[transcrição] Como encontrar sua concha perdida

Sandro Botticelli, O nascimento de Vênus, 1485

Sandro Botticelli, O nascimento de Vênus, 1485. Vênus aparece nua no centro da pintura sobre uma grande concha, repousada sobre a água do mar. À esquerda, mulher segurando um manto de estampa floral, prestes a cobrir a deusa. À direita, duas figuras voando e levemente cobertos por tecidos, uma delas assopra o vento na direção da Vênus.

Transcrição do podcast NPC 39: Como encontrar sua concha perdida.

Texto de Fabiana Pedroni

Olá. Tá começando mais um Não Pod Chorar. Eu sou Fabiana Pedroni e este é um derivado do Não Pod Tocar. Aqui, nós contamos algumas desventuras da vida e tentamos pensar em modos criativos de lidar com elas.

Se você chegou aqui agora e não conhecia o Não Pod Tocar, este é um podcast sobre teoria, história, crítica de arte e temas afins. No nosso feed, você encontra, além dos episódios do Não Pod Chorar, os nossos programas de temporada, com ensaios, entrevistas e bate-papo, e o Pataquadas, no qual a Alana de Oliveira repercute as principais notícias do mundinho da arte, com colunas abertas de Dennis Almeida e Camila Saloto.

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E vou aproveitar pra compartilhar com vocês a minha felicidade enorme de estar lançando meu primeiro livro, pela editora Escambau! O Na volta a gente esquece será lançado dia 20, na próxima terça, aqui em terras capixabas no Espaço Mil Fontes. É um livro de contos e crônicas que foi selecionado por um edital da secretaria de cultura do Estado do Espírito Santo com recursos do Funcultura.

É isso, dados esses recados iniciais, neste episódio, você vai ouvir algumas reflexões sobre como encontrar sua concha perdida ou como não perder sua concha.

 ***

Escondida num canto da despensa, aquele canto da casa que entulhamos de materiais de limpeza e várias outras coisas que não usamos com tanta frequência, bem, mas muito bem escondida, está uma lata de sabão em pó. Já enferrujada e sem sabão, ela não é uma brillo box, mas guarda certo senso de humor no campo das artes.

Em 2003, não tenho bem certeza desta data porque eu não sabia que isso seria útil algum dia, a empresa de sabão em pó fez uma edição comemorativa com design Romero Britês e eu amava essa lata porque cabia as conchas que eu colecionava desde a infância.

Nunca enchi a lata, até porque ela é enorme, mas cada vez que a pegava em mãos, ouvia o barulho das conchas batendo no latão, a queda da soma de mais uma concha. Eu me orgulhava dessa coleção. Ela representava momentos, as idas à praia durante as férias, uma atividade mãe e filha, um encontro. Depois que meu pai faleceu, aos meus 15 anos, diminuí gradativamente o encontro com as conchas. Ainda tenho poucas conchinhas que levo comigo quando passeio com os cachorros. Tenho encontrado cada vez mais farelos de concha ou conchas já com um furo, como se me pedissem para virar um pingente.

Hoje descobri que esses farelos, esse sumiço das conchas, não foi só falta de atenção de minha parte, mas um resultado do processo de acidificação dos oceanos. Foi a Lis Vilas Boas, oceanógrafa e escritora, quem me disse sobre isso em suas 20 mil histórias submarinas sobre Conchas. Vou deixar o link dessa Newsletter no post do episódio, leiam, assinem, porque Lis faz o cruzamento de alguns assuntos que a gente sempre desemboca em cantos diferentes.

Pois bem, ela disse assim:

Com o aumento da acidez da água do mar, o carbonato disponível para formação de conchas e esqueletos fica muito reduzido. Diferentes organismos têm diferentes graus de sensibilidade, mas no geral a tendência das conchas e carapaças é ficar mais frágil quando expostas por muito tempo ou a uma grande quantidade de acidez — elas vão aos poucos sendo dissolvidas por um ambiente que antes era perfeitamente equilibrado.

