Texto de Rodrigo Hipólito
AGAMBEN, Giorgio. O que é o contemporâneo? E outros ensaios. Tradução Vinícius Nicastro Honesko. Chapecó, SC: Argos, 2009.
Esse livro de Agamben se tornou tão recorrente nas bibliografias de disciplinas de história da arte contemporânea que não seria exagero classificá-lo como “de base”, ao menos na última década. Tão comum quando sua presença é a redução do seu conteúdo ao ensaio que dá título ao livro. No entanto, há outros três ensaios que compõem o volume e eles não estão em conjunto por acaso. O diálogo que existe entre esses três ensaios não é, como talvez fosse esperado pela edição, de continuidade. Pouco importa de qual dos três ensaios se parta, contanto que não se desconsidere que a compreensão de cada um deles depende de pressupostos trabalhos nos demais.
Este é um alerta limitado, já que, de modo mais responsável, a discussão a respeito do que Agamben apresenta nesses textos está intimamente ligada aos modos de organizar o debate que ele constrói no arrastar de seus escritos. Isso significa que o livro é muito complexo? Tanto quanto qualquer texto ensaístico é. Essa complexidade, em todo o caso, pouco tem que ver com dificuldade de leitura. Em alguma medida, a simplicidade como as ideias são apresentadas pode ser, também, enganosa.
A seguir, estão organizadas algumas das principais ideias de cada ensaio que mais me prenderam.
O que é um dispositivo?
A palavra grega Oikonomia (disposição e gestão de um Deus tripartide) passa para o latim como dispositivo e espelha o dispositivo foucaultiano, que Agamben expande para “qualquer coisa que tenha de algum modo a capacidade de capturar, orientar, determinar, interpretar, modelar, controlar e assegurar os gestos, as condutas, as opiniões e os discursos dos seres viventes”. (p. 12) Assim, teríamos, de um lado, “seres viventes” e, do outro, “dispositivos” … E no corpo a corpo entre eles, o “sujeito” e as subjetividades. Estas, para Agamben, se tornariam “espectrais” com a proliferação dos dispositivos hodiernos. Aos sujeitos, cada vez mais “sujeitados” aos dispositivos, que promovem “desubjetivação”, restaria a “profanação” dos dispositivos rumo ao “desgoverno”.
O Amigo
Alguns trechos de “Ética a Nicômaco”, de Aristóteles, levam Agamben a pensar a ontologia da amizade como inevitavelmente política. A amizade pressuporia uma “de-subjetivação”, pois, além do “sentir-se existir” e do “sentir-se viver”, a relação de amizade exigiria um con-sentir a coexistência do amigo, consentir sua vida em com-dividir antes de dividir, isto é, antes de fundar uma sociedade.
“A amizade é a condivisão que precede toda a divisão, porque aquilo que há para repartir é o próprio fato de existir, a própria vida. E é essa partilha sem objeto, esse com-sentir originário, que constitui a política” (p. 92). Para Agamben, a “comunidade que vem” é uma comunidade fundada numa com-divisão, uma comunidade em que a política é a amizade. Mas, “o que vem” não aponta para o futuro e sim para o presente.
O que é contemporâneo?
O contemporâneo é aquele que está em luta contra o seu tempo, não aquele que o aceita e o vive passivamente. Ser contemporâneo é mais não aceitar seu tempo (sem ter qualquer desejo nostálgico), do que afirmar-se parte dele. Agamben recorre às “Considerações Intempestivas”, de Nietzsche, para aplicar ao contemporâneo a condição de contra seu tempo, “imprevisto e súbito”. O contemporâneo, assim, seria aquele que olha para o céu do seu tempo e consegue ver, para além das luzes, a escuridão que ali está e sabe que a luz presente nunca pode mesmo nos alcançar. Por isso, também, somente o contemporâneo pode questionar a origem, o passado, pois consegue neutralizar o brilho de tudo o que é hodierno e ver nitidamente suas trevas.
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