
Psalterium romanum, c.1200-1299. Manuscrito medieval com livro dos Salmos. Inicial B historiada e iluminada em ouro e cores. Na parte superior, Davi tocando arpa e na inferior duas figuras femininas que simbolizam a Igreja e a Sinagoga. BNE
Este texto é um fragmento da dissertação de Fabiana Pedroni:
PEDRONI, Fabiana. A orquestração do ornamento no Beatus de Facundus. 2016. Dissertação (Mestrado em História Social) – Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas, Universidade de São Paulo, São Paulo, 2016, p. 26-34.
As camadas da imagem ou por que livros precisam de sobrenomes
Há algumas décadas, bem sabem aqueles que, por sorte, têm longa vida, fazer levantamento bibliográfico era como preparar-se para ir ao campo de batalha. Antes de fazer as malas e ir ao encontro do precioso acervo, não poderia faltar em sua caixa de ferramentas um bom catálogo de títulos, um telefone e uma gentil bibliotecária que pudesse lhe confirmar a existência e disponibilidade do livro para consulta. O deslocamento era, muitas vezes, necessário, já que poucas bibliotecas no país poderiam ter algum título tão específico quanto o que se procura para o desenvolvimento satisfatório de uma pesquisa. Os mais bem relacionados e ricos de berço poderiam encomendar uma obra através de amigos europeus ou norte-americanos ou mesmo ir às compras no exterior.[1] Caso contrário, não precisamos dizer do tamanho desapontamento quando o livro não correspondia à procura, ou mesmo quando a procura era interrompida pela notícia de que um único exemplar existia na Biblioteca Nacional, mas que ele “se perdeu”.
Quando o encontro era bem sucedido, não se podia perder tempo. Sem a possibilidade de um empréstimo, era preciso por em prática a habilidade de ler/escrever, sem que uma tarefa se dissociasse da outra. Nem sempre o tempo durava tanto quanto se desejava. Era preciso a habilidade de um copista ou falsário e a pressa de um coelho. De volta para sua mesa, o pesquisador faria bom uso de todas as suas anotações e daquilo que não foi possível registrar, mas ainda estava fresco na memória.
Algumas dessas aflições não estão tão distantes daquelas que atormentaram esta pesquisa. Provavelmente a maior mudança esteja nas ferramentas. Não abandonamos o papel, nem a escrita, mas somamos outros recursos tecnológicos como o computador, o celular e uma câmera digital. Por vezes, abraçamos apenas um computador e sua conexão wi-fi.[2] O deslocamento muda de plano e, sem sair de nossa mesa, podemos consultar acervos que antes eram inacessíveis.[3] Está justamente nesse ponto a maior fonte de conflito entre gratificação e frustração. O êxito de encontrar parte do acervo só aumenta a decepção quando a outra parte lhe falta, ou quando ela está disponível, mas em uma qualidade inferior ao que era necessário para o objetivo final.
“É preciso fazer escolhas. Excluir conteúdo não pode ser uma amputação”. Um conselho que aparenta ser simples, mas que mudou completamente o rumo desta pesquisa. Fazer cortes cirúrgicos sem prejudicar a funcionalidade geral do corpo, cortes necessários para que a atenção não se dispersasse e o acervo montado fosse completamente explorado.
Falar das amputações e de tempo perdido em estratégias mal sucedidas pode ser um ganho para aqueles que iniciam uma pesquisa e compartilham dos mesmos temores. Obviamente não vamos nos estender, aqui, sobre todas as vias sem saída que tomamos, faremos isso ao longo de todo o trabalho. Antes é preciso sublinhar a importância de se conhecer o objeto que se estuda.
