) (DIDI-HUBERMAN, 2013a, p. 206).
Engramm, Sintoma e História
O Engramm recebe e guarda os impulsos expressivos e torna elementos desprovidos dessa propriedade quando pensados em separado, em formas patéticas. O movimento do corpo de uma escultura e as tensões internas da imagem seriam deslocadas do corpo para os drapeados das vestes e ondulações dos cabelos, para os ornamentos e quaisquer elementos que, de início, não deteriam o impulso do gesto expressivo. Assim, o movimento que faz a marca, o traço, continuar, seria um movimento de “deslocamento”. A expressão, proveniente da energia do gesto, seria deslocada para elementos externos a ela, isso é, para outra carne.
Do corpo afetado para a forma afetada, o dionisíaco e o apolíneo mantém seu embate que movimenta “coreografias”.[11] Do corpo afetado para a forma afetada, o gesto se “intensifica”, como um superlativo comparável.
Com esse vocabulário, jamais abandonamos o simbólico, aliado ao mítico e jamais deixamos o devir histórico, compreendido como um “tempo psíquico”, que é aquele da Nachleben. Ao nos cercarmos dos termos warburguianos, adentramos no terreno de uma “psicologia histórica” (DIDI-HUBERMAN, 2013a, p. 248).[12] Nesse sentido, enxergamos as realizações da arte como banhadas por temáticas como o desejo, a moral, o patético, o luto, e toda e qualquer simbologia amarrada aos modos de sentir e expressar. Nós caminharíamos pelos domínios do gesto, da multiplicidade de vontades não necessariamente planejadas. As Pathosformeln nos apresentariam os sintomas visíveis de sobrevivências emaranhadas o suficiente para não poderem ser descritas, identificadas ou “discursadas” como uma sequência linear qualquer. Para observar e conversar sobre essas “fórmulas patéticas” deveríamos, primeiramente, habituarmo-nos com os termos de uma espécie de “sintomatologia psíquica da História da Arte”, com o que houver de freudiano nisso.
Falaríamos, então, de sintoma como um símbolo que explode seu sentido identificável, decifrável. Antes da publicação de “Além do princípio do prazer”, em 1920, Freud considerava o sintoma mais relacionado ao viés da interpretação analítica de uma mensagem. Apesar de mostrar resistências, o sintoma passaria por um tratamento psicanalítico, no qual o paciente revelaria, por associação livre, tudo o que passasse por sua mente, pois pensamentos e lembranças estariam ligados ao sintoma. Contudo, após 1920, observamos uma mudança considerável na concepção de sintoma para Freud. Por um lado, o sintoma mantém-se como mensagem passível de interpretação, mas, por outro, adquire um viés de satisfação pulsional muito resistente ao tratamento analítico. O trabalho de Freud como analista evidencia as resistências e a compulsão à repetição, em que alguns pacientes não abandonariam seus sintomas. “Sua prática clínica foi mostrando que a decifração dos significados não era suficiente” (OCARIZ, 2003, p. 78).
O sintoma é o símbolo que se tornou incompreensível, pois foi plasticamente intensificado, deslocado, dissimulado e passou a abraçar contradições que exigem sua interpretação (DIDI-HUBERMAN, 2013a, p. 268-269). Nesse caminho, pouco nos adiantaria construir uma rede iconográfica que fixasse as Pathosformeln, pois a simultaneidade contraditória manteria esses símbolos em movimento. A rede iconográfica fixa apresentaria apenas signos mortos, passíveis de serem decifrados, mas fechados para a interpretação.
A meta de toda vida é a morte …. O inanimado está ali antes do vivo …. Em algum momento, por intervenção de forças que são para nós totalmente inimagináveis, suscitaram-se na matéria inanimada as propriedades da vida. A tensão assim gerada no material até então inanimado lutou por se libertar, assim nasceu a primeira pulsão, a de retornar ao inanimado. (FREUD, 1996, p. 38)
É certa a necessidade de estar morto para continuar na insistência (Nachleben) como fantasma. O sintoma necessita da interpretação pois, como a “marca” de uma situação, representa a sobrevivência (a resistência) de conflitos no seu esforço de reconciliação (compromisso). Nota-se como o vocabulário freudiano adequa-se às preocupações de Warburg de não fechar os olhos para os “efeitos críticos” apresentados nas imagens que sobrevivem (resistem, insistem). Os “efeitos críticos” ressaltam a instabilidade e também o “seguir” das fórmulas de pathos.