Um lar, um canto seguro é perfurado, dissolvido pelo entorno. Essa imagem vai continuar me perseguindo por um bom tempo. Essa imagem de uma segurança que se dissolve me levou a pensar na crise ecológica e relembrar de um livro que eu não sabia que falaria também. Na cruel pedagogia do vírus, livro de Boaventura Souza Santos publicado em 2020, o professor relaciona a crise de coronavírus, grave e aguda, de significativa letalidade, à crise ecológica, também grave, mas de projeção lenta, que passa despercebida mesmo com uma letalidade exponencialmente maior. Essa comparação é usada para falar da crise permanente. A pandemia agravou uma situação que se arrasta desde que o neoliberalismo se impôs como a versão dominante do capitalismo. Sujeito cada vez mais à lógica do setor financeiro, o mundo passou a viver em permanente estado de crise. A noção de crise deveria ser a de um estado excepcional e passageiro, que leva para uma condição melhor, após a sua superação. Contudo, a crise permanente transforma-se na causa que explica tudo, que justifica, por exemplo, como afirma Boaventura, o desemprego pelos cortes de gastos e toda investida contra as políticas sociais.

Boaventura diz assim:

O objectivo da crise permanente é não ser resolvida. Mas qual é o objectivo deste objectivo? Basicamente, são dois: legitimar a escandalosa concentração de riqueza e boicotar medidas eficazes para impedir a iminente catástrofe ecológica.

Boaventura ainda somou ao capitalismo outros dois modos de dominação, o colonialismo e o patriarcado, e essa tríade, ou, como ele diz, esses três unicórnios, se fortalecem na característica de onipresença social, invisíveis e enraizados, corroboram para a permanência do estado de crise.

Mas pera, não parece ser sobre crise ecológica o título do episódio. E não, não é. Mas vamos somar a noção de crise permanente ao seguinte trecho de Lis, sobre as conchas:

Sair da própria concha significa morte certeira pra 95% dos animais marinhos que habitam uma. Tirando os que ocupam temporariamente conchas vazias num usucapião ecológico (e que são o motivo de não ser legal catar conchas pra colecionar, muitos animais precisam de conchas vazias!), sair da concha significa virar comida para a maioria.

Lis segue o texto com uma metáfora muito interessante sobre o ato de sair da concha. Ela afirma que, apesar da conotação positiva, de sair da concha para brilhar como pérola, na natureza, sair da concha, na maioria dos casos, é ir em direção à morte. Ao mesmo tempo em que sabemos que a concha nos protege, há um mundo lá fora ao qual precisamos nos expor para podermos sobreviver. E isso é tão verdadeiro no campo artístico, e acredito que em qualquer campo em que se trabalhe com a exposição, como o caso de Lis na literatura, que uma hora ou outra, nossa própria concha é corroída pelo ambiente ácido.

Quando digo aos estudantes, especialmente na primeira aula, quando nos conhecemos, que eu era uma menina tímida, introspectiva e calada na graduação, ninguém acredita.

Eu me sentia mais confortável quando não era percebida, quando estava dentro de minha concha, cheia de anotações e rodeada de papéis. Na guarda de minha concha, estavam as senhorinhas do curso de artes. Eu não sabia lidar com pessoas de minha idade, os grupos de pessoas dos 20 anos sempre exigiam uma fala, uma piada, um riso, uma bebida alcóolica e eu, serzinho ainda traumatizado que era com uma infância difícil com pai depressivo e alcoólatra, não sabia rir da mesma forma. Então fiz amizade com mulheres de 50 a 70 anos e lá meu silêncio foi, de certa forma, acolhido. De minha concha eu podia observar o mundo e interagir o mínimo possível. É óbvio que isso atrapalhou muito meu desenvolvimento, porque eu não sabia dosar. Eu não conseguia sair e voltar para a concha, porque eu não a reconhecia como lar, não sabia de que ela era feita.

Sem saber reconhecê-la, quando sai, eu me perdi para voltar.

Fui arrancada de minha concha porque eu tinha que atuar como artista. Em 2013, eu tinha acabado de me mudar para São Paulo para fazer o mestrado, ainda nem sabia lidar direito com essa mudança, e lá fui eu, cisco de gente que foi criada no interior do ES, em 2013 estava com três exposições simultâneas, duas com o Coletivo Monográfico e uma individual, ao mesmo tempo em que fazia o mestrado num Estado diferente com pessoas que me assustavam. Depois do mestrado, quando voltei pra Vitória em 2015, comecei a dar aulas numa faculdade, depois na UFES, a federal aqui do ES, e aí começamos o podcast, e agora tô publicando livros e… nossa. Essa mini bio não é definitivamente pra me vangloriar ou algo assim.

