/raciocínios escorregadios ocorridos durante as conversas na pré-produção da exposição “Elementares” (Ana de Sena, Galeria Homero Massena, Vitória, 2014\
[razões pelas quais veio a dificuldade em desenhar, a dificuldade em escrever e a facilidade em esbarrar nas formas e nas palavras]
Convém que as coisas se percam. Espera-se que todas passem e é mesmo inevitável que assim aconteça. Cada peça, estranhamente recortada na madeira mais resistente, já enraizada e coberta pelo limo da infância, deve ser retirada do poço e exposta ao sol até secar e tornar-se pó. O vento cuidará do resto.
O que exatamente diria Alfred Jarry? Deveria encontrar um modo menos caricatural de ficcionar a vida? A realidade surge menos borrada e mais encadeada quando há um esforço para deixá-la passar?
Estratégias para expurgar o imaginário angustiante são o ponto alto de várias pataphysiques.
Rothko dizia que sua obra se abre e simultaneamente se fecha em todas as direções.
Baudrillard usa a fala do artista para nos lembrar do que é um fragmento: a menor totalidade possível [Robert Musil].
Essa menor totalidade possível permitiria uma continuidade em rede. Mas, continuidade não seria o termo mais apropriado, gosto mais de “plano-contínuo”. Uma coisa que não necessita de continuar, pois é uma espécie de retenção prolongada, um fechamento de um momento longo, terminado e visto novamente e novamente e novamente.
[não, não, isso é dar forma a uma coisa sempre inacabada. Aporia, a mais irritante das aporias]
Há um fragmento do tamanho de toda uma sala. Um fragmento em que é possível mergulhar.
[enxergo as ideias como átomos, como partículas aparentemente indissolúveis. Depois atiro as ideias para um mar de totalidades e enxergo o mar como uma nova partícula segura de si]
Tire instantâneos diários de si mesmo durante um ano, tente lembrar-se de todos ao final e talvez tenha uma vaga ideia do sujeito que se foi.
Queria sobrepor a doxa planetária e ter a forma das formas.
(…) só a forma ataca o sistema em sua própria lógica… Nosso imaginário é evolucionista, tudo é considerado como fase ou momento de um percurso. Se cada fase ou momento é considerado como sucessivo, ligado, contínuo, sempre orientado para uma finalidade ideal, nesse caso, todas as fases estão subjugadas à fase final… (B., p. 39)
Traçar esse percurso por inteiro, acima do risco de falhar, frustrar e ter qualquer esperança de que algo mais aconteça. Ao final, a densidade inefável que sustenta as formas cairá. Não haverá mais paredes e o espaço será o limbo.
[isso não deve soar como negativismo insensato. É bom que seja desfeito o feito e que o cansaço se autojustifique. Só tem graça se for possível perder. Só há recompensa se for possível um começo diferente, ainda que arraste todos os começos anteriores]
É assim que as formas se imprimem umas sobre as outras. É assim mesmo que a linguagem surge como vestígio, como rastro. É assim que os pensamentos de todos que já se foram retornam diante dos nossos olhos. Novamente, a morte geradora. (vimos algo parecido antes. Ou não, foi algo que escrevi e nunca saiu de sua forma primordial)
É como transpor a sensação de desenhar para a sensação de escrever. É como provar o mesmo sabor através de dois paladares. É como sentir dois pesos na mesma mão. É como saltar em suspensão. Talvez como ter vontade dormir, mas sem sono. É algo completo, porém enevoado, muito, muito difuso e que somente se deixa ver como a marca de uma luz repentina deixada na retina. A forma das formas.
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