Um agricultor não planta tomates da mesma forma que batatas, nem espera que a modificação de ferramentas e métodos faça nascerem batatas em tomateiros. Assim, antes de pensarmos na colheita, devemos dar a conhecer nosso objeto pesquisa. Partimos daquele que, aparentemente, é o ponto central deste estudo: um manuscrito medieval. Uma parte do cultivo já foi iniciada. Escolhemos a semente e o que esperamos que nasça. Mas como escolher as ferramentas necessárias para o cultivo se não nos familiarizamos com as questões que implicam o nascimento de um manuscrito?
Entre frutos e sementes, um manuscrito medieval
Se quisermos cultivar um tomateiro, é preciso determinar o tomate. Ele só será reconhecível quando suas partes exercerem suas devidas funções. Num sentindo muito próximo, um objeto só se torna um manuscrito medieval quando suas partes são determinadas pelo todo. Não basta ser escrito à mão, pois seria apenas um manuscrito. Ele precisa ser localizado em um lugar muito específico, em que toda sua materialidade se relacione e dialogue com o fruto final.
Vamos abrir o livro, assim como um botânico explora um fruto, para identificar cada elemento constituinte e compreender como cada parte desse todo é importante para sua existência.[4]
Por associação, quando dizemos “manuscrito” é comum pensarmos em “folhas” e “pergaminho”. Mas, nem sempre um manuscrito medieval foi confeccionado por folhas de pergaminho. Até o final da Antiguidade, o material mais utilizado como suporte de escrita era o papiro. Seu nome vem da planta da qual origina sua produção, a Cyperus papyrus, abundante nas margens do Nilo, no Egito.[5] O uso do papiro foi substituído progressivamente pelo pergaminho a partir do século II a. C., com destaque para a produção da cidade de Pérgamo (na atual Turquia). O pergaminho, feito da pele de animais, principalmente de cabras e ovelhas, tornou-se prevalente após o século IV. Essa substituição não pode ser entendida desconexa da prevalência do uso do códice em relação ao rolo, também a partir do século IV.
O rolo, ou volume, do latim volumen (derivado do verbo volvere, enrolar), era constituído por pequenos quadrantes de papiro, predominantemente, ou de pergaminho, coladas ou costuradas umas as outras para formar uma longa tira. (Figura 1). A cada uma das partes do papiro que são unidas dá-se o nome de folha, e no caso do pergaminho, de pele (ponto A na Figura 1). Essa longa tira era enrolada sobre si mesma, com o auxílio de duas hastes, de madeira ou marfim, em cada ponta (F e G).

Figura 1. Volumen em papiro.
Folha ou Pele (A); Face invertida (B); Fibras perpendiculares ao sentido da escrita (C); Fibras paralelas ao sentido da escrita (D); Junção entre duas folhas (E); Hastes fixadas às folhas (F, G). Fonte: http://vocabulaire.irht.cnrs.fr/
Apesar da resistência das fibras do papiro, a estrutura membranosa das folhas só lhe permitia a escrita em um dos lados, em que a escrita se disporia de modo paralelo às fibras horizontais (D). Para que a parte externa do rolo apresentasse o título era preciso inverter a primeira folha contra o sentido das folhas restantes, de modo que as fibras horizontais permanecessem na parte externa (B). O texto escrito no papiro era dividido em colunas, páginas dispostas tanto de modo paralelo ao eixo de enrolamento (desenvolvimento horizontal), quanto perpendicular (desenvolvimento vertical). Para manter a dinâmica do objeto, era preciso desenrolar com uma das mãos e enrolar com a outra, encadeando páginas e leitura subsequente.[6]
A limitação de escrita no papiro em apenas uma de suas faces e a dificuldade de manuseio e transporte dos rolos foram os motivos mais diretos para que o conjunto pergaminho-códice se tornasse uma escolha mais econômica e vantajosa. Além de o pergaminho possibilitar maior espaço útil de escrita, o formato em códice (codex)[7], o livro, na sua forma atual, permitia uma leitura sem a obrigação de ser contínua. Com o códice, tornou-se possível circular livremente entre as seções, comparar passagens, enfim, folhear. Tente recortar todas as folhas do seu livro preferido e colá-las em formato de rolo para sentir o peso da obrigação de leitura contínua e a importância dessa mudança. Nem pense em sentar no banco da varanda em uma tarde de domingo com uma xícara de chá e seu livro de contos. Seria um desastre não poder optar pelo acaso do conto a ser lido e ter a certeza de que seria impossível ler apenas uma das faces sem perder partes da história.