Como eu disse, sem saber reconhecer a minha concha, quando saia, eu me perdia. Há sempre o risco de você abandonar a sua concha e não conseguir mais achá-la nesse mar de caos. Você já se perdeu no estacionamento, ou num bairro, ou de alguém? Bateu aquele desespero de que você não acharia mais aquela pessoa? Aquele desespero que passa como um filete de morte, afiado, como se fossemos perder tudo se não soubermos onde estamos? É essa a sensação de ir aos poucos se dissolvendo no ambiente. Ao invés da concha ser nosso lar, se não a reconhecemos, não sabemos de que são feitas nossas conchas, se não nos diferenciamos delas, nós nos dissolvemos junto das conchas no ambiente hostil.

Um mundo que se pauta na comunicação, na exposição, coloca a pessoa introspectiva numa situação delicada. Talvez não seja, na verdade, algo exclusivo de pessoas introspectivas, mas de pessoas que se sentem estranhas e cobradas a atuar de um modo que não lhe é natural.

No meio artístico, as exigências de ser uma pessoa pública aumentam a tensão sobre as pessoas introspectivas. É desejável que se seja introspectiva apenas num espectro de mistério e sofrimento. Como a pérola que se recolhe momentaneamente, com muito glamour, para poder sair brilhante e majestosa em público, com uma grande entrada triunfal e dramática. Sim, o sistema artístico é brega, especialmente o que paga boletos. Na literatura também não é diferente, afinal, até a imagem romantizada da pessoa escritora que se recolhe numa montanha não existe mais, porque ela precisa fazer videozinhos de “olha estou escrevendo” para manter um público.

Parece uma loucura, não é? E tudo isso vai ser justificado por quem? Pela tal crise permanente. Ela nos faz acreditar que somos desajustados e que precisamos a todo custo nos adaptar ao mundo, ser seguros de si, comunicativos, empreendedores, proativos, confiantes, criativos e bla bla bla. O estado de crise apontado por Boaventura de Souza Santos, mantido pelo capitalismo, colonialismo e patriarcado, cria sujeitos insatisfeitos, até porque insatisfação é quase sinônimo de capitalismo. Nunca será suficiente. 

Quando estava em uma live com Moacir Fio sobre um livro meu que estamos lançando pela editora Escambau, o Na volta a agente, ele me fez uma pergunta que ainda está ressoando em mim, especialmente depois de ler o texto de Lis. Ele me perguntou como eu lidava com a exposição da privacidade, porque falávamos de autoficção, de usar a vida para criar ficção. No final das contas, não tenho problema com a falta de privacidade durante uma exposição, durante a interação com o público, ao responder perguntas, ao me expor em fatos. Pode ser que este seja o ponto mais doloroso da interação para algumas pessoas.

Às vezes o ponto mais doloroso seja a exposição visual, a exposição do corpo, ou pode ser a exigência de se pensar rapidamente, ter respostas certeiras. Essa me pega um pouco também, por isso eu, sob pressão, tenho falhas de memórias e falta de palavras específicas, especialmente nomes. Professora qual o nome daquele artista do século XIX que pintava tararam tararam.. eu morro.

Mas de tudo o que envolve a exposição de uma pessoa introspectiva, pra mim, o meu maior problema é a energia exigida para o esforço da fala. Dar aula, gravar podcasts, interagir verbalmente, é muito, muito exaustivo. E conseguir fazer isso não significa que eu não seja mais introspectiva. Talvez o grande desafio de pessoas introspectivas que produzem arte seja dar conta de todas essas faces públicas e ainda preservar algumas conchas. Mas, para isso, é preciso reconhecer de que é feita sua concha.

Dividir o mundo entre pessoas extrovertidas e introvertidas não só intensifica a cobrança de extroversão, mas também cria estereótipos inalcançáveis até mesmo dentro de um grupo de pessoas introvertidas. Não se é introvertida apenas de uma forma. A gente usa essa palavra, como tantas outras, para comunicar certo isolamento, mas, isolamento de quê, onde e como? Isso faz toda diferença. Uma pessoa comilona pode comer muita pizza mas não comer nenhum brócolis. Uma pessoa introvertida pode ser a mais tagarela no ônibus conversando com pessoas que pedem informação e ser extremamente calada em um grupo de amigues. Um amigo introvertido é falador num grupo, mas quando pega uber comigo taca um fone de ouvido para não falar com o motorista enquanto eu tô querendo saber se a avó do motorista está bem. É isso, depende. 

