[crítica] Mikhail e não se levantou?

Sobre “Os menores ossos do meu corpo”, mostra de Mikhail von Chasen, na Galeria Amartelo. Por Eduardo de Queiroz. Publicado originalmente no Blog “Fotos e Fiados”, novembro de 2001.

Em uma era em que as esferas da arte contemporânea deveriam servir como veículo para a reflexão e diálogo sobre os atravessamentos e disrupções entre diálogos antes em aprofundamento, a recente exposição de Mikhail von Chasen emerge como um exemplo lamentável de prepotência e desapego. Navegando por salas quase completamente desprovidas de elementos, o visitante é submetido à monotonia de esculturas diminutas que adquirem significado apenas nos raros momentos de encenação por parte do artista. Esses momento ocorrem, convenientemente, no meio da tarde, a chamada “hora dos herdeiros”.

A exposição de von Chasen ecoa o minimalismo, mas sem a sofisticação de um Donald Judd ou Dan Flavin. Suas composições monocromáticas e austeras parecem retiradas de um jogo de xadrez para seres de dimensões subatômicas. O resultado é, em última análise, uma banalização da estética minimalista, um movimento que outrora cativou pela sua exploração da simplicidade e dos processos de desumanização industriais, como portal para contemplações profundas.

Vista da exposição “Os menores ossos do meu corpo”, mostra de Mikhail von Chasen.

Vista da exposição “Os menores ossos do meu corpo”, mostra de Mikhail von Chasen. Fotografia em preto e branco, muito escura e em baixa definição de um elemento arquitetônico interno pouco definido. Na parte esquerda, a imagem está em preto, tornando-se mais clara para a direita. Ao centro, uma forma paralelepípidica parte do meio da imagem, como se estivesse ligada a uma parede, e segue em diagonal para a parte inferior direita. Entre a base da parede e da forma paralelepípidica, forma-se um ornamento de gesso retilíneo que acompanha os encontros da parede com o chão.

As performances, embora anunciadas como momentos de iluminação artística, desvendam-se como eventos que carecem de originalidade e da força do presente. Em alguma medida, nessas situações, é como de o artista não estivesse presente. Observar o meticuloso reposicionamento de esculturas microscópicas, sob o olhar concentrado de von Chasen, assemelha-se a presenciar um esforço vão de atribuir grandeza ao ilegítimo.

A exposição é uma ode à repetição entorpecente e inebriada de si, similar ao que é oferecido pelas instâncias de um certo artista notório, Félix González-Torres. No entanto, enquanto González-Torres alcançou a transcendência por meio de sua meditação sobre temas universais como o amor e a perda, von Chasen sucumbe a uma estéril e monótona repetição que deixa os espectadores não apenas entediados, mas também questionando o significado subjacente desse avesso do espetáculo.

Vista da exposição “Os menores ossos do meu corpo”, mostra de Mikhail von Chasen.

Vista da exposição “Os menores ossos do meu corpo”, mostra de Mikhail von Chasen. Fotografia em preto e brando de baixa definição que mostra uma parte preta do lado esquerdo e outra branca do lado direito, com uma textura granulada em cinza ao meio da imagem, onde as duas cores se encontram.

É de se lamentar que em tempos de profundas disrupções sociais e crises, a exposição de von Chasen permaneça desprovida de qualquer engajamento com questões contemporâneas. Enquanto artistas como Ai Weiwei e Jenny Holzer incorporam de maneira profunda as complexidades do micro e do macro, entre o olhar histórico e a “massagem” dos novos meios, von Chasen parece mergulhado em uma bolha de riqueza e esnobismo.

Vista da exposição “Os menores ossos do meu corpo”, mostra de Mikhail von Chasen.

Vista da exposição “Os menores ossos do meu corpo”, mostra de Mikhail von Chasen. Fotografia em preto e branco de baixa definição, bem desfocada, que mostra uma linha escura se espessura variada que atravessa a tela com ligeira inclinação subindo da esquerda para a direita, bem próxima a base da imagem. A parte inferior é branca e a superior, acima da linha preta, é mais acinzentada, mais pixelada e parece manchada em dois pontos. Uma mancha elíptica próxima do centro, deslocada para a direita, maior que duas outras manchas circulares, deslocadas para a esquerda em relação ao centro da imagem.

Em suma, a exposição de Mikhail von Chasen representa um beco sem saída na sua exploração da arte contemporânea. Não acredito que ele possa se reerguer depois dessa demonstração de insipiência. A arte deveria desafiar, inspirar e provocar reflexões significativas, mas a obra de von Chasen sucumbe ao esquecimento e à vacuidade. Para aqueles que buscam uma experiência artística que transcenda os limites do superficial, é aconselhável olhar além dos holofotes do momento e em direção aos artistas e obras que verdadeiramente dialogam com as complexidades do nosso tempo.

[para mais informações sobre as consequências desse texto, escute o Descriarte podcast]

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