[resenha] Ler o livro do mundo: Walter Benjamin, Romantismo e crítica poética, de Márcio Seligmann-Silva, Parte II

Imagem de capa. Resenha. Ler o livro do mundo. Walter Benjamin.

Imagem de capa. Fotografia do livro “Ler o livro do mundo: Walter Benjamin, Romantismo e crítica poética”, de Márcio Seligmann-Silva, mostrado fechado sobre tecido listrado vermelho e branco, na margem inferior direita aparece a cabeça de um filhote de cachorro malhado de preto e branco a morder a beiradinha da capa.

Texto de Fabiana Pedroni

Esta é a parte II da resenha dos livro de Seligmann-Silva sobre Benjamin. Para voltar para a primeira parte da resenha, clique aqui.

O livro é dividido em duas partes: a primeira apresenta conceitos presentes no Romantismo de Iena, que serão desenvolvidos posteriormente por Benjamin. Na segunda parte do livro, aborda-se a questão da leitura de mundo de Benjamin. Esta segunda parte do livro é divida em 3 seções. Aqui, apresento trechos e anotações da primeira seção dessa segunda parte.

Manterei os títulos presentes no livro, para ajudar na organização das anotações. Talvez você se incomode um pouco com o formato desta resenha, talvez nem deveríamos chamá-la de resenha, mas um apanhado de citações e anotações rápidas do livro. Espero que possam aproveitar estas anotações como um processo de estudo compartilhado.

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Parte II. Walter Benjamin e a leitura do mundo

A segunda parte do livro é dividida em três partes: A linguagem, Logos e Mythos e A crítica como tarefa. Se, na primeira parte, Seligmann-Silva deu a base conceitual sobre os primeiros românticos de Iena, agora, ele traça a conexão com a teoria benjaminiana da linguagem. Mais especificamente, no primeiro item, aborda-se as origens da linguagem (não num sentido cronológico) e a concepção do mundo como escrita.

II.1 A linguagem

O mistério da linguagem

Benjamin elabora uma reflexão, até uma teoria de acordo com S.-S, da dignidade da linguagem, que aborda a linguagem não restrita ao caráter comunicacional (aquela que faz “utilização da linguagem como meio de um conteúdo”) mas compreendida também como mágica, “quer dizer não-media-tizável” (p.75). “Leva-o a destacar o elemento mágico da linguagem e, mais ainda, a encontrar a essência da linguagem no espaço mesmo do silêncio […] Esse estilo de escritura tem em mira o que é negado à palavra” (p.75-76).

Cita o texto de Benjamin “Sobre a linguagem em geral e sobre a linguagem humana” como seu principal trabalho sobre filosofia da linguagem, que tem como base um texto de Schlegel. Nesse texto de Benjamin parte-se de uma “análise do primeiro capítulo do Gênese que se desdobra a discussão acerca da ‘dignidade da linguagem’ que Benjamin tentara descrever na carta a Buber.” (p.77). Posta em averiguação na “origem” das linguagens.

A origem das línguas

A origem das línguas e da linguagem “é, em Benjamin, uma modalidade da questão da essência da linguagem ligada ao seu caráter mágico, ‘oculto’ e imediato.” Oculto no silêncio, no indizível; e a “imeaticidade” como mágica (p.77) que leva a compreender que “o problema originário da linguagem é a sua magia” (Benj apud S-S, p.77).

Os objetos são mudos, a natureza se comunica na linguagem, nela e não através dela, sendo que o homem se comunica na linguagem pelo nome, é ele quem nomeia, quem denomina e de onde parte a linguagem.  “Do fato de a essência espiritual das coisas só se expressar enquanto uma comunicabilidade – na essência linguística -, Benjamin extrai esta importante conclusão: ‘Não existe um conteúdo da linguagem; enquanto comunicação a linguagem comunica uma essência espiritual, isto é, uma pura e simples comunicabilidade‘” (p.77) “a linguagem dos homens se diferencia da linguagem (imperfeita) das coisas” (p.78) na medida em que possui conexão com a linguagem divina, como um sopro “insuflado por Deus no homem” (p.78). Para Benjamin a linguagem se desdobra em três níveis: “a linguagem divina criadora, a linguagem nomeadora do homem (paradisíaco de Adão) e a linguagem (ou, para utilizar uma diferenciação possível no português, a língua) decaída, plural, marcada por uma relação externa com as coisas. A relação intrínseca entre o ato da criação e a linguagem estabelece uma linguagem que, para Benjamin, ‘é o elemento criador, o que acaba, ela é verbo [Wort] e nome'” (p.78).