O sintoma em Freud abre margem para pensar o peso e a necessidade do anacronismo para a construção histórica warburguiana. O que seria impraticável para um positivista, a Nachleben coloca em evidência: a dissociação entre memória e lembrança (DIDI-HUBERMAN, 2013a, p. 273). Na medida em que a memória aparece, é posta em prática no gesto ou, se corporifica na plasticidade da expressão patética, a lembrança é posta de lado e quando a lembrança sai de cena, o sintoma se mostra presente. A memória, em todo caso, não aconteceria uma vez, mas em sobreposições que não se organizam por causa e consequência. As memórias não são apagadas, mas brotam e re-brotam num emaranhado que destitui o símbolo de um significado nítido, torna-o sintoma e, assim, discutível numa “dialética do monstro”.[13]
Se pensarmos numa aproximação que nos permitiria interpretar o sintoma, precisaríamos, como nota Didi-Huberman, considerar o princípio da empatia (einfühlung), tão caro a Warburg (DIDI-HUBERMAN, 2013a, p. 351). Precisaríamos, então, como ele, diferenciar incorporação por semelhança de incorporação por empatia. Warburg haveria identificado na incorporação empática do inorgânico (objeto) pelo orgânico (sujeito) uma relação esquizofrênica, pois os limites do eu seriam desfocados. A pergunta, assim, seria sobre como incorporamos formas aos gestos no arrastar do passado.
Ao retornar a Thomas Carlyle, Didi-Huberman (Idem, p. 360) apresenta uma imagem forte sobre a concepção simbólica da forma no tempo. Tentemos conceber a história e a relação passado/presente de um modo distante de linearidade da criação. Se pensarmos a história como o desenvolvimento do universo, nós nos veremos cercados de luzes que são passado e simultaneamente estão presentes. A nossa volta, o universo se abre, se distancia de nós, enquanto nós nos distanciamos de outros pontos nesse mesmo universo. Nesse sentido, a epopeia de Homero se distancia a todo o tempo de nós, mas não deixa de brilhar. Seu brilho pode sempre ter significado para nós, quando a olhamos pelos telescópios que são o pensamento histórico e a recriação artística. As estrelas, ou símbolos, sobrevivem, mesmo que estejam mortas.
Conclusão
Os gestos sobrevivem nos cadáveres pelo eterno retorno do mesmo, da semelhança, do fantasma. Dizer que as imagens sobrevivem não é suficiente. As imagens não sobrevivem. Não obstante, há sobrevivência nas imagens e há formas patéticas que carregam a sobrevivências nas imagens, formas patéticas que aparecem como fantasmas. Assim, as imagens sobrevivem.
Próximos do fim, há uma ressalva importante para que o início do trabalho não seja confundido com a extensão do seu caminho. Ao falar do trabalho investigativo de Warburg, que visava “nomear” os detalhes das imagens, o autor ressalta que esse nominalismo. Nomear é o início do trabalho com os detalhes. Trabalhar com os detalhes é atentar para o que geralmente passaria despercebido, sem valor, sem validade, descartável e por isso mesmo potente. Os detalhes funcionam como uma pontuação em caminhos que cremos constantes. Os caminhos, os movimentos, somente são íntegros, quando ignoramos os detalhes, quando não reconhecemos sua potência. Os detalhes são pontuação, intervalos. Uma mensagem maior, está, assim, em ser capaz de reconhecer o valor do intervalo, do entre, do mundo ambiental [Umwelt].
As fronteiras, como sabemos, amiúde são separações arbitrárias no ritmo geológico de uma mesma região. Que faz o clandestino quando quer cruzar uma fronteira? Usa um intervalo já existente – uma linha de fratura, uma fenda, um corredor de erosão – e que, se possível, passe despercebido aos guardas como um “detalhe”. Assim funciona a “iconologia do intervalo”, seguindo os ritmos geológicos da cultura para transgredir os limites artificialmente instituídos entre disciplinas. (P. 418-419).
No entanto, para a arte contemporânea, produzir o “novo”, ultrapassar fronteiras ou trabalhar com o “detalhe”, com a “brecha”, não significa apenas produzir algo que não possua as formas passadas, mas também algo que não repita as velhas diferenças entre objetos de arte e objetos do quotidiano. A grande diferença a ser considerada nessa dupla requisição diz respeito ao tempo. Ao ver um objeto do quotidiano, nós antecipamos sua morte (sua vida curta). “A finite live expecting is, in fact, the definition of ordinary life” (GROYS, 2008, p. 35).
O fantasma, quando invocado, carrega sua temporalidade, seu tempo narrativo e a História da Arte deve considerar essa bagagem quando estrutura uma narrativa que abarca a relação entre fantasmas e seus invocadores (artistas, historiadores, críticos, teóricos e construtores de discurso). Cada imagem-lembrança guarda a reverberação de um movimento que jamais cessará, pois o patético contido nessa forma, nesse corpo, insistirá através da História, isto é, sobreviverá num atravessamento do tempo. Começar a pensar os processos da arte contemporânea como rituais que invocam fantasmas por uma “parecença” das formas é um bom caminho para escapar de uma prática fria da Teoria da Arte e chegar a um trabalho consciente de que não precisa ser nomeado.
