[crítica] Melancolía e o embaçado da vida

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Texto de Fabiana Pedroni

Texto en español. Traducido por Germàn Caporale

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Chegou a hora de puxar angústia.

Chegou a hora. Mocidade velha, cansada, desnorteada, exaurida, quando chegaria enfim a tua hora? Quantos séculos de angústia coletiva te fizeram? [1]

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Quando fora, é fácil perceber o lugar de cada um. Quando dentro, não sei mais se existe cada nem um. O vidro que nos separa da experiência do outro, nos coloca em posição de investigador. Como se o sujeito que se imerge na obra não soubesse de minha presença. Talvez não saiba, talvez tenha sido engolido por esse espaço estranho e melancólico. Ao mesmo tempo em que observo o sujeito atrás do vidro, dou as costas ao outro escondido na penumbra, que observa um vídeo e escuta um áudio do qual sou excluída. Uma mesma instalação em tempos íntimos compartimentados que exclui outra presença pelo simples ato de sentar-se, acomodar-se e respirar melancolicamente.

A cadeira novamente se torna um objeto mágico. Uma ou três de Kosuth, ou seja lá quantas cadeiras forem, em Melancolía, ela parece ser o centro da periferia. Talvez algo menos exato, uma reversão de Shit in Your Hat — Head on a Chair, de Nauman. Não há exatamente um acomodar-se diante da tela. Tampouco um completo mergulho nela. Aquele estado de observação distanciada e diálogo banhado em modorra, que Fernando Sabino sintetiza no comportamento dos jovens sentados na praça da cidade, indecisos num tempo de mudanças pela expressão “puxar uma angústia”. É um estado em que a densidade da paisagem e do tempo faz duvidar sobre quem é aquele que observa. Talvez eu não esteja mais ali.

Como se à obra não pertencesse, mas ali nos fizesse companhia. Ponto chave para o devaneio, ela incita o embate entre o marasmo e o encanto que ainda resta no papel que temos de sujeitos dentro da obra (ou fora dela). Então devemos fechar a porta e permitir que cada um ocupe seu lugar, mesmo que agora ele seja apenas imaginário. Em poucos segundos, abriremos a porta ou alcançaremos o fone, e iniciaremos mais um rito melancólico de autorreferência a nossa própria existência dentro do mundo da arte. Mundo este que parece coabitar o corriqueiro pela chuva e pelas horas e por nossa própria existência desejosa de fazer parte de algo, mesmo que ainda sentados, apenas admirando.

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Estava sem óculos.

Nunca havia parado diante de um espelho sem meus óculos.

Não me reconheci naquela distância.

Não havia como saber quantos palmos montavam a distância.

A luz não emanava do aqui.

Havia um lá fora quase sujeito de tudo e outro sujeito escondido dentro.

Noutro dia às quatro da manhã pensei que gritar para a rua e acordar os vizinhos sem razão aparente seria uma bela demonstração de carinho pela vida que demora a passar.

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[1] SABINO, Fernando. O Encontro Marcado. Rio de Janeiro: Record, 1984, p. 237.

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Melancolía, mostra de Germàn Caporale no espaço de arte Naranja Verde  (Buenos Aires, setembro 2014).

[http://germancaporale.com.ar/]

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