Texto de Rodrigo Hipólito
Caderno de Anotações, p. 122, 10.02.2012.
Áreas restritas. Não haveria descrição melhor para os cercados que surgem grosseiros ou maquiados em praticamente toda a metrópole. Cercados feitos de concreto, por vezes encobertos por ramagens em verde escuro praticamente sem contraste com as copas das árvores resistentes utilizadas na paisagem urbana como modo de controlar a esterilidade aparente da crueza sólida e seca (às vezes áspera) de nossa habitação. Ainda um acréscimo: GRANDES áreas restritas. Quando falamos de regiões ocupadas pelo movimento de tanta gente elétrica, como é a cidade qualquer, a dimensão dos limites, ou sua extensão, seu peso ou seu volume, são fundamentais na descrição. E essas grandes áreas restritas, quando assim chamadas, talvez não devessem ser consideradas como áreas, pois a elas não se tem real acesso. Temos acesso, como massa trafegante que somos, a limitação.
São grandes tobogãs verticais moldados nos terrenos mais inóspitos (de pântanos a terras esfarelantes). Seja com tijolos aparentes, chapiscados de cimento, com blocos de concreto, com filetes pré-moldados, arame farpado, guaritas coloridas, pichações sobrepostas, cobogós falsos ou puro metal, os grandes muros escondem grandes fábricas, protegem reservas ambientais, ou condomínios do tipo, cidade-dentro-de-cidade. Para além dos muros a urbanidade não avança. Pode mesmo haver urbanidade do lado de dentro dos grandes muros, mas será sempre outra. O corte da passagem é o cárcere corporal.
Entenda-se que este bloqueio deve estar também para a visão, pois ver estende nossos sentidos. Quando vemos, temos o objeto de nossa visão. Diante de um muro cinza que se constrói metro após metro até perder-se no horizonte, o suprematismo exerce sua mais gloriosa característica: expande a reflexão cortando-lhe a condição reflexiva anterior. Os grandes muros são dos bons responsáveis pelo retorno à interioridade. O grande muro é um laço que guia a via. Quando caminhamos pelo traçado, margeamos essas muralhas; pois assim como os muros obedecem as geografias despretensiosas, as vias de nossa cidade (e consequentemente nossos sentidos) obedecem às restrições da área amurada.
Alguma diferença há, ainda, entre os muros que cercam as grandes fábricas e reservas ambientais e os muros que cercam as cidades-dentro-de-cidades. Ocorre que, no caso dos grandes condomínios, enxergamos os edifícios aos quais não temos acesso imediato e, mediatamente, por retornarmos ao nosso ponto de existência referencial na faixa suprematista de concreto, colocamo-los como outra cidade, outra urbanidade, outro corpo. No caso das grandes fábricas, costuma-se prezar por uma distância verde entre o muro e as estruturas da fábrica. Esse segundo distanciamento leva o observador “restringido” a igualar a murada fábrica com a reserva ambiental. A extensão verde seria ainda outro corpo, porém, nele não há tráfego humano, e por isso (certamente outras características são consideráveis, mas serão aqui ignoradas, pois tratar de todos os limites tornaria a extensão desta empresa o próprio limite do leitor, além de ser impraticável tal tratamento), colocamos essa murada verde em categoria distinta do corpo urbano que é hábito nosso.