Referências
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[1] Parte dos conteúdos desse capítulo foram disponibilizados para o público pelos autores em <https://notamanuscrita.com/2017/03/01/aby-arte-e-o-monstro/>
[2]Como importante centro para as transformações recorrentes nas Humanidades nas primeiras décadas do século XX, a Escola de Hamburgo trazia também um cenário de relações muito próximas entre esses que hoje são nomes fundamentais para o pensamento ocidental. Embora seja difícil seguir a trilha desses relacionamentos, é necessário perceber como a fundação da Universidade de Hamburgo, a transformação da cidade num centro comercial de peso, os atritos culturais entre germânicos e judeus e sua localização para a cultura de Weimar de modo amplo afetou o desenvolvimento de um pensamento sobre as formas simbólicas em Warburg, Cassirer e Panofsky. Especificamente por debruçar-se sobre esses três nomes, é relevante o modo como tais aspectos aparecem em LEVINE, 2008.
[3] Como comenta Rodrigo Vivas (2011), em texto inspirado pela pergunta de Castelnuovo (2006), “Do que estamos falando quando falamos em História da Arte?”, a passagem para o século XX e as primeiras décadas deste viram a ascensão de justificativas cientificistas para a autonomia da História e notadamente para a História da Arte. O texto de Erwin Panofsky, “A História da Arte como uma Disciplina Humanística” (2001), surgido ainda em 1940, foi fundamental para defender os pontos específico de uma área que até hoje se vê com caminhos dificultados pelo peso da “História”. O herdeiro de Warburg esclarece, de modo didático, diferenças entre os objetivos da História e os objetivos da História da Arte que ainda podem ser opacos na atualidade. Sem desconsiderar a existência de um trabalho de arte como documento histórico, a História da Arte ocupa-se da condição artística de tal objeto ante seu cenário cultural. Ainda que atingido pela frieza do pensamento proeminente nas Humanidades nas décadas anteriores, é justo indicar como Panofsky já abria as margens para que pensássemos mais os processos e menos a possível compreensão do documento como objetivo de uma disciplina que não habita o interior da História, mas sim compartilha com ela alguns instrumentos e campos de trabalho.
[4] A importância da noção de cultura para Burckhardt é apontada por Peter Burke na introdução à BURCKHARDT, Jacob. A Cultura do Renascimento na Itália. Um Ensaio. Tradução: Sérgio Tellaroli. Introdução: “Jacob Burckhardt e o Renascimento Italiano”. São Paulo: Companhia de Bolso, 2009.
[5] Pensemos em conceitos como o de imagem-objeto, proposto por Jérôme Baschet, que, apesar de proposto para o entendimento de imagens medievais, pode ser utilizado como ferramenta que evidencia a necessidade de se pensar a imagem em seu lugar e sua corporeidade. “[…] propomos a noção de imagem-objeto a fim de sublinhar que a imagem é inseparável da materialidade de seu suporte, mas também de sua existência como objeto, agiu e age em lugares e situações específicas, implicada na dinâmica das relações sociais e das relações com o mundo sobrenatural” (BASCHET, 2008, p. 33-34, tradução nossa). É pelo corpo da imagem que observamos sua história e sua sobrevivência, suas marcas psíquicas e sociais. Sobre a imagem-objeto cf. PEDRONI, Fabiana; HIPÓLITO, Rodrigo. O lugar sagrado da imagem medieval: imagem-objeto e site specificity. In: XIV Jornadas Internacionales de Estudios Medievales, 2014, Buenos Aires. Actas de XIV Jornadas Internacionales de Estudios Medievales. Buenos Aires: Consejo Nacional de Investigaciones Cientificas e Tecnicas (CONICET), 2014. v. 1. Disponível em: <https://notamanuscrita.com/2014/09/08/o-lugar-sagrado-da-imagem-medieval-imagem-objeto-e-site-specificity/>. Acesso em 25 setembro 2017.