Mas uma coisa que nos une é que a crise permanente quer que não tenhamos conchas, que você fique cansada e sem energia até um ponto em que adoeça e a doença lhe faça consumir mais. Quem inventou a besteira de sair da zona de confronto certamente era um babaca sanguessuga capitalista misógino que só queria que trabalhássemos mais para consumirmos mais. Ficamos confusas, e ao invés de cuidar de uma concha saudável, a gente leva um monte de areia pra dentro da concha porque acha que vai conseguir fabricar pérolas no mesmo lugar em que nos protegemos e aí passamos a vida desconfortáveis com nosso próprio lar.

No sentido da pessoa escritora, sobre a mesma mesa estão seus papeis de anotações, seu computador, seus instrumentos de escrita e referências das mais variadas, porque depende do seu processo criativo, eu tenho lápis de cor que não uso para escrever mas adoro ver as cores deles porque isso me ajuda a pensar, pois bem, mas na mesma mesa, está o tripé que a autora segura o celular para gravar por horas um vídeo de 2 minutos que colocará numa rede social que será visualizado por 10 segundos. Ao lado do tripé, alguns livros empacotados na esperança de vendê-los, mas que ainda não aconteceu. Na mesa deposita-se a cobrança de sucesso, a cobrança de realização e sonho. Todos os grãos de areia que cortam a pele e te fazem ter a mesma sensação afiada de se perder.

Quando sai de minha concha, eu me perdi, porque eu nunca tinha olhado pra ela. Nunca a tinha percebido em sua forma, naquilo que a compõe e a torna meu lar seguro. As exigências do mundo confuso e em crise apaga as conchas porque as põe em julgamento.

Cada um tem a sua, porque a concha é isso que nos faz nos encontrar consigo mesme. Para minha mãe, a sua concha é a Arte. E não digo isso de forma romantizada. Depois de anos sem se conhecer, depois de décadas de silêncio, ela se conheceu como uma pessoa falante, extrovertida, não mais julgada nem subjugada à um homem, a um casamento ou qualquer outra exigência do gênero que a tolhia de ser como ela queria ser. Ela se perdeu de si e me disse, hoje mesmo, que ela tem medo de se afastar do meio artístico porque é nas experimentações com a cerâmica, com o barro, com várias formas de expressão artística que ela consegue se comunicar como ela mesma. A Arte é sua concha e, agora, apresentado seu TCC, tem medo de perder sua concha e se esforça para mantê-la por perto.  

Eu, depois de muito tempo perdida, depois de várias experiências traumáticas de exposição a público, de autocobranças de extroversão desmedida, eu consegui, finalmente, reencontrar a minha concha. Tive dificuldades em reconhecê-la porque num mundo de exposição, a solidão é um erro.

Foram anos para compreender que meu recolhimento era, na verdade, a minha concha. E isso não era um problema. Gostar de estar sozinha, ser solitária, não significa que se é triste, que ninguém te ama, ou que você não tem amigues, ou que você é egoísta e narcisista a ponto de querer estar completamente sozinhe. Tão pouco significa que você estará trancada num quarto chorando sozinha ou que precisará estar em casa sozinha. Essa concha que é a solidão é daquelas que te faz andar de ônibus observando o mundo tranquilamente, que te faz ir ao cinema sozinha, que te faz assistir uma série sozinha aproveitando apenas o silêncio, sua companhia e a vontade de observação. 

O quanto cobramos até mesmo das pessoas extrovertidas que elas estejam em companhia de alguém e conversando o tempo todo? Por que jogamos sobre as pessoas solteiras um peso gigantesco de negatividade sobre a solidão? Por que é ruim estar sozinhe?

Eu nunca entendi isso. Claro, às vezes eu sofro por estar sozinha porque eu queria estar no rolê. Mas esse sofrimento não é por estar sozinha, mas por estar frustrada, por querer algo que naquele momento não é possível. Mas, a solidão, o estar só, não deveria ser um problema. Como vamos nos conhecer se também não tivermos momentos de solidão?