A linguagem divina “seria toda ela expressão daquele aspecto mágico da linguagem” (p.78), não haveria uma separação entre sujeito nomeador e objeto denominado, entre entre objeto denominado e o nome, entre conteúdo e forma. “não existe aí espaço do indizível; não há representação ou significação, mas, no máximo, expressão.” (p.78) Isso significa que a magia estaria na linguagem do homem, nesse lastro do divino.

A linguagem dos nomes (do homem) é uma tradução que traduz a linguagem das coisas (p.79) Benjamin critica uma concepção burguesa da linguagem reduzida ao fornecimento de “simples signos”, em que uma palavra [Wort] liga-se de modo acidental com a coisa; por outro lado, critica também a recusa da teoria burguesa por uma teoria mística. “Segundo ela, com efeito, a palavra é pura e simplesmente a essência da coisa. Isto é falso, porque a coisa em si não possui nenhuma palavra, ela foi criada a partir do verbo divino e é conhecida pelo nome segundo o verbo humano” (Benj apud S.-S. p.79). Assim, Benjamin mantém uma distância das concepções místicas, essencialistas da linguagem e faz uma descrição romântica do mundo como um texto como palavra, como verbo (p.80, 109, 112).

“Para Benjamin, aquela linguagem conhecedora, completa, esvanece em simples palavrório (‘Geschwätz’, II 154) no abismo da comunicação. […] Se o homem perde a capacidade de comrpeender a linguagem das coisas o ser-mudo das mesmas se desdobra em tristeza” (p.81). A necessidade da tradução indica a incompletude da língua após a “queda”, seja ela babélica ou, como para Benjamin, no conhecimento do bem e do mal, da queda do paraíso no Gênesis. “A pluralidade das línguas nasce dessa incapacidade de uma leitura única, imediata do mundo.

Essa conexão com o verbo divino no homem faz herdar na linguagem um aspecto simbólico “Pois ela ‘não é apenas comunicação do comunicável, mas ao mesmo tempo símbolo do não-comunicável’ (II 156)” (p.82)

A linguagem pura

A “linguagem pura’, que está na base de todas as línguas e que é visada como a tarefa do tradutor, corresponde àquela ‘linguagem pura do nome'” (p.84) que se tornam vestígios nas línguas decaídas. Assim, o tradutor não se agarra apenas à tradução do sentido original ou intencionado, mas é o “modo de intentar’ (‘Art des Meinens’, I 17) de cada língua, que as torna singulares e irredutíveis.” (p.84-5) Há, nas línguas, um comunicável mas também um não-comunicável, que é contextual, que se conecta com a tarefa do tradutor de voltar-se para a língua originária, como uma direção.

O palavrório, a alegoria e a ironia

Neste item, o autor retoma termos antes trabalhados para aprofundá-los dentro da teoria da linguagem benjaminiana.

O palavrório é a linguagem decaída (aparece tb na p.110) e a teoria da alegoria é a teoria das línguas “depois da queda”. “Esta alegoria, fruto do pecado [eu: da queda] e expressão da abstração [eu: a língua originária se realizava na concretude do mundo, onde não havia separação, mas na linguagem decaída nasce a abstração do palavrório], determina a destruição da ‘falsa aparência da totalidade’ (I 352); ela é correlata, então, ao ‘culto da ruína’ (i 354), do fragmento” (p.87) “A presença imperativa da ‘perda’ e o ‘culto’ da ruína são duas marcas centrais da melancolia. Benjamin descreve a melancolia do indivíduo colocado diante desse mundo esvaziado (I 317). Para o melancólico, com a ‘perda da relação natural entre os elementos do mundo, tudo transforma-se em cifra de um saber enigmático (I 319)” (p.88). Apesar do conceito de alegoria ser desenvolvido por Benjamin, é o conceito de ironia que mais se aproxima de suas ideias, a ironia que “vincula-se nos românticos ao fragmento, à consciência do limite e da impossibilidade de se atingir o absoluto.” (p.88 – tb p. 34-37)

Mimologismo

Mimologia: composição sonora de uma palavra que imita o som dos objetos que ela designa; mimologismo, onomatopeia.

