Texto de Rodrigo Hipólito
Nos últimos anos, tenho deixado minhas leituras mais organizadas. Por leituras, considero não apenas contos, revistas, livros de ficção e não ficção. Incluo, como leituras, filmes, séries, podcasts, novelas e quaisquer outros meios. É óbvio que não é possível inserir todas as produções lidas em todas as mídias. Há informações que passam por mim sem que eu consiga organizá-las antes de digeri-las.
O que eu tenho feito é mais simples e prático: uma planilha. Parece chato e, provavelmente, é. Mas, não tenho disposição para criar perfis em mais redes sociais, como Good Reads, Letterbox, Skoob ou qualquer outra. Nenhuma delas me parece interessada em simplificar minha tarefa de apenas registrar, em ordem, as minhas leituras do ano. Não quero fazer uma avaliação detalhada ou mesmo uma resenha superficial da grande maioria de coisas que eu leio. No entanto, quero que elas estejam registradas, pois vou esquecer que as li e, em algum momento, precisarei fazer uma busca simples e constatar “Opa! Já li esse negócio e nem me lembro. Melhor voltar a me esquecer.”.
Além disso, nem sempre eu quero que os trabalhos que eu leio gerem interação. Leio muita coisa que não recomendo e não tenho o interesse de divulgar. São livros, filmes, contos, podcasts, séries, artigos, dissertações e teses que, caso eu fosse levado a fazer uma singela avaliação pública, seria um comentário negativo. Comentários negativos não costumam ser recebidos com sorrisos, por mais educados que sejam e, até mesmo, quando cumprem todos os requisitos para serem considerados como uma “crítica construtiva”. Nos espaços públicos da internet, não querer comentários negativos faz todo o sentido. Quando sempre, será uma estupidez deixar um comentário ou avaliação negativa sobre uma leitura.
Quando algo é tornado público, não existe “desrrecomendação”. Por isso, eu prefiro evitar dois tipos de desgaste: (i) divulgar algo que não me agradou; (ii) gerar atrito com pessoas autoras que, quase sempre, estão em um barco próximo ao meu. Eu gosto de comentar os motivos de não ter gostado de uma leitura. Mais do que isso: não quero ser obrigado a parecer agradável e me justificar. Algumas vezes, eu quero apenas xingar um livro, ou um filme, e ameaçar processar as pessoas criadoras para ressarcirem meu tempo de vida gasto com aquilo. Mas, prefiro fazer isso com pessoas com quem eu gosto de conversar e sem a presença das pessoas que, obviamente, eu não pretendo processar.
Depois desse rodeio, volto para a minha listagem de obras lidas.
Em 2022, decidi fazer um fio do Twitter apenas com os trabalhos que eu gostei de ler. Além da intenção óbvia de compartilhar parte da minha lista de leituras do ano, esse foi um exercício pessoal. Esse fio funcionou como um lembrete para que eu revisitasse minha lista de leituras e pontuasse quais valeram a pena. Pra que isso?
Acontece que, quando você se interessa em produzir nos mesmos campos do seu entretenimento, a diversão também é pesquisa. Isso poder ser meio complicado, pois tentar separar pesquisa e entretenimento, nesse caso, é uma receita para a frustração. Ao mesmo tempo, não se preocupar em fazer distinções também pode estragar tudo. Há muitos trabalhos que eu leio por recomendação de pessoas da minha área, ou como uma rotina para compreender formas, estilos e tendências, para adquirir ferramentas e saber usá-las, para expandir meu vocabulário estilístico, ou apenas para ser capaz de identificar com mais tranquilidade o que me agrada e o que me desagrada.
Alguns desses trabalhos me deram leituras das mais instigantes, outros foram apenas desgaste, esforço sem prazer. Nesse segundo grupo, encontro trabalhos que, apesar de maçantes, quando se foram, deixaram alguma recompensa em cima da mesa. Um acordo frio, mas eficiente. Duvido que voltem.
Mas, há os casos em que, além de não serem prazerosos e darem trabalho, não pagam o esforço (ou pior, te tiram algo ao saírem e, muitas vezes, você só vai perceber o furto quando chegar na próxima leitura e sentir que perdeu alguma coisa). Na mistura entre pesquisa e entretenimento, foi a percepção desse desgaste que começou a me incomodar além da conta.
Nesses processos de ler e escrever, a gente pode se perder em quantidades. Quando decidir fazer o exercício de separar as leituras que me agradaram, esse era um dos meus receios. Não deu outra. Ficou evidente que menos de 1/4 do que eu li, durante 2022, entraria na lista com a etiqueta “gostei”. Os outros 3/4 ficariam com as etiquetas de “não gostei”, “socorro, mandem ajuda” ou pior, sem etiqueta. A maioria das leituras serão quadradinhos perdidos nas planilhas do tempo não vivido. São aquelas centenas de horas do trabalho diário das quais você não se lembra.

Fundo amarelo claro com silhueta de lhama dourada dentro de círculo dourado à esquerda. À direta, lê-se Lhama de Ouro 2022, em letras douradas, vazadas, em estilo manuscrito.
Pra não terminar esse texto com uma mensagem desalentadora, fique com o Llama de Ouro 2022. Pra me livrar um pouco do incômodo de ter lido tantos trabalhos esquecíveis, decide a eleição das melhores coisas que eu li e assiste durante o ano.
Quem vota? Eu. Quais os critérios? Os meus. A lista quase completa de indicações você pode conferir aqui.
Vou excluir da competição dos clássicos e priorizar obras desse ano. Mas, posso eleger obras de anos anteriores. Afinal, o que é uma data?
As categorias do Llama de ouro 2022 são: melhor filme, melhor série, melhor novela, melhor narrativa longa de ficção, melhor narrativa curta de ficção. E chega, porque nem existe tanta categoria assim.
Melhor filme
Marte um (2022).
Direção e roteiro de Gabriel Martins e produção da Filmes de Plástico.
Melhor série
Nossa bandeira é a morte (2022).
Criação de David Jenkins, com direção de Taika Waititi, Nacho Vigalondo, Fernando Frías, Bert & Bertie e Andrew DeYoung.
Melhor novela
Pantanal (2022).
Criação de Benedito Ruy Barbosa, adaptada por Bruno Luperi, com direção de Davi Lacerda, Noa Bressane, Roberta Richard, Walter Carvalho e Cristiano Marques e direção artística de Rogério Gomes e Gustavo Fernandez.
Melhor narrativa longa de ficção
a história termina com um carro vazando óleo no fundo do lago de um pesque-pague abandonado, de Paula Gomes (2021).
Melhor narrativa curta de ficção
Ruínas, de Luísa Montenegro (2021).
Lançada na Escambanáutica, ano 1, número 4, da Escambau Editora, com edição de Moacirfio e Thyago S. Costa e ilustração de Brendda Maria