[6] “Ora, se nos fosse necessário dar sentido a essa expressão – o ‘inconsciente do visível’ -, não é do lado do seu contrário, o invisível, que ele deveria ser buscado, mas do lado de uma fenomenologia mais retorcida, mais contraditória, também mais intensa – mais ‘encarnada’.” (DIDI-HUBERMAN, 2013b, p. 38)
[7] “[…] como pode o passado constituir-se no tempo? Como pode o presente passar? O instante que passa nunca poderia passar, se já não fosse passado ao mesmo tempo que presente, e ainda por vir ao mesmo tempo que presente. Se o presente não passasse por ele mesmo, se tivesse de aguardar um novo presente para que este se tornasse passado, o passado em geral jamais se constituiria no tempo, nem esse presente passaria: não podemos esperar, é preciso que o instante seja simultaneamente presente e passado, presente e futuro, para passar (e passar em prol de outros instantes). É preciso que o presente coexista consigo mesmo, como presente, passado e futuro, que fundamenta sua relação com os outros instantes. O eterno retorno, portanto, é uma resposta ao problema da passagem. Nesse sentido, não deve ser interpretado como o retorno de algo que exista, que seja uno, ou que seja o mesmo. Interpretamos erroneamente a expressão eterno retorno quando compreendemos retorno do mesmo. Não é o ser que retorna, mas o retornar em si que constitui o ser como aquele que se afirma pelo devir e pelo que passa. Não é o um que retorna; o próprio retornar é o um que se afirma pelo diverso ou pelo múltiplo”. (DELEUZE, 1962, p. 54-55 apud DIDI-HUBERMAN, 2013a, p. 150)
[8] Esse debate pode ser melhor absorvido na visão de Yuval Dolev (2007): a dúvida se resumiria a concepção de um tempo tensed (que entende a passagem de quadros entre passado e futuro) e tenseless (que aceita apenas o Princípio Atemporal).
[9] “[…] No fundo, só existe mesmo o presente da existência. Ou seja, não é o tempo que passa. São as coisas que passam no devir infinito do mundo. […] o tempo é a ideia que descortina melhor o modus operandi humano, ou seja, mostra a forma como o nosso espírito funciona, como representamos as coisas, como conhecemos o mundo e como o retemos e o reelaboramos a partir de nossa psique. De fato o mundo será recriado em nosso espírito; algumas imagens ficarão retidas como pontos de luz na escuridão, outras se perderão ‘como lágrimas de chuva’. É verdade que os vestígios de nossas pegadas são apagados pelo vento… O que resta em nós é apenas a impressão mais ou menos vívida dos momentos que já não existem mais’. (SCHÖPKE, 2010, p.11-12).
[10] “Não apenas o páthos não se opõe à forma, como também a gera. Não apenas a gera, como a leva a seu mais alto grau de incandescência; ao intensificá-la, ele lhe dá vida e movimento, com o que liberta seu momento de eficácia.” (DIDI-HUBERMAN, 2013a, p. 183).
[11] “Foi para isso, primeiramente, que Warburg atentou: quer se tratasse de Botticelli (em 1893), quer de Ghirlandaio (em 1902), bem como de Leonardo e Agostino di Duccio, Mantegna e Dürer, ressurgia constantemente a questão do gesto intensificado, em especial quando o passado se transformava em dança. Nietzsche, no artigo sobre “A visão dionisíaca do mundo”, já havia falado da dança como uma “linguagem realçada” [gesteigerte Gebärdensprache in der Tanzgebärde], o que é um modo de denominar a conversão do gesto natural (andar, passar, aparecer) em fórmula plástica (dançar, rodopiar, dançar a pavana). A ideia de Pathosformel seria elaborada, em grande parte, para dar conta dessa intensidade coreográfica que atravessa toda a pintura do Renascimento e que, em matéria de graça feminina – de venustidade -, foi resumida por Warburg, além de sua denominação conceitual, numa espécie de personificação transversal e mítica: a Ninfa.” (DIDI-HUBERMAN, 2013a, p. 219).
[12] A Psicologia Histórico-Cultural associa-se fundamentalmente a Vygostky (1896-1934), Leontiev (1903-1977) e Luria (1902-1977). Trata-se de autores que, em momentos de forte presença do experimentalismo na área da psicologia, trouxeram contribuições de diálogo entre outras disciplinas, como a Antropologia cultural e a História. Sob a égide da Psicologia Histórico-Cultural, o tempo de sobrevivência das imagens mostra-se como um tempo psíquico, relacionado aos traços pulsionais e a um estado afetivo frente ao mundo. Cf., dentre outros, BERNARDES, 2010.
[13] Como também aponta Didi-Huberman, essa “inquietante dualidade” entre um humano organizador e uma perda de controle de suas pulsões reflete uma condição mais ampla de tudo o que compreendemos como Cultura. Próprio processo de compreensão dos fatos culturais necessitaria de uma condição humana que mistura esforços lógicos e discursivos com uma animalidade jamais apagada, ainda que recalcada. Esse movimento que emaranha o dionisíaco com o apolíneo leva Warburg a expressão “dialética do monstro” (Cf. SILVA, 2014, p. 81).
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