[resenha] Notas sobre “Arte Depois da Filosofia”, Kosuth

[KOSUTH, Joseph. “Arte Depois da Filosofia”. In: FERREIRA, Glória. (org). Escritos de artistas. Anos 60/70. Rio de Janeiro: Zahar, 2006.][1]

Caderno de Anotações, p. 008, 05.04.2013.

Kosuth distingue a filosofia tradicional das filosofias dos séculos XIX e XX (fala especificamente da virada linguística). Finca em Hegel a marca do início de um pensamento do “dito” e contrapõe a produção filosófica sequente com a filosofia do “não-dito”, o que engloba todo o universo anterior.

Após Hegel os filósofos teriam sido convertidos em historiadores da filosofia, mas sem se aperceber do fato. E com Wittgenstein a problemática da filosofia se encerraria no encontro de seus domínios, isto é, na condição de dizer um significado. A execução das atividades desse campo circunscritos por Wittgenstein estaria em diante no universo da Arte. O que Kosuth pretende fazer é elaborar as bases da arte conceitual, ou, no mínimo, o modo como chegou a tal arte e o que lhe conjugaria com outros artistas assim chamados. [lembremos que o autor escreve esse texto em um momento de juventude, isso talvez sirva para que passemos desapercebidos pela subestimação do existencialismo e da fenomenologia. Estes, aparentemente não conciliáveis, principalmente nos domínios os quais Kosuth propõe serem próprios da atuação da arte, são em verdade pareados. O ataque ao psicologismo e o pedido pelo encontro verdadeiro com a linguagem são compartilhados pelos analíticos, pelos fenomenólogos, e também pelos existencialistas].

p. 009.

O autor argumenta para separar, ou desfazer a conexão, criada historicamente, entre Arte e Estética, pois a Arte, não pertenceria ao campo estético, mas apenas guarda o fato de funções que envolveram sua condição de arte por toda a história estarem conectadas com o julgamento estético. Daí o surgimento da crítica ao formalismo morfológico como propagador de “exercícios estéticos” como se fosse arte. [compreender o aspecto decorativo ou o ornamento como uma característica de função puramente estética e mais um dos pequenos equívocos de juventude que surgem no texto de Kusuth e inevitavelmente influencia toda sua defesa do conceitualismo extremo] Haveria apenas o mínimo esforço criativo na produção formalista. O valor dessa produção seria dado exclusivamente pelo gosto do crítico, sua colocação no universo da arte por tradição (reconhecimento de tipicidade) e pelo argumento da autoridade que diz ser arte.

 p. 010.

[Nessa crítica ao entendimento da morfologia como parâmetro para determinações do sentido de arte, Kosuth não parece perceber que os argumentos que utiliza atingem os críticos formalistas, mas não os artistas e as obras. No entanto, condena as obras e os artistas como se eles em princípio representassem a compreensão dos críticos formalistas. Isso aparentemente impede o autor de enxergar a produção pré-1960’s por outro viés que não o da crítica formalista. Certamente devemos sempre ter em mente tratar-se aquele de um momento de marcação de posições em que tanto críticos quanto artistas, ou galeristas e colecionadores, necessitavam construir diferenciações mais firmes para guiar sua própria atuação no sistema da arte]

Kosuth afirma que o uso dos parâmetros morfológicos determina as possibilidades de questionamento dessa arte (ela jamais se perguntaria sobre sua natureza, pois a aceitaria de tradição). “Toda a arte (depois de Duchamp) é conceitual (por natureza), porque a arte só existe conceitualmente” (p. 217).

O “valor” de uma obra de arte seria dato então pela sua capacidade de propor visão sobre a natureza da arte. Com esse foco o autor pode afirmar que a manutenção de uma obra de arte no tempo se dá pela sua capacidade de influenciar as concepções de arte e obra posteriores. O contrário disso são documentos históricos, mesmo as mais famosas obras primas. Daí sua afirmação de que o valor de uma tela de Van Gogh é o mesmo que a de sua palheta (p. 219).

 p. 011.

“Uma proposição é analítica quando a sua validade depende unicamente da definição dos símbolos que ela contém, e sintética quando a sua validade é determinada pelos fatos da experiência” (p. 219) [in: A. J. Ayer. Language, Truth and Logic. NY: Dower, 1946, p. 78].