Se no livro das tardes de domingo a numeração é por páginas, no manuscrito medieval é por folhas, chamadas de fólios, numeradas em frente e verso. Isto é, se a primeira página de um livro for 1 (p. 1) e a segunda 2 (p. 2), em comparativo teríamos fólio 1 frente, ou reto (f. 1) e fólio 1 verso (f. 1v).[8]
Para formar os fólios, o pergaminho pode ser dobrado ao meio ou cortado e montado posteriormente para originar o bifólio, a unidade básica do manuscrito e que compõe grande parte de nossos livros atuais (Figura 2). A peça de pergaminho também pode ser dobrada em quatro partes (in quarto) ou em oito (in octavo), a depender do formato desejado e do tamanho inicial do pergaminho.[9]

Figura 2. Bifólios.
Face anterior do fólio, a que aparece primeiro no sentido de leitura do texto (A, C); Face posterior do fólio (B, D); Cada uma das metades de um bifólio (E, F); Abertura ou Conjunto que consiste na parte de trás de uma folha e a frente da próxima (G). Fonte: http://vocabulaire.irht.cnrs.fr/
Depois que a pele é transformada em pergaminho e em seguida em fólios, é preciso prepará-la para receber a escrita, ou a imagem. Inicia-se o processo de picotagem em que uma série de furos (piques), feitos com variados tipos de instrumentos pontiagudos, organiza linhas mais ou menos visíveis. Quando traçadas, essas linhas resultam em uma espécie de folha pautada. O mais comum são piques próximos à margem, que seriam aparados na encadernação.[10] O pique que ordena as linhas pode ser produzido por contato direto entre o fólio e a ferramenta ou por contato indireto (Figura 3).

Figura 3. Processo de Picotagem.
Pique por contato direto (A, C); Pique por impressão (B, D). Fonte: http://vocabulaire.irht.cnrs.fr/
Estas operações prévias têm a finalidade de auxiliar o escriba – e o copista – em sua produção. Além de traçar as linhas é preciso fazer a justificação que delimita o espaço destinado à escrita.[11] Delimitado este espaço, começa o trabalho de escrita nos scriptoria (scriptorium, no singular), termo que significa “que serve para escrever”,[12] locais onde, em geral, até o século XIII, eram confeccionados os manuscritos no interior de mosteiros. Depois os copistas particulares se dedicaram cada vez mais a escrita para os laicos em outros locais como em oficinas régias (scriptoria regia).[13]
Em um scriptorium existia, normalmente, uma divisão de trabalho entre os monges. Alguns preparavam o manuscrito para a escrita, alisavam a pele para aperfeiçoar a superfície e faziam a picotagem, enquanto outros pautavam o pergaminho e copiavam o texto. O papel de escrita do texto era deixado aos escribas (scriba), ou copistas, quando se trata especificamente de uma cópia. Essa separação é, muitas vezes, sutil, visto que muitas obras eram compilações de passagens de outras obras, ou seja, não era uma cópia em sentido estrito. Havia também aqueles que iluminavam o manuscrito, o iluminador ou miniaturista. A diferença entre o uso de um termo ou outro também é tênue. O iluminador é aquele que “coloca luz” no manuscrito (illuminare), diz mais da técnica que o termo miniaturista, que tem na sua origem a própria matéria da imagem – miniare significa “pintar com minium” (vermelho). Todas essas funções, às vezes, podiam ser exercias por um único monge.[14]
Apesar de tentarmos especificar as funções para produção de um manuscrito, não é possível criar um modelo de produção dos scriptoria. Cada scriptorium possuía suas tradições individuais e sofria com a circulação de materiais entre as bibliotecas dos monastérios e da própria circulação de mão de obra. Muitos escribas e miniaturistas faziam um trabalho de “itinerância”. De todo modo, algumas particularidades são úteis, por exemplo, na identificação de procedência e de datação dos manuscritos e para observar as circulações das obras em determinados espaços que serviam de base para os escribas ou como objetos a serem copiados integralmente. Vale dizer que o ato de transcrição era também um ato de meditação, de oração e não simplesmente de realização de uma cópia “formal” do objeto.[15]
