[transcrição] Como não lidar com o conservadorismo na arte

Fotografia antiga. Não Pod Chorar. Transcrição.

Imagem de capa. Fotografia antiga de criança dormindo à mesa, com uma colher na mão e um prato de sopa à frente.

Este texto é a transcrição do podcast Não Pod Chorar 03

Texto de Rodrigo Hipólito

Reclamar é gostoso, reclamar é divertido. Então vamos ver se dá pra manter o bom humor enquanto a gente constata que a ascensão conservadora tem tomado todos os ambientes dessa já tão decepcionante sociedade capitalista judaico-cristã ocidental. Mesmo onde não parece possível a guinada do retrocesso, o ser humano te surpreende. Como dizia meu grande amigo, Lellison Funes, el Memorioso: “para estupidez, maldade e sacanagem, o ser humano não tem limites”.

Se você acha que a galera das artes é toda livre, cabeça aberta, praticante do deboísmo revolucionário, ledo engano, querides! Em mais ou menos quinze aninhos de atuação na área, cada passo que eu dei foi um prego enferrujado diferente. É tanta tristeza, lágrima, sofrimento e animal raivoso, que eu vou precisar dividir essa fala em três momentos, pra não me perder, começar a gritar e sair pelado pra invadir qualquer galeria que ainda vende pintura bonitinha em louvor as paisagens da grande nação brasileira! Vamos evitar isso, afinal, pode ter alguma criança no local e como todos sabem, crianças não podem ver ou tocar em corpos nus, do contrário elas podem descobrir que também nasceram peladas! Já imaginou que maluquice se a gente descobrisse, assim, como mágica, que o corpo não serve só pra fazer sexo e vender força de trabalho pro capital! Não pode não pode não pode!

Como eu já comecei a me desviar, vou tentar organizar isso. Vamos começar pela Academia, depois passamos pra Produção Poética e aí pensamos a Exposição. Academia, Produção Poética, Exposição. Já tô prevendo que isso vai ficar tudo misturado.

No caso da Academia de Artes, eu tenho uma experiência dividida em pelo menos dois momentos: como aluno e como professor. Como aluno, eu também estava totalmente perdido no primeiro semestre da graduação e minhas expectativas foram grandemente frustradas. Uma amiga minha dizia que entrou Centro de Artes esperando encontrar as pessoas vestindo batas longas e jogando tinta na tela ao som de Led Zeppelin. Não! Estava mais para um evento com dois ambientes, uma interminável micareta com cover de The Doors de um lado e um tedioso chá da tarde com Chico Buarque do outro. 

Pra não ser muito injusto, eu vou incluir um terceiro ambiente. Os estudantes pareciam muito bem divididos entre o grupo dos maconheiros, o grupo das pessoas de bem e muito estudiosas e o grupo dos futuros pesquisadores de carreira. Cada um dos grupos enxergava os outros como crianças estúpidas que nada entendiam da vida. Como eu digo isso com tanta tranquilidade? Porque eu passei pelos três grupos e além de ouvir os comentários eu mesmo me vi proferindo esse tipo de estupidez aqui e ali. Agora, se eu acho que isso era simplesmente culpa dos alunos, definitivamente não. A galera estudiosa chamar o pessoal da experimentação de maconheiro vagabundo, os futuros pesquisadores chamarem todo resto de peso morto, o pessoal da experimentação chamar os estudiosos de puxa-saco e professor era o que menos incomodava. A postura do corpo docente é que foi meio chocante.

Uma boa parte dos professores com os quais eu tive aula se comportava como grandes mestres de uma cultura perdida, que deveriam ser reverenciados e obedecidos pelos pupilos inocentes e ignorantes. Havia sempre um discurso em prol da transgressão, da desconstrução, da crítica e do contraponto, contanto que os mestres não fossem questionados. O tipo de dedicação que era pedido aos estudantes me fazia sentir num internato religioso e muitas vezes a ideia de um internato para total dedicação e controle era verbalmente defendida. Mas, a maioria talvez nem notasse ou note que se comporta assim. 

