
Imagem de divulgação da Revista Suprassuma. Fundo esverdeado com título da revista em fonte estilizada e tons de rosa claro e escuro. Atrás do título, estrela de seis pontas semitransparente com textura com crateras da superfície da lua. Sobre a ponta superior da estrela, ilustração linear de dragão voando. Na ponta inferior esquerda, ilustração linear de bruxa voando em vassoura. Na ponta inferior direita, ilustração linear de astronauta flutuando.
Texto de Rodrigo Hipólito
Suprassuma, n. 1. Editorial: Beatriz D’Oliveira e Paula Lemos. Projeto gráfico: Alessandra Kalko. Capa e ilustrações: Pedro Correa. Textos de: Jana Bianchi, Fernanda Castro, Moacir Fio, Giu Yukari Murakami, Andrezza Postay, Ariel Ayres, Fabiane Guimarães, Saskia Sá. Editora Suma, 2021.
Boa parte desta resenha apareceu primeiro como um fio do Twitter, em 27 de dezembro de 2021. Vou manter os parágrafos quase do mesmo como como estavam na distribuição dos tuítes. Funcionou lá, deve funcionar aqui.
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Demorei, mas, vou conseguir deixar algumas das minhas impressões sobre o primeiro número da Revista Suprassuma antes de fechar o ano. É certo que gostei de todos os contos que compõem essa edição. Gostei também da variedade e de encontrar nomes acompanho. Antes de começar a falar dos textos da revista, vale o destaque para o projeto gráfico de Alessandra Kalko, com capa e ilustrações de Pedro Correa. Cada conto recebeu uma ilustração própria e essas imagens funcionaram muito bem para divulgação dos trabalhos. É um jeito interessante de pensar o projeto gráfico da publicação. Além da organização das imagens e textos, dos elementos informativos e da composição de cores, da identidade visual e da diagramação, essas ilustrações representem bem os textos aos quais se referem e extrapolam as páginas da revista.
O tema da primeira edição da Revista Suprassuma foi “primeira vez”. Tema condizente com a estreia da publicação e aberto para todo o tipo de história. Já estávamos acostumados com projetos independentes, com ou sem remuneração para as pessoas envolvidas. Muitos desses projetos, como a Mafagafo e a Escambanáutica, só conseguem pagar as pessoas autoras e outras profissionais envolvidas por conta do engajamento de quem lê. O surgimento da Suprassuma é significativa para o cenário de literatura de ficção especulativa no Brasil, tanto por estar em um selo de uma editora do porte da Companhia das Letras, quanto pela demonstração de as apostas de autoria ainda podem escapar dos nomes que já tem acesso ao mercado profissional.
Não quero me iludir muito quanto a isso. Mas, tenho esperanças de que a Suprassuma permaneça para próximos números e de que as editoras de médio e grande porte não chutem para escanteio as pessoas que têm alimentado a ficção especulativa brasileira, nos últimos anos e nas décadas anteriores.
Quando foram anunciados os nomes aprovados para essa primeira edição da Suprassuma (@EditoraSuma), não pude evitar as expectativas elevadas. Ainda assim, fui surpreendido positivamente por cada um dos 8 contos que exercitam o tema “primeira vez”.
“O destino não é um endereço”, de @janapbianchi, consegue misturar tensão social com memória política e drama intimista. Os elementos fantásticos são usados para elevar a percepção dos riscos da ação política diante da perseguição do estado.
Isso sem esquecer de que o ativismo político é feito por pessoas. Nossos desejos e inseguranças mais íntimos não podem ser jogados para o segundo plano. Sempre impressiona como Jana consegue construir contextos ficcionais sólidos em narrativas curtas.
“Não vai ser a primeira, nem a última”, de @fernandaversa, mergulha fundo na compreensão de que os medos e as dores da realidade têm pesos diferentes para diferentes pessoas em diferentes condições. Um conto físico e realista em seu absurdo, com a personagem que considerei mais complexa entre todas as oito histórias. Um conto que ainda quero assistir pelas lentes da Juliana Rojas.