Neste item aborda-se a teoria mimológica da linguagem ou teoria onomatopaica, na qual, para Benjamin, “as diferentes línguas estariam entrelaçadas por meio desta origem não-sensível comum a todas elas.” (p.91), na relação entre som e palavra (retoma na p. 107). “Enquanto a doutrina da linguagem pura – e dos resquícios da mesma na faculdade mimética do homem – sugere a motivação das palavras e aproxima Benjamin da postura de Crátilo – que defende, como se sabe, a ‘naturalidade’ dos nomes -, a sua concepção do ‘pecado original’ no âmbito da linguagem aproxima a concepção de Benjamin da de Hermogenes, o opositor de Crátilo, partidário da origem arbitrária dos nomes. A suma desta teoria revela-se, portanto, equivalente à dos românticos: Benjamin possui uma concepção da linguagem que mantém (estruturalmente) lado a lado uma teoria da sua arbitrariedade – que se manifesta nos seus conceitos de melancolia e alegoria – e da sua magia – que se conecta ao seu elemento ‘simbólico’, não-comunicativo que, como ainda veremos de perto, possui uma função chave dentro da teoria do conhecimento de Walter Benjamin.” (p.91-92). Esta longa citação é importante para compreender a noção de mundo como texto, como uma teoria do conhecimento, em que Benjamin não se coloca nem de um lado, nem de outro, mas na junção destes entendimentos da linguagem como “natural” ou “arbitrária”.

Linguagem, instrumento e metafísica

A linguagem não é apenas elemento comunicativo, não é instrumento, apenas. Na medida em que estabelece uma comunicação do sujeito consigo e com o outro, ela deixa de ser instrumento, meio, para ser manifestação de um vínculo.  “ele de fato introduziu vários elementos da sua ‘metafísica’ romântica da linguagem neste seu trabalho, na medida em que valorizou o lado não-instrumental desta, o seu mimologismo e o seu caráter expressivo (quase que em detrimento da sua função semântica).” (p.94)

Excurso: Baudelaire, Mallarmé, Valéry e a linguagem poética

Tanto os românticos quanto este escritores franceses estabeleceram a Teoria da linguagem do ponto de vista da função poética da linguagem.

De Mallarmé, Benjamin recorre à saudade da linguagem originária a que se deve destacar na tradução (p.95), além da escritura “para além’ do semântico e gramatical”, que trabalha com cortes e saltos. Salto, em alemão Sprung é elemento destacado por românticos e Benjamin de Ursprung (origem), que elimina da origem qualquer teor cronológico. Essa origem (O Absoluto em Novalis e Schlegel) é atingido pela interrupção, pelo salto. De Baudelaire, o tema da correspondência traz a noção de dicionário, caro aos primeiros românticos. Refelxão de Mallarmé e Valéry da linguagem prosaica e a poética. “O significante encerra, para ele [Mallarmé], elementos que vão muito além do simples significado” (p.96), a poesia como resgate da dignidade da palavra escrita.

Para Valéry, na linguagem ordinária as” palavras (reais) são criadas pelo uso estatístico” (p.97), por necessidade comunicacional; há uma característica transitiva, em que a linguagem ordinária morre após comunicar um conteúdo, após fazer seu papel. Já a linguagem poética não visa a comunicação imediata, não serve a um determinado fim; o poeta é “agente de desvios” (p.99). O “texto do poeta deve estar voltado para a recriação da linguagem (p.98); “Para Valéry, enquanto o âmbito da literatura ordinária busca apenas o sentido (finito) do texto, para a poesia o que importa é o valor (infinito).” (p.98). O leitor ativo é um leitor poético, distante do automatismo verbal. Em Valéry também encontramos o conceito ampliado de tradução. A poesia pura é para onde se direciona a poesia, uma vez atingida a poesia pura, ela seria a poesia do mundo – “a tradução total do mundo em poesia, vale dizer, a suspensão da distância entre as ‘palavras e as coisas’. Valéry acentua – ainda a contragosto – o tom místico desta concepção”, fala sobre um Livro supremo, um livro total, mas, apesar de tentador usar o termo místico, diz que essa é uma palavra que não se deve empregar.