Isso só se tornava mais patético quando tocava na produção dos professores. Alguns nomes estudaram junto de artistas da “Geração 80” carioca que se tornaram famosos e, entre aspas, muito bem-sucedidos. Já quem me dava aula, não havia ficado famoso, nem rico ou talvez não tão bem-sucedido. Embora isso não impedisse que houvesse a exigência para que suas palavras fossem sorvidas como se aquele fosse um momento único e inestimável. O problema é que essas palavras, quase sempre, se resumiam a: isso aqui está bom assim, disso aqui eu não gosto, isso aqui está mal feito, ah! Eu quero ver um pouco mais disso…

Na medida em que você conhece outros artistas, professores e professoras, na medida em que você aumenta seu vocabulário teórico e começa a vivenciar a área mais amplamente, é quase inevitável que você aceite a possibilidade de que aquela postura e aquelas aulas significassem que tal pessoa não tinha tanto conteúdo, ou talento e muito menos didática. Essas lembranças se tornam algo tão constrangedor! 

Em uma disciplina de multimeios, pra citar um cao, o professor decidiu não dar nenhum exemplo de trabalhos ou artistas, com a ideia de que nós seríamos muito influenciados. Quatro meses depois, com a turma ainda a surfar na maionese e cansada de conversar sobre o mesmo texto tradicional e meio ultrapassado, nós apresentamos os trabalhos finais e entregamos os memoriais descritivos. Nessas apresentações duas alunas foram publicamente humilhadas sem que houvesse qualquer argumentação consistente para que os trabalhos fossem classificados como péssimos, principalmente a despeito do triste desempenho do professor. Ao final das apresentações, foi pedido que realizássemos uma autoavaliação. Como eu não havia faltado, fiz todos os exercícios e produzi um trabalho que eu e outros alunos consideramos interessante, assinalei uma nota 10 para o meu nome, já com a expectativa de que o resultado final fosse menor. O que eu não esperava era a justificativa que viria logo abaixo da nota 9,0, e dizia: “Eu também dou nota em humildade!” Quando eu li isso, não tive disposição para ficar nem mesmo irritado, eu só pude rir e compartilhar essa emoção com quem estava do lado. Nota para a humildade! Nenhuma análise, nenhuma justificativa, nenhum argumento.

Esse tipo de postura dentro das disciplinas de poéticas, isto é, as disciplinas mais práticas, tinha consequências um pouco pesadas para os alunos. Ainda que não houvesse qualquer argumentação ou justificativa para que os trabalhos de alguns alunos fossem considerados bons e outros ruins. Logo ficou nítido que os professores elogiavam e indicavam para exposição os alunos que não os contradiziam ou discutiam em sala. Se tornava nítido e infinitamente mais incômodo quando esses elogios e indicações vinham de professores que, aparentemente, só consideravam possível que pessoas com certas características realizassem trabalhos dignos de nota, a saber, mulheres jovens e dentro do padrão de beleza, ou, como cheguei a ouvir em comentários depois, “as ninfetinhas”. Isso era muito mais cruel, também, pelo fato de que, muitas vezes, os trabalhos dessas meninas eram muito interessantes, mas, os semestres viravam e, sem uma orientação honesta, os processos minguavam.

Nos primeiros semestres do curso, as disciplinas de prática e as de teoria não pareciam bater. Enquanto nas poéticas lhe era requisitado a desconstrução, nas teóricas você precisava assimilar a leitura da imagem medieval. Do modo como isso caminhava, a maior carga de leitura em teoria só se encontrava com o desenvolvimento do trabalho prático das turmas quando estas chegavam ao estudo das vanguardas europeias, em História da Arte. Nada surpreendente, então, que boa parte do público discente sentisse um forte carinho e algum conforto nesse momento. Eles compreendiam pintura moderna, aceitavam bem abstração e figuração, mas já haviam criado tanta resistência às propostas de arte contemporânea que eram quase impermeáveis a essas informações quando, enfim, chegavam a estudar um pouco desse cenário. Não que fosse assim com todos e não que não houvesse o esforço de alguns professores de poéticas para introduzir certos debates. Só que, muitas vezes, o entendimento das exposições, dos textos e dos processos carecia de um contexto mais amplo e complexo, que costuma ter mais espaço nas disciplinas teóricas. Essa separação prejudicava quase todo mundo. 

O que isso tem que ver com o conservadorismo nos cursos de arte? Eu só fui perceber mesmo quando já estava no papel de professor.

Em quase todas as turmas ainda era possível identificar os três grupos de alunos que eu citei antes. Alguns, mais voltados para a experimentação, se identificavam com propostas contemporâneas e tinham como referência, em seu aprendizado, mais as conversas com colegas fora de sala do que a fala dos professores, até mesmo porque raramente eu via esses alunos chegarem e saírem no horário das aulas. Já os alunos estudiosos, demonstravam um grande apreço por técnicas mais tradicionais, como pintura e gravura e quase sempre reproduziam o processo dos professores do departamento de poéticas. Os pesquisadores, por outro lado, pareciam compreender muito bem do que se tratavam os contextos da arte contemporânea, nas não se davam tão bem com o grupo dos drogados vagabundos, logo, preferiam defender também uma visão mais tradicional das artes. 

