Caderno de Anotações, p. 92, 09.01.2012.
O primeiro cigarro bem tragado costuma deixar um desagradável gosto amargo na boca, que logo deixa de ser desagradável, embora continue sendo amargo. Querer desamargar o que há de bom resulta numa frustração misteriosa. Aceitar e conduzir o amargo iguala-o ao doce e virtualiza a cambaleante decisão de errar. Tratar-se-ia de um processo de passagem para o mesmo? Se deve ser possível esse mundo, ele apenas deve ser possível. Assim foi pensado em lhe dizer Aurora, que a base da realidade é a decepção. Havia antes ali um pássaro, haveria agora apenas uma sombra? A imaginação cresce para dentro e para fora e a certeza é a constatação do cansaço e da desistência. Quanto mais forte o abrigo do velho, mais forte serão a chuva e o vento. Sobre a areia ou em suspensão, tende o abrigo a desfazer-se na intempérie, pois esse mundo é o mundo que lhe abriga e o abrigo do homem somente pode passar, somente pode desfazer-se. Se algo há, e não antes o nada, somente há algo no momento em que desaparece, pois desaparecer é a base da existência (não fosse assim, não seria concebível, eis a razão para a esperança ser a grande responsável pelo obscurecimento do mundo). O tempo tende a mudar e surpreender, pois esse não é nosso domínio, em verdade ele nos domina e nossa atitude será sempre o perecer. Crer nas sobras é uma oração, e também leva à confusão. Nada resta quando concebe-se o que é o pensamento vivo. Para adiante vejo a loucura, para trás a plenitude enganosa, aqui não há como ver. Eis a razão para a espera ser vã, ainda assim, espera-se. E…