A acidificação que Lis falava dos oceanos, aqui, neste episódio, são as exigências de exposição pública, que desequilibram o ambiente tranquilo da pessoa introspectiva. Cada um tem um diferente grau de sensibilidade e isso faz todo sentido para nós humanos. Para saber de que é feita sua concha, é preciso entender o que é essa acidez do ambiente que a corrói.

No meu caso, talvez por uma infância cheia de brincadeiras solitárias na roça, em que eu ouvia apenas a minha voz, e por mais mil motivos que eu ainda não consigo identificar, a interação social exige um esforço que drena minha energia. Hoje eu tenho várias conchas, porque são várias as formas de exaustão. 

Muitas dessas conchas eu peguei por aí, alguém a perdeu e eu encontrei. E serviu direitinho. O lugar do conforto é aquele que nos acolhe, que nos protege e que vai ter a forma daquilo que mais necessitamos para determinado momento. Uma pessoa introspectiva ou esquisita, como a Lis as chama em seu texto, terá diferentes conchas, pode ser uma ou várias, pode nos acolher no retorno de uma exposição pública que nos é difícil, ou pode nos acompanhar durante essa exposição, afinal, tem certas atividades que a gente só precisa tirar a cabeça pra fora da concha e manter a bunda quentinha.

Há uns dias estava com este amigo introspectivo que contei sobre o uber assistindo aos últimos episódios de I promised You the moon, que é uma série tailandesa maravilhosa sobre o relacionamento de dois rapazes que se conheceram na infância e as mudanças na vida adulta. Pois bem, houve um momento em que comentamos que “ele precisa dizer o que ele sente, expressar o que sente para o outro”. Fui dormir com isso em mente, porque como se expressa um sentimento que não se sabe o que está sentindo? Autoconhecimento é uma palavra que ganhei ranço por causa de coaching e falsos psicólogos, mas que sempre retorno para diversas situações na vida. Não se produz arte sem se saber o que se quer da arte; não se fala sobre determinado assunto em público se você não sabe o que pensa sobre esse assunto; não se explica sentimentos em palavras se você não sabe o que está sentido ou como você sente. Porque reduzimos os sentimentos a manuais e eles definitivamente não são simples assim. Ter medo não é o mesmo para todas as pessoas, ter insegurança não é o mesmo, e não falo nem do objeto a que se tem medo ou insegurança, de que se tem esse sentimento, mas a forma como você sente a forma como você expressa o que sente. 

Por isso achar a sua concha ou cuidar dela é tão difícil, porque primeiro você precisa reconhecê-la, e para reconhecê-la precisará se conhecer, conhecer o que te conforta em determinadas situações.

Depois de muito me perder, compreendi que migro de concha em concha, às vezes estou em uma grandona que cabe minha família, noutra que cabe amigues, mas tem uma, a que sempre retorno, porque é minha casa principal, a única que eu muitas vezes resisto a habitar porque ainda me é difícil admiti-la como um centro de segurança, essa minha concha é a solidão, essa minha concha sou eu. 

Encerramento

Taí! Encerrando mais um Não Pod Chorar. Gostou? Não Gostou? Fala com a gente. Você pode entrar em contato com a gente através do nosso e-mail, que é naopodtocar@gmail.com, ou dos nossos perfis pessoais e oficiais, que estão todos linkados na descrição completa deste episódio, na postagem original, em notamanuscrita.com.

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Por hoje é isso, se nada der muito, mas muito, muito errado, semana que vem, a gente tá de volta. Valeu! Falou!

Comentados

– [livro] Na volta a gente esquece, de Fabiana Pedroni, em pré-lançamento até 20/09/2022;

– [newsletter] 20.000 Histórias submarinas, de Lis Vilas-Boas;

– [texto] 20.000 Histórias Submarinas – #12 Conchas;

– [livro] SOUZA SANTOS, Boaventura de. A cruel pedagogia do vírus. Coimbra: Almedina, 2020.

– [vídeo] Autoficção e memória, com Moacir Fio e Fabiana Pedroni;

– [série] I Promised You The Moon (por motivos de segurança não indicarei o link de visualização da série, mas é só buscar em fansubs);

– [noveleta] A morte do vizinho da serra elétrica, de Rodrigo Hipólito;

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