No processo de trabalho do escriba – e do copista – era feito mais que a escrita de palavras. Caso o manuscrito fosse iluminado, era papel do escriba e copista a delimitação do espaço da imagem. Além de deixar o espaço “em branco”, poderia fazer indicações verbais das cores para partes da imagem. Esse entendimento sobre a construção da imagem e do texto deve muito aos manuscritos não finalizados, em que se podem observar partes do processo.[16]
Depois de finalizada a escrita e a iluminação, o manuscrito é encadernado. A organização dos fólios segue a união em estruturas chamadas de cadernos. Podemos observar essa formação em muitos dos nossos livros atuais. O nome “caderno” vem da estrutura mais comum em manuscritos medievais, o Quaternion (formado por 4 bifólios, 8 ff. ou 16 p.). Um mesmo manuscrito pode conter outros cadernos formados por apenas um bifólio independente (singulion), dois bifólios (Binion), três bifólios (Ternion), quatro (Quaternion), cinco (Quinion), seis (Septénion), oito bifólios (Octonion) ou ter uma estrutura de cadernos irregulares. Depois de formados, os cadernos são unidos para então formar o códice.
Seja por dobra sucessiva ou corte e montagem de bifólios, convém à ordenação dos cadernos que as faces dos pergaminhos coincidam (Regra de Gregory).[17] Cada fólio, por originar-se da pele de animal, terá uma face de pelo e outra de carne. A coincidência entre as páginas colocadas frente a frente serve para preservar colorações e qualidades semelhantes quando o códice encontra-se aberto, visto que a absorção da tinta dá-se de modo diferente entre as faces. Se observarmos a figura 2 e supusermos que o bifólio é construído por dobra, a Regra de Gregory é inevitável: as faces de letra B e C seriam de mesma face (face carne com face carne ou face pelo com face pelo). A observação atenta a esta regra pode indicar a ausência de fólios quando as faces não coincidem. No caso de bifólio feito por montagem, as faces poderiam coincidir, mas não seria uma certeza.
Montados os cadernos, eles seriam costurados e unidos a uma capa no processo de encadernação. A capa, assim como um ou dois fólios deixados em branco no início do manuscrito, é importante para a proteção do livro, como nossa capa atual. Também serviam como um indício sobre o valor econômico investido no objeto, a importância dele no seio de sua cultura de origem, e em contextos posteriores, no caso de substituição da capa, de subtração ou aderência de novos materiais. A materialidade do manuscrito é um corpo de denúncia. Cada subtração ou acréscimo, cada alteração pode declarar, àqueles que se prestam a ouvir, um pouco sobre o caminho percorrido pelo manuscrito até tornar-se um objeto de estudo. Em nossa prateleira podemos observar a ação do tempo sobre nossos livros. Sofremos com as páginas que amarelam ou enrugam no excesso de umidade de uma maresia insistente. Imaginem quantas ações um livro com séculos de idade pode denunciar. Em seu corpo encontramos marcas de eventos naturais, no desgaste da matéria que sofre com o envelhecimento, e agressões à sua ordem inicial. Uma imagem que pode ter fascinado uma geração, uma sociedade em específico, pode sofrer uma subtração local para tornar-se um presente, um objeto comercializável ou receber outro tipo de função que não a de compor o manuscrito original. Essas convivência e evidência de diferentes estratos de tempo em um mesmo objeto podem ser percebidas com maior claridade na arquitetura de igrejas medievais. Pensemos em quantos estilos diferentes existem em uma igreja considerada românica pela História da Arte. Sua fachada pode conter alterações próprias do estilo gótico e seu interior ser ornamentado por objetos do século XIX, e ainda encontrarmos imagens e ritos próprios do século XXI. Os manuscritos medievais também estão sujeitos ao tempo e a interferência humana. Cada fragmento de seu corpo pode apontar parte da sua história. Observá-lo em sua profundidade como imagem-objeto é respeitar suas especificidades e dar o primeiro passo para um entendimento basilar de que os materiais e a sua história (narrativa e espiritual) seguem o corpo e os ritos envolvidos nesse diálogo da matéria e do poder da imagem medieval.