Tanto estes autores quanto Benjamin, ao colocarem o maior peso de suas definições da linguagem não na função comunicativa, mas sim na própria palavra. Enquanto configuração visual e acústica, fizeram-no dentro do âmbito de uma crítica da linguagem ordinária (não no sentido de depreciá-la, mas antes de elevá-la e até mesmo de encontrar nela elementos poéticos).” (p.100)

A caçarola e o gato

Sobre a preocupação de Benjamin acerca da matéria corpórea da palavra, das relações entre imagens escritas e sonoras (letra e som). Em um texto de Jean Selz conta que numa conversa com Benjamin, ele disse sobre sua teoria de que “todas as palavras, não importando em que língua elas são escritas, pareceriam, no grafismo da sua escritura, àquilo que elas designam”. Isso leva Selz a perguntar a Benjamin “‘Se a palavra ‘casserole’ servisse numa língua para designar um gato, o senhor acharia provavelmente que ela se pareceria com um gato.’ A resposta de Benjamin é reveladora: ‘É provável. Mas ela se parecerá com um gato apenas na medida em que um gato parece-se com uma ‘casserole’. No seu estudo sobre as semelhanças, ele volta a destacar a relação interna – ou motivada [eu: logo, não arbitrária] entre a imagem escrita e o referente” (p.102). Há três níveis de mimologia em Benjamin: Significante-pessoa nomeadora; significante-coisas; significante acústico-significante ou imagem escrita.

Os lados profano e mágico da linguagem

Benjamin não propoe uma concepção puramente onomatopaica ou mimológica da linguagem. “a visão naturalista da linguagem baseia-se em semelhanças sensíveis e não em semelhanças não-sensíveis. Se seguíssemos à risca esta categoria benajminiana, não se poderia falar de uma simples mimesis.” (p.106) O que tiramos da noção de semelhança não-sensível é a crítica de Benjamin “tanto ao cratilismo como também às posturas convencionalistas acerca da ‘origem’ da linguagem.” (p.107). Além disso, “Benjamin concilia os dois lados da linguagem, o mágico e o comunicativo” (p.107). Ele procura conciliar a arbitrariedade da origem das línguas com o elemento mimético e mágico, a linguagem comunicativa vira fundo para o componente mágico (p.107). Fundo comunicativo da linguagem (linguagem como meio) e simples comunicação da linguagem (como medium). “A língua é síntese entre o indivíduo e o mundo, é criação – mágica, como se vê sobretudo na língua da poesia enquanto poiesis absoluta, um reflexo da ‘linguagem divina’, […] dupla face mágica/semântica” (p.108-109).

As palavras e as coisas

A “concepção da relação intrínseca entre as coisas e as palavras engendrou a visão do mundo como um texto” (p.109)

O duplo do mundo

O duplo do mundo é o mundo como texto. “Num pequeno fragmento seu de 1917, ‘Sobre a percepção em si’, Benjamin anotou: ‘Percepção é ler” (Benj. Apud S.-S, p. 112). “toda percepção é ima leitura (da escrita do mundo)” (p.113). A cidade se torna um livro por nosso relacionamento com ela e pela escrita que nela abunda, nos letreiros, nas placas, nos jornais lidos no metrô. “Do flâneur Benjamin afirmou: ‘Muros são a escrivaninha na qual ele apoia o seu caderno de notas’ (I 539): o flâneur, que também é identificado com a figura do alegorista, não apenas é aquele que se perdeu na cidade com a sua compulsão incontrolável para a leitura da mesma, como também é aquele que comenta a sua leitura ao encostar o seu bloco de notas nas margens da cidade.” (p.115-116).

Seligmann-Silva traz uma longa citação de Octavio Paz, de seu livro Los Hijos del limo, que é muito interessante, por conseguir expressar os vários conceitos trabalhados neste primeiro item da segunda parte, e que quero destacar um pequeno fragmento: “podemos leer el universo, podemos vivir el poema” (p.116).

Para acessar a próxima parte da resenha clique aqui. (disponível quando der pra terminar)

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