Isso fazia com que fosse comum o discurso contra a pixação, o grafite, a performance, a nudez masculina, a apropriação, as vertentes conceituais, arte pública, etc. E tudo parecia bem, pois não havia tanto choque. Tudo não passava das opiniões atravessadas e das fofocas entre alunos e professores. Ao menos até a chegada de turmas muito mais mistas. 

Nos últimos anos os cursos começaram a receber mais grafiteiros, pixadores, dançarinos. A cultura de gueto começou a se tornar marcada. Os discursos feministas ganharam espaço e peso. As turmas passaram a entrar em choque com os professores mais tradicionais e também com outros alunos e alunas. Nesse momento, aquele discurso que parecia apenas tradicionalista, começou a mostrar sua verdadeira face e se tornar um discurso de limpeza, um discurso do que era o certo, o honesto e o bom contra o que era o errado, o criminoso e o sujo.. A pixação aparece como sujeira, a música do gueto como barulho, a postura combativa feminista, dos movimentos negro e LGBT aparece como bagunça. Os nomes de professores machistas, racistas, homofóbicos, lesbofóbicos, transfóbicos, começam a aparecer pixados nos banheiros e nos muros. 

Quando eu penso na Universidade Federal do Espírito Santo como um todo, nos último oito ou nove anos, me vem de memória somente um caso de exoneração, mas até que algumas aposentadorias aconteceram nesse período.. 

Óbvio que o golpe de 2016 deixou os ares ainda mais pesados. Depois as máscaras caem, o Comensal da Morte esquece por um tempo como é covarde. Ele vê a Marca da Morte no céu e acredita, por algum tempo, que seu Mestre voltou ao poder. Nas reuniões, alguns professores chamam alunos de “meliantes perigosos”, nas salas e na internet, eles disseminam o ódio a tudo o que identificam como anti-cristão, como “muçulmanos pagãos”, defendem o regime militar e a supremacia branca. Eu disse só os professores? Então coloca os alunos na conta também. E pareceu ser só na graduação? Então inclui mestrados e doutorados. 

Essa galera apareceu do nada? Não. Provavelmente sempre estiveram ali, encobertos por um amor a beleza neoclássica, a música erudita, aos grandes mestres, as categorias tradicionais, a ordem, a homogeneidade, a defesa dos ideais e do poder do homem branco. Alguns anos atrás talvez eu pedisse desculpas por essa generalização, mas, hoje, me parece que esse possível exagero funciona muito bem como alerta. Você pode começar defendendo a beleza neoclássica como “a verdadeira arte” e terminar numa passeata pela supremacia branca. 

Se soa exagerado, é porque eu nem sei se deixei muito tempo da fala pra lidar com os problemas do processo de criação e das exposições.

Já faz um tempo que eu perdi a paciência pra ir à maioria dos bate-papos de artista. Tem sim as exceções, mas a ideia aqui é reclamar. Não tem mais saco pra ouvir falas herméticas sobre um universo idílico de ateliê, no qual os grandes problemas são a experimentação de materiais e a redescoberta da percepção. A galera parou em Lygia Clark e não sai mais. Pior que isso, parou numa parte do que eram as experiências pós-neoconcretas e não consegue conectar a liberação sensorial com os problemas do quotidiano e muito menos usar disso pra questionar e propor novas saídas dos modos de vida colonizadores, repletos de mecanismos de controle maquiados de distração inofensiva. Se você tenta puxar alguns fios do trabalho pra tudo o que está fora dele, o artista se volta de novo pra sua concha sagrada, numa atitude possessiva bizarra que repete sempre as máximas do Meu trabalho, do Meu processo, e ele fotografa pra mostrar fotografia e pinta pra mostrar pintura, como num eterno velório da arte. 

O que isso tem que ver com conservadorismo? Pode parecer impensável agora, mas em toda a minha graduação não houve uma só disciplina de Arte e Política. E quando essa possibilidade aparecia, era sempre relativa a algo que não existe mais, a algo somente possível num passado muito distante, que na realidade foi há três ou quatro décadas. Se fosse pra discutir arte e quotidiano, era pra falar de uma problemática dos primórdios da arte contemporânea, num tom, com textos e trabalhos que nos levavam a pensar que nada foi dito sobre isso desde o começo dos anos 1980. Não é de estranhar, então, que, ao visitar o ateliê dos artistas conhecidos da região, todas as peças, os objetos produzidos diretamente para agradar um mercado, fossem amenos, insossos e autorreferenciais. 

