
Chronologia Kairológica, Fabiana Pedroni, detalhe de exposição de 2013, Galeria Homero Massena, Vitória-ES. Três ponteiros pretos de relógio presos à parede giram sem marcação de números. O relógio corta uma frase que começa com “daquele instante íntimo entre” e termina com “a expectativa e a formação”.
Texto publicado pela primeira vez como apresentação dos processos criativos da mostra Chronologia Kairológica.
Texto de Fabiana Pedroni
tic tac tic tac tic…tic tac… o segundo é a duração de nove bilhões, cento e noventa e dois milhões, seiscentos e trinta e um mil, setecentos e setenta oscilações do átomo de Césio cento e trinta e três. Os relógios marcam sua precisão e erro sobre este segundo.
Em mil novecentos e setenta e cinco, havia um segundo errado a cada trezentos mil anos. Em dois mil e dez, a marca caiu para um segundo a cada três bilhões e quatrocentos milhões de anos.
tic tac.. tic tac.. Qual a verdadeira medida de um segundo? “Se não perguntarem, julgo saber o que é o tempo, mas se perguntarem, deixo de saber” [Santo Agostinho].
Hoje o dia foi tão longo. O tempo parecia estendido, esticado, muito esticaaado.
O que se pode esperar de um mergulho no dia? Contar e Sussurrar. Desconfio do relógio. Como confiar em uma coisa que gira eternamente em torno de si e, quase sempre, apresenta aquele sorriso torto de deboche? Seus ponteiros parecem ignorar que a ferrugem é um pedido de descanso. Os números são acesso direto à prisão de Chronos. Não posso mais abandoná-lo, ele está nos meus passos, na rota dos planetas, no amanhecer e no entardecer. Se pudéssemos ouvir o tempo, o que ele diria? [pareço não encontrar muitas respostas para o tempo que me incomoda].
Na cronometria, o sujeito é apático e indefeso. Poucos se ocupam do presente, daquele instante ínfimo, entre a expectativa e a formação de acúmulos. As memórias e as esperanças preenchem quase todos os momentos. Quando eu olho pela janela defino uma ordem e quando respiro tento corrompê-la. Somente sinto o presente com lembranças e sonhos.
Assim me localizo em Kairós. Escuto ele sussurrar coisas doces e amargas. Nesse momento, esqueço-me da ferrugem das engrenagens e aceito a duração da vida em minha memória. No fim, são coisas de família e nunca nos entendemos por completo.
Um me ganha e me aprisiona, outro me liberta e me expulsa.
Quando tento lhes explicar que o mundo não possui linhas ou círculos, eles se fecham em certezas nada verdadeiras. O valor de um segundo tornou-se um jargão inocente, mas útil. Agradeço a Reia por essa confusão.
No meio desse jogo disfarçado de infinito, esses são os companheiros mais divertidos e angustiantes. Penso mais neles, ao ver o mundo ficar todo embaçado. Nessas ocasiões, conversamos até de manhã. Depois, coloco os óculos e volto a viver.
.
.
.
.
.
.
.
.
.
.