Notas:
[1] Se aqui o leitor estranha o uso de expressões como “rico de berço”, bem como a naturalidade com que se diz que a bibliotecária é necessariamente do sexo feminino, compartilhamos do questionamento da suposta inocência das palavras e caminhamos para muitas mudanças que não devemos ter medo de evidenciar.
[2] Tanto não abandonamos o papel que a maioria dos suportes atuais de escrita espelha-se na folha de papel, como a folha de A4 virtual na qual escrevo esta nota de rodapé. Se nos atentássemos mais para as associações de origem e semelhança, muito da visão apocalíptica de Fim do Livro seria deixada de lado.
[3] Tanto é assim, que muitos acervos de bibliotecas e museus estão em processo de digitalização e visualização online. Manuscrito, computador, celular, aplicativos… Impossível não ver importantes conexões entre essas ferramentas. Com vistas aos benefícios de diálogos tecnologicamente mais extensos, professores e alunos da Oficina de Didática Visual da Haute École des Arts du Rhin desenvolveram o aplicativo gratuito chamado “Du rouleau au codex“. Através da interatividade e ludicidade, o aplicativo aborda a escrita e leitura no rolo e no códice. Além disso, a ferramenta traz ao público em geral obras antes inacessíveis dos acervos da Biblioteca Nacional e Universitária de Strasbourg (BNU) e da Biblioteca Medicea Laurenziana de Florença. Para maiores informações e baixar o aplicativo: <http://didactiquetangible.hear.fr/recherche-appliquee/app-du-rouleau-au-codex/>. Acesso em: 04 dez. 2015.
[4] Não nos estenderemos tanto quanto gostaríamos sobre a constituição material e feitura de um manuscrito medieval por compreendermos as limitações práticas de um trabalho dissertativo. Apesar de breve, essa introdução ao manuscrito se insere em nossa preocupação com a carência de bibliografia sobre o assunto em português.
[5] Apesar de não nos aprofundarmos sobre o processo de feitura do papiro, sublinhamos a importância do texto “Historia naturalis“, XIII, p. 71-82, de Plínio, sobre o assunto. Disponível em: <http://digilander.libero.it/Hard_Rain/Plinio.htm>. Acesso em: 13 nov. 2015.
[6] Para maiores detalhes, conferir XV CONGRÈS DE PAPYROLOGIE (Papyrologica Bruxellensia 16), 1978, vol. I, Actes… Bruxelas: Fondation Egyptologique Reine Elisabeth, 1978, sobretudo o artigo TURNER, Eric G. The Terms Recto and Verso. The Anatomy of the Papyrus Roll. Actes XVe congrès international de papyrologie, première partie, L’antiquité classique, Tome 49, 1980, Bruxelles: Fondation Egyptologique Reine Elisabeth, p. 471-472.