Quando eu falo assim, faz parecer que se trataria só dos artistas já estabelecidos. Mas, não. Minha maior irritação, na época em que eu mais expunha e mais trabalhava em coletivos voltados para a produção poética, era que esse formalismo e esse reducionismo, que deixava pros artistas o único objetivo de fabricar objetos que representassem sua própria assinatura, se notava mais forte na produção de jovens em ascensão. Eram tantos exemplos desagradáveis que me rendeu meu primeiro artigo publicado em periódico, que vou deixar na descrição.  Pra não tomar tempo demais com exemplos, naquele texto, que teve como título “Tempo Contemporâneo: o distanciamento do presente através das lentes do passado”, eu comento alguns casos e separo um diálogo que ficou na minha cabeça. A conversa aconteceu durante uma reunião pra uma exposição coletiva:

A curadora diz: Bom, como o espaço não impôs restrições nesse sentido, não creio que exista problema nas obras serem comercializadas.

No que um artista responde: Eu discordo. Porque isso faz a obra perder seu significado. Eu não fiz essa obra para ser vendida.

Então, diz a curadora, nesse caso, você não é obrigado a pôr sua obra a venda.

Mas, responde o artista, isso desvaloriza a exposição e com obras dos outros a venda, a minha vai perder o significado junto com as outras.

A curadora tenta de novo: Bom, não creio que o fato de uma obra ser comercializada retire sua importância ou seu conceito ou seu significado. Caso você tenha construído a obra dentro de uma proposta em que a sua não comercialização seja fundamental para que Ela se sustente, que assim seja. Embora, inicialmente, isso não impeça os demais expositores de colocarem suas produções à disposição de possíveis compradores.

Mas, encerra o artista, nesse caso, eu sugiro que seja aberto, junto a exposição, um bazar para que os expositores possam vender a produção que já está em seu atelier ou que já tenha produzido para outros fins.

Aparentemente, não surge, no horizonte dos binoculares, a possibilidade de que suas obras sejam mais que um alter ego literário. Este seria um pensamento complacente, pois, de imediato, poderíamos pensar que se trata de oportunismo fútil: descobrir uma fórmula atrativa, valorável ao ser tomada como Arte, e repeti-la numa eterna masturbação frígida.

Fim da citação. Essa postura, de alguns artistas, eu ainda encontro, em conversas, de vez em quando, mas, pode ser menos comum só por não fazer mais parte da minha bolha. Desde o começo, eu tive a felicidade de encontrar muita gente disposta a fazer de cada projeto algo aberto e incômodo. Não que isso tenha me livrado de ouvir muito “ah! Mas assim o trabalho vai ficar feio!”, “Ah! Mas aí a pessoa vai precisar ler um texto enorme pra entender o trabalho”, “ah! Mas eu quero que o público sinta o meu trabalho e não tenha que ficar pensando”, “ah! Mas meu trabalho não é pra pensar e pra ninguém ficar discutindo é pra sentir” “ah! Mas não pode tocar, por que é arte né?!”

Essas mesmas vozes são as que faziam tudo virar uma feira e eram cheios de medinho de não passar no edital, porque o trabalho era muito agressivo, e tinham e têm como parte crucial do seu processo criativo, a dúvida sobre se vai ou se não vai fazer sucesso na galeria. Algum problema com ganhar dinheiro? Nenhum, contanto que não me encha o saco com pi pi pi po po po de que meu trabalho isso, meu trabalho aquilo, a experiência do público, a mão do artista, a foto no jornal, a nova era, o amor, a tinta, o sol, as energias, a luz laranja, a vida, o universo, Guarapari, Búzios, minha arte…

No fim das contas, o que era pra ser um processo poético virava uma pesquisa de mercado, encoberta por uma falsa vontade criadora. Nessa propagação do sonho do artistinha de um dia ser chamado pra Bienal, de ter representação em galeria, de encher a boca pra soltar uma gargalhada contra Romero Brito, enquanto fica excitado só de imaginar a própria linha de estampas da Crocs, esse sonho fazia e faz com que qualquer atitude que jogue merda no ventilador não pareça condizente com o cenário das artes. 