Precisei respirar uns dias para seguir com “Um ajuste de ponteiros”, de @moacirfio. Foi bom parar, pois tendo a não gostar de histórias de viagem no tempo, até encontrar esse tipo de coisa. Foi imediato lembrar do episódio Stasis, da série “Tales from the loop”.
Moa foi certeiro ao focar no desenvolvimento das relações entre as personagens e fazer os ponteiros girar em torno das emoções. O ponto não é mexer com passado e futuro, mas termos tempo para resolver nossos dilemas ou aceitar o final.
A vida vai passar sem que você possa se desculpar com todas as pessoas que magoou ou compreender os motivos de terem de magoado. Se todas as memórias fossem repassadas no momento da sua morte, talvez você se acalmasse com a percepção de um ciclo sem sentido.
Eu li “Orvalho flamejante”, de @murakami_giu, com muita empolgação, pois foi sua primeira história que peguei. Não conhecia seus estilos. Não sabia o que esperar. A prosa é tão boa, que mesmo sem carregar em descrições, permite imaginar cada situação.
Eu gosto de agilidade e de demonstrações diretas dos obstáculos internos e externos que personagens precisam enfrentar. Giu faz isso sem estacionar o texto, mas sem ignorar que quem lê pode precisar de informações específicas.
Nada supérfluo, mas sem síntese excessiva. Essa é uma frase que também se encaixa bem em “Vertente”, de @ATPostay. Adorei como o texto nos aproxima das memórias de infância na medida em que nos insere no ambiente, na casa.
Os espaços não estão desligados das pessoas e de seus diálogos. Acho lindo quando a escrita consegue fazer isso sem cometer excessos. O texto permite que a gente mergulhe, mas ainda segura nossa mão para retornarmos ao fio narrativo.
“Ith”, de @TritaodasTreta, é uma aula de diálogos. As vozes das personagens são tão nítidas (e sem maneirismos bobos), que você consegue pescar suas personalidades com poucas linhas, quase sem necessidade de descrições.
O humor vai até onde precisa ir, não engarrafa a trama e não adia, sem motivo, qualquer explosão que possa ou não acontecer. Se tem uma coisa rara em ficção especulativa é o tempo eficiente da piada.
“Ressurreição”, de @realfabiane, trouxe lembranças dos melhores trechos da trilogia “O Ceifador”, de Neal Shusterman, mas sem as partes das quais não gosto. A premissa da história, que está na sinopse, não aparece de modo imediato, mas na medida em que conhecemos a protagonista.
Isso é algo que me agrada: faça com que eu me interesse pela pessoa antes de me contar seus problemas. É uma boa dica para encontros, mesmo que você não tenha tempo de vida para se casar centenas de vezes.
Pra encerrar, meu queridinho, “Dias de pouco pão e zero sonho”, de @saskiasa. Por que meu queridinho? Porque eu moro em Vitória e isso faz uma diferença danada! Esse conto é uma ótima leitura para qualquer pessoa. E se você conhece Vitorinha, vai perceber que Saskia usa os ambientes para indicar climas. Não se trata de parar no clichê da Rua 7 lugar de boemia. Ao nomear o Bar da Zilda, a situação fictícia é revestida pela magia daquele lugar. A escada, a praça, o prédio, a ladeira, não são apenas elementos de descrição.
Consigo imaginar alguém no papel de “publicitário poeta” e eu ri ao ler isso. Posso ter subido as escadas daquele prédio e esbarrado com Rosa. É tão bom poder caminhar por uma história escrita de um modo que sustenta seus passos.
Ainda não sei qual ou quais desses contos vou colocar na lista de sugestões para discutirmos na próxima temporada do @pindoramapod, mas saibam que todos valem a leitura e a conversa. Que tenhamos mais edições como essa e mais espaços para a literatura de fantasia, horror e ficção científica em 2022.
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