Esforço para integrar métodos de construção textual subjacentes ao desejo de erigir uma linguagem própria

Apontamento I, pp.40 a 42, 18.01,2012.

 De que modo constrói-se um texto? Como as palavras justapõem-se e caem da mente ao papel em branco (ou verde, ou rosa, ou)? O pensamento vem mesmo antes da escrita e da fala?

Será que o domínio dos recursos linguísticos são é suficientes? É possível construir sem acolher os conhecimentos gramaticais e lexicais? As mãos e a língua são soltas, livres, e a sabedoria é só uma corrida atrás da expressão, que vai sempre à frente? É assim que se faz poesia?

Ao que parece, há mais perguntas que métodos.

“Por discurso, entende-se toda atividade comunicativa, produtora de efeitos de sentidos, entre sujeitos situados social e historicamente, interlocutores em relações interacionais. Se os fatos de linguagem têm caráter social, o texto, através dos quais se depreende o funcionamento do discurso, é o processo/produto pelo qual se dá a interação. O discurso se materializa e se manifesta lingüisticamente sob a forma de textos” [1]

Questionando-me sobre um modo eficaz de apreender e expandir o campo de atuação do meu discurso, notei algo que me incomoda: o sumiço repentino de palavras. Quando preciso delas para materializar o discurso, elas fogem para um espaço além do corpo-mente-cidade-universo. Não se trata de “perder de vista”, mas de pura autoconsumação. O único modo de tentar resgatá-la antes do último suspiro é olhando num dicionário de sinônimos (isso se ela num não carregar consigo suas irmãs). Há, ainda, outro…fato… não é um modo porque eu não[2] o pressuponho. Trata-se do louco insight. De acordo com Michaelis, na ausência do amigo Houaiss, que está de férias por tempo indeterminado, insight quer dizer “conhecimento intuitivo repentino para a solução de um problema”. Puxa-se, então, por uma linha fina e frágil a palavra que vai se desvanecendo.

Como este processo ocorre? Vamos a um exemplo curioso e ordinariamente irritante. Conversando com um grande amigo, sobre o significado específico de um termo por ele utilizado num trabalho acadêmico (formalismo morfológico), construí uma frase que é o tema desta memória (apesar da discussão sobre formas e origens serem de extrema relevância, bem como minha tendência a formular frases gigantescas de “perder de vista”): “minha memória é realmente traiçoeira. Sem a necessária confiança, atenho-me aos significados das palavras de modo individual. O que é formalismo? O que é morfologia? Pondero os limites e os encontros por medo de sobrepor coisas imisturáveis”.

Então que o insight põe-se a trabalhar: “i…imisturável… imisturável? Isso existe?” pausa branda para percorrer o vazio do espaço relacional. “imiscível”. Pausa curta e violenta. “Que maldito imiscível é esse?!” Desculpe o linguajar que habita unicamente o pensamento.

Nessas ocasiões, recorro ao Michaelis: “imiscível – i.mis.cí.vel – adj (lat immiscibile) Que não é suscetível de misturar-se.” Conclui-se, pelo menos nesta memória, o processo com a frase de meu amigo e minha posterior resposta:

_ Percebo um direcionamento para o acertado, minha cara… e sempre uma conclusão positiva. Com um glossário de tamanha extensão, era de se esperar que as palavras lhe viessem por vias turvas… E você, com tamanho arsenal, fica a remoer-se e dispensar força mental sem precisão…Tome tento moça!…

_ Sim, meu caro… às vezes, sem grande esforço, busco acatar suas sugestões e opiniões, mas, neste caso, vejo a impossibilidade de tomar tento. Meu objetivo maior é falar, a priori, “imiscível”, e não deparar-me com uma qualidade escorregadia de “imisturável”.

Tem-se por finalizado o processo, mas não sua origem. Somente a título de curiosidade e esperança em entender de que modo dá-se a construção das ideias primordiais relativas à intuição repentina que traz o vocabulário à tona: Posteriormente, ou melhor, Posterior à despedida, veio outro insight: “substâncias imiscíveis”. Num jogar da linha frágil, junto veio a “química” e “água e óleo”. Com ajuda virtual, o oráculo Google me disse a origem (filme muito bom): “Decantação de líquido-líquido: separam-se líquidos imiscíveis com densidades diferentes; o líquido mais denso acumula-se na parte inferior do sistema. Em laboratório usa-se o funil de bromo, também conhecido como funil de decantação, ou ainda, funil de separação. Num sistema formado por água e óleo, por exemplo, a água, por ser mais densa, localiza-se na parte inferior do funil e é escoada abrindo-se a torneira de modo controlado. A decantação pode ser feita de uma maneira mais rudimentar, utilizando-se um sifão (sifonação)”.[3]

Pronta para dormir, com caso solucionado e a descoberta de um novo termo poético: seres imiscíveis – seres curiosos que não se misturam, mas vivem se provocando pelos limites.

Agora, a pergunta que não quer calar: sobre o que mesmo é era este texto?


[1] CALLES, Diva Cleide. Procedimentos de construção textual na seção A Semana da revista Carta Capital. In: Revista Letra Magna. Ano 01, n.01, 2004. Disponível em: www.letramagna.com/divacleidecalles.pdf

[2] Acabo, neste instante, enquanto digito o que estava no caderno de anotações (Apontamento I) de ter outro insight: Topoi.

[3]  Processo de decantação in: http://pt.wikipedia.org/wiki/Decanta%C3%A7%C3%A3o

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