Vai ver as reações da galera quando o Cripta Djan tentou mostrar que não dá pra institucionalizar transgressão. Vai dar uma olhada em qual é o entendimento de ateliê pra maioria das chamadas de residência artística. Todas as vezes em que começava e começo uma conversa sobre produção coletiva e a pessoa quer conhecer meu ateliê, o interesse acaba no momento em que eu digo que o ateliê é o mundo. Certo, o interesse acaba depois que eu gasto mais de uma hora tentando dizer isso de todas as maneiras que consigo pensar. 

O conservadorismo no processo criativo é tamanho que, mesmo pra quem está fora dos grandes ou pequenos jogos do mercado, é difícil desapegar da ideia de autoria. O sujeito não pretende vender o que faz e sabe que nem teria como, mas não consegue deixar de pensar que seu processo não vai gerar nenhum produto que receba o seu nome. Autoria é mais uma ponta de um organismo desgraçado que transforma todas as ações humanas em propriedade privada vendável. Eu não consigo mais deixar de relacionar autoria com autoridade, autoridade com hierarquia, hierarquia com instituição, instituição com ordem, ordem com poder, poder com dominação, dominação com exploração e tudo isso no poço sem fundo do conservadorismo. 

Ainda dá pra abordar o terceiro tópico? Vou tentar ser mais sucinto com isso. Exposição de trabalhos de arte. 

Talvez eu não fale tanto porque eu já imagino que isso vai ser tópico de outros programas, pois é aí que a coisa fica descarada. Recentemente ocorreram alguns episódios que ficaram mais famosos no cenário nacional, como o Queer Museu, a prisão do Maikon Kempinski, numa performance em Brasília, a outra performance do Wagner Schwartz, no Museu de Arte do Rio… Dá certa preguiça de falar disso? Dá. Mas não por conta do público que não tem a oportunidade de ir habitualmente em galerias de arte e sim por esses serem problemas repetitivos quando você conversa com a própria galerinha das artes. 

É muito difícil ter alguma galeria ou museu grandinho que não censure trabalhos mais agressivos. A chateação da confusão com essas três propostas é que elas sequer são agressivas. A Queer Museu foi uma exposição com curadoria toda desconjuntada e as performances citadas eram super doces, delicadas e beirando a inocência. 

Quando se trata de trabalhos que estão interessados sim em exibir sexualidade, em bater de frente com convenções sociais opressivas, em positivar ideias relegadas a negatividade por preconceitos históricos ou em colocar alguns pingos brilhantes nos “i’s”, eles não recebem apoio, são censurados nas galerias e museus, não ganham editais de apoio e são desprezados inclusive dentro dos Centros de Arte das universidades. Em alguns casos esse desprezo para na taxação de “sem vergonhice” e outros ficam na tarja de “panfletário”. 

As vezes eu tenho a impressão de que essa censura explodiu com o processo em torno do portfólio X, do Robert Mapplethorpe, com a retrospectiva logo após a sua morte, no final de 1989, depois passou pros Jovens Artistas Ingleses, mas, depois disso nem chegou a sair das colmeias estudantis. 

É bom colocar um detalhe que eu sempre lembro em aula, que é, quando eu falo em censura, isso diz respeito a instituições. Você reclamar ou desgostar do que o coleguinha diz ou faz, são as suas calorias que você tá gastando. Mas uma prefeitura proibir a abertura de uma mostra já avaliada e premiada ou uma galeria retirar uma obra por motivos pouco nítidos e impedir os responsáveis de defenderem seus trabalhos, aí é censura mesmo amiguinho. Isso tá ficando mais comum. 

E pra terminar bem, é sempre bom comentar o que acontece quando você confia os costumes e as práticas culturais ao mercado. A Igreja Universal pode até não comprar a rede Cinemark pra transformar em mais uma filial, mas compra sim a metade das salas de cinema; os empresários defensores do trabalho escravo podem até não comprar os museus e galerias, mas levam os artistas a produzirem e exibirem só o que o seu puritanismo de fachada quer comprar; as bancadas retrógradas podem até não determinar o que é ou não importante em nossas culturas, mas conseguem fechar o investimento público apenas para projetos que defendam a moral e os bons costumes. Nunca é demais lembrar que os grandes museus e as grandes bienais são representações do capital, fortes o bastante para silenciar mesmo as propostas mais potentes e agressivas.

Se você receber convite pra participar da Bienal de Veneza, ter trabalhos bem cotados na ArtRio, ser representado por duas ou três galerias, fazer suas estampas pras novas embalagens do OMO, vai fundo coração! Você tem que comprar pão e ninguém come conceito. Mas, se esses aí forem seus sonhos, então, não esquece que a seringa do capital é descartável.

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