A frase de Ayer serve para despertar por Kosuth a analogia entre uma obra de arte e uma proposição analítica (base de seu discurso), pois a capacidade de dizer algo de uma obra de arte não estaria ligada a sua condição estética nem a qualquer contexto outro que não o do próprio universo (sistema, mundo) da obra. Desse ponto Kosuth pode afirmar que toda a obra de arte é uma tautologia: obra de arte é uma definição de arte (p. 220).

[Dentro das considerações de Kosuth isso é verificável, mas, sejamos injustos. Caso consideremos os avanços teóricos e as proposições seguintes, ou mesmo contemporâneas ao texto (o “propor propor” de Oiticica, por exemplo) percebemos que o que Kosuth não pode identificar é que o desenvolvimento da arte foi capaz de juntar os cacos, rizomaticamente, do analítico e do sintético, e que talvez sempre tenha sido o que chamamos automaticamente de “poética”].

06.04.2013.

Kosuth tenta justificar a impossibilidade de a arte ser mostrada como uma proposição sintética com um ataque a subjetividade como conteúdo. [O autor condena a self-expression com um pressuposto injustificado de que isso seria útil apenas para aquele que produz a expressão, enquanto condena a arte “realista”, representativa, por atirar a obra para fora do campo de verificação exclusivo da arte. Essa contradição no discurso de Kosuth aponta para o fato de o autor não se equivocar nos seus argumentos, mas sim na relação entre seu objeto e seus pressupostos]

p. 012.

Na sequência o texto distancia a arte da função visual, que já é exercida por tantos outros modos de produção da civilização. O visual não seria domínio da Arte.

“Considerar as partes de um conceito é, invariavelmente considerar aspectos irrelevantes para sua condição artística – ou como ler partes de uma definição.” (p. 224). [Enquanto afirma a não relevância do “colecionável” e do “colecionador” para as determinações da obra e da arte, Kosuth admite que o entendimento dos cubos de Judd como arte depende de uma prévia consciência de que se irá encontrar arte].

As obras em categorias (pintura e escultura) apareceriam como partes inúteis de uma definição, arte. “Em última análise, contudo, todas as artes tem apenas (nos termos de Wittgenstein) uma semelhança de família.” (p. 224).

Ao fim da primeira parte do texto o autor toma o ideal histórico de que a religião haveria substituído a filosofia no papel de dizer o espírito da humanidade e nesse momento a arte tomaria o lugar que lida com o “além física”, a metafísica. (p. 225-226).

p. 013.

[A segunda parte do texto de Kosuth começa quase como uma desculpa para a primeira. O tom de manifesto desaparece e surge a ideia de que esse artigo procuraria “justificar” a arte conceitual, não evidenciar um movimento]

Kosuth aceita que a chamada “arte conceitual” possa ser uma tendência, porém, que a crítica utilizaria para demarcar essa tendência características que não correspondem aos fundamentos da arte conceitual. Parecia ser o sentido de imaterialidade dessa arte que predominava na crítica do momento. O autor mantém e justifica a afirmação de que o uso ou não uso desse ou daquele objeto na obra de arte não está ligado a sua determinação como arte.

Em seguida, Kosuth encadeia e nomeia artistas do período por grupos. Cita os nomes de Douglas Huebler, Robert Barry e Lawrence Weiner como conectados às suas realizações, mas os separa do que consideraria arte conceitual pura. A pureza estaria em Terry Atkinson e Michael Baldwin, também em On Kawara e no Art&Language (Atkson, Baldwin, David Bainbridge e Harold Hurrell). Separa alguns artistas que estariam nos primórdios e influenciaram inclusive seu trabalho de outros que, mesmo associados pela crítica, estão distantes da arte conceitual.

A última parte do artigo é inteiramente dedicada a uma curta panorâmica da produção do autor, que pouco diz do que envolve suas realizações.

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[1] Esse texto é composto de anotações livres feitas a partir da leitura do referido texto de Joseph Kosuth, para o curso de “Histórica e Crítica da Arte Contemporânea”, ministrado pela Prf.ª Dr.ª Angela Grando, no Programa de Pós-Graduação em Artes, Mestrado em Artes, da Universidade Federal do Espírito Santo.

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