[7] A palavra codex, que dá origem ao termo códice, significa “bloco de madeira”. A palavra já era usada para se referir a outro tipo de suporte de escrita, as tabuinhas de madeira enceradas. Essas tabuinhas geralmente eram unidas por cordões ou outras espécies de dobradiças e possuíam um funcionamento parecido com o do códice, mas seu preço e valor eram considerados inferiores em comparação ao códice de pergaminho. A cera permitia que as tabuinhas fossem reaproveitadas com facilidade e utilizadas para o aprendizado e usos ordinários. No evangelho de Lucas encontramos uma citação às tabuinhas quando perguntam a Zacarias que nome ele pretendia dar ao seu filho recém-nascido. Zacarias “pediu uma tabuinha para escrever e escreveu: ‘João é o nome dele’” (Lc 1, 63). Além do papiro, do pergaminho e da tabuinha destacamos o uso do papel desde o século II na China, e outros suportes como pedra, madeira, bronze, cerâmica, muros que também eram utilizados como suporte.
[8] O pergaminho era feito da pele de animais por um processo que envolvia basicamente a limpeza do couro, a retirada dos pelos, o branqueamento em misturas químicas e a secagem em temperatura ambiente sob tensão. As fibras dilatavam e tornavam-se mais elásticas. Cada uma dessas etapas, desde a escolha do animal, é repleta de detalhes e fatores que alteram a forma do produto final, como a alimentação e idade do animal. FOURNIER, Sylvie. Brève histoire du parchemin et de l’enluminure. Paris: Éditions Fragile, 1995.
[9] Sobre as possíveis dobras do pergaminho bem como o significado de outras partes constitutivas de um manuscrito, conferir o vocabulário codicológico de Denis Muzerelle, disponível integralmente em versão hipertextual online desde 2002, com o patrocínio do Comitê Internacional de Paleografia Latina. MUZERELLE, Denis. Vocabulaire codicologique: répertoire méthodique des termes français relatifs aux manuscrits. Paris: Editions CEMI, 1985. Disponível em: <http://vocabulaire.irht.cnrs.fr/ >. Acesso em: 07 nov. 2015.
[10] RUIZ GARCÍA, Elisa. Manual de codicología. Salamanca: Fundación Germán Sánchez Ruipérez, Madrid: Pirámide, 1988, p. 133.
[11] Maiores detalhes sobre a ordenação estrutural da página serão abordados no terceiro item deste capítulo, como parte da análise do Beatus de Facundus.
[12] A palavra em latim medieval Scriptorium é composta pela raiz script-, scribere (escrever) somada a terminação -orium, do neutro singular para adjetivos que indicam espaço. Apesar de designar um espaço, o termo é utilizado como local para a produção da escrita e não necessariamente um espaço físico, um “ateliê” específico e necessariamente separado da cela de um monge. Disponível em: <http://vocabulaire.irht.cnrs.fr/pages/vocab2.htm>. Acesso em: 04 dez. 2015.
[13] DE HAMEL, Christopher. Scribes and Illuminators. Toronto: University of Toronto Press, 1992.
[14] SHAILOR, Barbara A. The Medieval Book. Toronto: University of Toronto Press, 1991, p. 68.
[15] Sobre os processos de meditação e exercícios de memória relacionados ao ambiente monástico medieval; conferir CARRUTHERS, Mary. A técnica do pensamento: meditação, retórica e a construção de imagens (400-1200). Campinas, SP: Editora da Unicamp, 2011.
[16] Só é possível dizer que a imagem não foi finalizada em comparação com todo o manuscrito e na observação do funcionamento da imagem. A presença de traços sem preenchimento de cor ou da aplicação de cor somente em algumas partes da imagem não significa necessariamente que o trabalho do miniaturista ficou incompleto. Pode ser um recurso da própria narrativa da imagem, confundida com o inacabado quando essa imagem não é vista em série.
[17] A Regra de Gregory ou Lei de Gregory é assim nomeada em referência ao erudito alemão Caspar René Gregory, o primeiro a fazer as observações técnicas que constituem o princípio, em finais do século XIX. GÉHIN, Paul (org.). Lire le manuscrit médiéval: observer et décrire. Paris: Armand Colin, 2005, p. 66-70.
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