Texto de Rodrigo Hipólito
Agora a pouco assisti a um vídeo de uma neurocientista que falava sobre como é importante praticar exercícios físicos para que nossas sinapses se deem bem e tenhamos um hipocampo forte e bem nutrido.[1] Mais cedo, me falavam sobre o crescimento da infelicidade de jovens no trabalho e as causas dessa infelicidade, que se relacionam com o desejo por um emprego de sucesso. Ouvi também algo sobre o filme “Eu, Tonya”,[2] que ainda não assisti. O filme conta a história de uma patinadora olímpica internacionalmente reconhecida, que sofre agressões do marido, as quais refletem num conjunto de agressões sofridas por parte da mãe, que queria ter uma filha bem-sucedida. Mês passado me desentendi com minha irmã mais velha, por ela defender um trato fisicamente mais rígido com crianças para que não se tornem “vagabundas”.
Quando eu era criança, o esperado era que todos concluíssem o ensino básico, depois o médio e o sonho do superior. Até aí, tudo bem. Mas, o que se passa em todas essas esferas, no que concerne aos objetivos de uma vida, me preocupa e assusta. Já tentei explicar, várias vezes, porque não me dou bem com São Paulo e muito se resume a ideia de uma constante pressão para que todos trabalhem.
Considero que trabalho é só uma necessidade e viver para trabalhar é um problema. No entanto, será que me sinto mesmo assim? Sinto uma profunda culpa por quaisquer minutos de ócio. O que é necessário para que sejamos bem-sucedidos?[3] Concluir os estudos, que nunca se concluem? Ter trabalho, que não é o objetivo e sim o meio? Comer o que você gosta e ser convencido de que tudo faz mal, de que ser gordo é doença e ser vegano é loucura? Fazer exercícios e estar com o corpo “em forma” para ser taxado de superficial?
Você precisa viajar por todos os lugares, ser agradável com todas as pessoas, sorrir, nunca ficar doente, nunca faltar aos seus três empregos, ter uma vida amorosa movimentada (mas não muito), comer de tudo (mas tudo é caro), se vestir bem (mas sem chamar atenção), nunca estar cansado, ser inteligente, conhecer música, literatura, saber dançar, saber três ou cinco idiomas, abrir a própria empresa, ser caridoso, bem-humorado, discreto, ter dinheiro para gastar sem medo em qualquer situação, ser um exemplo para todos, respeitável, invejável, modesto e de pele boa. Ah! É necessário ter uma foto na Torre Eiffel e você nunca, nunca deve envelhecer.
Tenha você percebido ou não qual o rumo inevitável de tentar conquistar todos esses objetivos, sua posição já estava prevista na “Academia do Fracasso”.[4] Em 1975, o Centro de Arte e Comunicação de Buenos Aires (CAyC) apresentava a proposta de Marta Minujín, em parceria com o “reitor da Academia do Fracasso”, Agustín Merello. Ao chegar à galeria, você era convidado a preencher um questionário com perguntas como “quando você está perto de gozar e lhe vem a impotência, o que você diz?”, “Quando a pessoa que você ama começa a perder o interesse por você, o que você faz?”, “E quando não tem vontade de começar uma tarefa?”, “E quando você não tem certeza se algo vale o esforço?”, “E quando seu filho adolescente falha repetidamente numa tarefa?”, “Como você se sentiria se pudesse fazer a mágica de nunca fracassar em nada?”, “O que você faz quando está de frente para algo implacável, isto é, que te faz negar todas as suas vontades?”.
Após marcar as alternativas possíveis, você poderia verificar o resultado e se enquadrar em quatro categorias de fracassado:
i Triunfalista: obcecado pelo êxito, você necessita constantemente da aprovação de outras pessoas e se condena por cada fracasso;
ii Grande Fracassado: que nega ser fracassado com a artimanha de contestar os padrões estabelecidos pela sociedade triunfalista, o que não lhe salva de ser um pária social;
iii Transfracassado: que sequer tenta atingir os êxitos estabelecidos nesses padrões da sociedade triunfalista, mas que ainda assim deseja atingir o êxito em outros padrões que você mesmo pode criar e, logo, fracassa também nessa criação;
iv sofrer de “Síndrome de Tubac Amaru”: você não é tão indeciso e puxado em tantas direções que não estabelece qualquer padrão, de modo que tem como destino ser despedaçado numa grande explosão de fracasso.
Em qualquer caso, a Academia do Fracasso te acolheria. Quem chegava ao CAC e esperava encontrar grandes obras de Arte, era convido a tomar Requeijão (que é o leite fracassado) ou deitar-se na Rede Restauradora de Sonho ou ainda vestir o Frac Asso. Caso você tivesse reais interesses em se formar como Fracassado Profissional, lhe seriam oferecidos o Licor de Frustrações, composto por Delírios de Grandeza, Concentrado de Ressentimento e Mal Agouro, ou o Rancor de Primeira. Mas, se depois disso, você ainda persistisse nas pretensões de êxito, deveria experimentar o Palco Triunfalista: um tablado sobre o qual se subia para acionar o som de aplausos e a reprodução de sua própria imagem em monitores de TV.
Há dias em que sinto reais necessidades de procurar a Academia do Fracasso. Não sei se conseguiria abolir toda ilusão do êxito e, talvez, essa incerteza seja um bom caminho. Mas, resta um desejo de livrar-se do Mal Triunfalista. Como simplificava Marta Minujín, “o êxito é como as bolhas do refrigerante”.
Notas
[1] Vídeo “The brain-changing benefits of exercise, Wendy Suzuki”
[3] Podcast “Expresso Café 045 – Cultura do Sucesso”
[4] “Academia del Fracaso“, Marta Minujín e Agustín Merello
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