[crítica] Passeios suspensos

Cao Guimarães. Videoinstalação.

Fotografia da videoinstalação de Cao Guimarães. Pessoas sentadas diante da projeção de um vídeo que mostra uma bolha de sabão.

Texto de Fabiana Pedroni.

04.05.2013

16:05h-19:30h

Itaú Cultural, Paulista, SP. “Ver é uma fábula”, mostra de Cao Guimarães.

Tornei-me íntima de um universo que não é meu ao seguir aquela bolha de sabão. Cada quarto, cada parede vasculhada, cada degrau daquela escada, cada azulejo. Íntimos pormenores.[1] Depois me vi habitante de Brasília em seus relógios parados, no vento sobre a folha, no varrer do chão. Narrativas de uma visita inesperada. Dos pombos na praça, do senhor na estrada, dos passantes e dos degelos. Cidade quente que ainda vive em meu suor. O senhor chaveiro que em toda cidade parece nos esperar, na recepção de nova moradia, mesmo sabendo que ela já tem idade. Tem em seu caminho rastros de aranhas. Visão do dia comum, dos dias apresentados ao entorno de paredes negras. E eu espectadora de um habitar suspenso. Sinto-me tão próxima ao olhar de captação, aquele que também vê no balançar do metrô uma inspiração estranha e angustiante para o dia.[2]

Pensei: Eu deveria tirar uma foto do vídeo? De seus olhos? Talvez não seja necessário; assim que deixar as paredes negras desta sala, entrarei novamente em seu olhar. Andarei por São Paulo pensando em Brasília e lembrando-me de Vitória.

Na sala ao lado, um paralelo perfeito. Um salto para a existência em seu negativo. Um “lugar-entre”. Mais que antes, o olhar é o que confere existência ao espaço. Uma melancolia estranha de solidão ecoa entre o grilo e a orquestra vinda de outro vídeo da sala ao lado (Hypnosis, 2001)[3]. Estou de fato no entre. O canto dos brinquedos enferrujados ecoam forte no coração, nos deixa entre o querer ir embora e a necessidade de ter certeza de que ele parará de rodar sozinho. Difícil convivência forçada do Eu. Quando a solidão parece no limite da expulsão, duas pessoas entram na sala e se juntam a minha solidão. Agora mais um. Somos quatro, mas ainda um. Por um instante a percepção muda. Da visão do vazio, vem a visão da forma, do movimento. A solidão parece atenuada, mas apenas parece. Paisagens floridas e lindas, mas nada que a estética possa salvar. É difícil estar no Limbo.[4]

Uma reflexão pesada sobre a existência nos cantos enferrujados. E uma feliz organização do espaço expositivo permite que a última obra a ser vista, no alto da escada, seja aquela que confere um novo significado às gambiarras da vida.[5] Emendemos as preocupações com um tom de gargalhadas e voltemos à nossa Cidade habitada.


[1] “O Inquilino, 2010, 10min34seg, Brasil. Original: digital. O filme descreve a trajetória de uma bolha de sabão que examina as salas vazias de uma casa em reforma. Em suspensão permanente, sem nunca estourar, a bolha flutua de uma sala a outra, investigando cantos vazios e paredes destruídas. Todas as janelas estão fechadas, não há saída. A trilha sonora traz sons de casa vazia, presença humana e sintetizadores, imprimindo um aspecto psicológico à narrativa. […]” (Moacir dos Anjos (curador). “Ver é uma fácula”. catálogo da mostra de Cao Guimarães no Itaú Cultural, São Paulo, 2013,  p.25).

[2] “Brasília, 2011, 13min35seg, Brasil. Uma cidade desenhada e projetada só se torna uma cidade quando seus diversos elementos ganham autonomia, quando aprendem a falar por si, inventando uma gramática com suas próprias regras. Uma cidade torna-se uma cidade quando uma folha cai de uma árvore e reconhece o terreno em que pousou ou quando a cidade adormecida suspira quietamente a dor e o prazer da existência. […]” (idem, p.16)

[3] “Hypnosis, 2001, 17min30seg, Brasil. Original: super-8. A ilusão lisérgica de uma hipnose resolve-se no sereno suceder geométrico das formas. O páthos, neste minidrama geométrico, é criado pela cor em movimento e pelo langor repetitivo do martelar do piano. […]” (idem, p.20).

[4] “Limbo, 2011, 17min, Brasil. Original: digital. Um lugar fora do lugar, um lugar-entre. Um buraco no espaço e no tempo. Playground para os que vieram antes, os que se foram cedo. Eterno domingo de vento. […]”. (idem, p.22)

[5] “Mestres da Gambiarra, 2008, 31min15seg, Brasil. Original: DV. O Universo da improvisação e da gambiarra exercitado por três profissionais de diferentes áreas: um técnico do laboratório de biologia, um profeta e um neurocientista. […]”  (idem, p.23).

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2 pensamentos sobre “[crítica] Passeios suspensos

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