
“Fico à espera…”, de Davide Cali. Ilustrações de Serge Bloch, Tradução de Marcos Siscar, 2007.
Resenha de Fabiana Pedroni
Quando descobri que a palavra texto se originava do ato de tecer (“textus“, em latim), quis tecer o mundo. Fio a fio, palavra a palavra, iria entrelaçá-las para criar uma trama, uma tessitura de ideias. Da etimologia da palavra ideia, pegaria sua aparência exterior (“idéa“) para brincar com aquilo que há para fora dela. Uma trama é roupagem, é cobrir, é aquecer, é fechar. Mas, uma trama é também abrir, expor os nós, as sobreposições, é envolver pontas distintas.
As moiras já sabiam do valor de uma linha. As três irmãs, na cultura grega antiga, teciam o destino, cuidavam do fio da vida de todos os indivíduos. Na lenda japonesa, a linha é vermelha, apesar de invisível. Ela não se entrelaça em trama para formar tecido, mas sai de nosso dedinho mindinho, se alonga, retrai, enrola.
O ponto de partida não é aleatório. Já se perguntou por que muitas promessas, para serem seladas, precisam do entrelaçar da ponta do seu dedinho com a do dedinho de outra pessoa? É dessa ponta que se traça um caminho direto com o coração, pela artéria ulnar. É esse caminho que traz, do coração, nossa alma para o mundo. Esse fio vermelho invisível nos conecta com outras pessoas de forma profunda, para a partilha de experiências e um estar-junto, mesmo quando distantes.
É dessa linha que nos acompanha e nos guia aos encontros, que o livro “Fico à espera…” nos fala. Escrito pelo suíço Davide Cali e ilustrado pelo francês Serge Bloch, o livro nos conecta à história de um menino que, durante a espera, vive o mundo. Ele espera crescer, se esforça, se puxa para crescer, e logo ele cresce.

Texto: “Fico à espera… de crescer”

Texto: “… do começo do filme”
E é na espera do filme, naquela longa fila alinhada, que seu rosto avermelhado, ao centro da página, encontra outro rosto, o único a olhar para trás. Ele fica à espera… de reencontrá-la. O encontro acontece.

Texto: “… de reencontrá-la.”
As linhas pretas do desenho e das palavras nos atiram para a linha vermelha. Na imagem da espera pelo reencontro, a moça carrega a linha vermelha em seu pescoço, e o rapaz, animado por avistá-la e ver seu desejo de espera realizado, segura a linha na mão. Seu pescoço fica sem linhas, sua cabeça flutua, sua felicidade flutua. Não direi, aqui, todos os cantos aos quais a linha os leva, mas digo o quanto a linha reflete, no livro, os sentimentos e as vontades. A linha se estica, flutua, enrola, cria camadas entre os modos como nos relacionamos com o outro e com o mundo.

Texto na página seguinte: “… de que o outro peça desculpas.”
A linha vermelha, que é novelo, que é destino, não fica presa ao livro. Ela é materialmente mais próxima de nós. Acompanhamos uma história, mas refletimos o quanto dessa história há em nós. Onde estão aqueles que esperamos, aqueles que perdemos, aqueles com quem compartilhamos um sorriso?
“Fico à espera…” é um livro para nos fazer acreditar no tempo, no poder da espera. Esperar não é se acomodar, não é deixar e esquecer. Este livro nos mostra que esperar é tecer, é escrever, é desejar intensamente até o momento do acontecer.
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Que lindo! Tudo tudo tudo! Parabéns
❤ !!!
Esse livro é muito lindo! A Fabiana tá estudando livros infantis e ilustrados no doutorado e eu fico bobo de como esses livros conseguem apresentar ideias super complexas de maneiras tão gostosas de se ler! (Rodrigo)