[artigo] Alberto Greco e a Herança Informalista na Arte Argentina

Rodrigo Hipólito

Angela Grando

Artigo publicado nas Atas do Seminário Poéticas da Criação, 2018.  (PDF)

 

Resumo: A partir do retrospecto dos debates, nas fronteiras da modernidade, sobre a arte na Argentina, elencamos os elementos que demonstram a especificidade do contexto de surgimento das primeiras vanguardas locais, na segunda metade da década de 1950. Ante condições históricas específicas do cenário argentino, compreendemos as contradições em torno do surgimento do Movimento Informalista, assim como sua relevância para a continuidade da experimentação que engendra a arte contemporânea local.

Palavras-chave: Informalismo Argentino, Alberto Greco, Década de 1950, Genealogias da Arte Contemporânea.

Introdução

Em 16 de agosto de 1959, o diretor do Museu de Arte Decorativa Nacional da Argentina e primeiro diretor do improvisado Museu de Arte Moderna, Rafael Squirru, publica “Sobre o Informalismo”, no jornal Clarín (1959). O texto surge como uma resposta e uma tentativa de compreensão de um movimento que se expandia pela Buenos Aires da segunda metade da década de 1950, mas também como uma tentativa de compreensão das bases e intenções daqueles pintores. A única mostra oficial a receber o nome de “Movimento Informalista” havia sido inaugurada há pouco, naquele ano, o que não significa que os processos de desenvolvimento dos artistas que a integravam, fossem tão imediatos. Sob o título de “Movimento Informalista”, a Galeria Van Riel expôs os trabalhos de Kenneth Kemble, Alberto Greco, Luis Alberto Wells, Enrique Barilari, Olga López, Fernando Maza, Mario Pucciarelli e Towas. Grande parte desses nomes serão relevantes para as transformações vanguardistas do ambiente artístico argentino da década de 1960.

Após essa mostra, de 1959, esses e outros nomes, em seu entorno, realizarão exposições individuais e coletivas, reconhecidas no histórico do Informalismo argentino, porém, nenhuma outra que almejasse a aglutinação e a compreensão das ideias, influências, bases e possíveis consequências do movimento. De fato, não se pode negar uma frustração, por parte de alguns daqueles artistas, que primeiro se atiçaram na febre informalista portenha, com os caminhos que a pintura tomava. Naqueles anos, os debates em torno das possibilidades da abstração para a construção de vanguardas propriamente argentinas auxiliaram no alastramento de propostas informalistas (GIUNTA, 2001, p. 126), com uso de materiais não tradicionais, distanciamento da “arte bem-feita” e do objeto agradável aos olhos, artistas como Alberto Greco almejam um revolucionar das novas produções locais, o qual não seguiu como o esperado. Ao comentar “Cuando llegué de Brasil mi sueño era formar un movimiento informalista, fuerte, agresivo, contra las buenas costumbres y las formalidades.”, Greco se queixa de que os caminhos daquele movimento levaram para uma espécie de produção “decorativa, fácil e que não suportava ver duas vezes” (LONGONI, 2004, p. 35).

As esperanças frustradas de Alberto Greco e de outros artistas vinculados aos primeiros momentos do Movimento Informalista argentino refletem os desejos e o cenário complexo que se instaurou no país após a Revolução Libertadora de 1955. Os dez anos que antecederam a queda de Perón, representaram, para a modernidade argentina, uma época de afastamento e desinformação com relação às vertentes mais recentes de interesse nas artes. Em 19 de setembro de 1945, sob os ares da vitória dos países Aliados sobre o Eixo nazi-fascista, a Plaza Congreso foi tomada pela marcha da Constituição e Liberdade, organizada por diversos setores progressistas. Dois dias antes, o Salão Independente abria sua mostra, na calle Florida, em oposição do Salão Nacional (GIUNTA, 2001, p. 47). Tal oposição não significava a apresentação de qualquer conjunto de trabalhos que desse a ver saídas vanguardistas minimamente organizadas por parte dos artistas renegados do Salão Nacional. Como apontou, na época, o pintor Antonio Berni, na Revista Antinazi, em 27 de setembro de 1945 (Idem, p. 48), o Salão Independente serviria de marco para a representação de um desejo por liberdade expressiva que se distanciava do “esteticismo” e buscava quebrar as correntes que prendiam a produção de arte argentina nas fronteiras do “purismo”.

Naquele mesmo ano, é possível percebermos o acirramento das disputadas por validação da pintura abstrata ante o domínio figurativista. Em 08 de outubro, a abstração geométrica concreta se vê representada na mostra Art Concret Invencion, composta por peças musicais, esculturas, pinturas e poemas. Em novembro, forma-se a Associación Arte Concreto Invención, que abre mostra em dezembro e publica o Manifesto Invencionista em março do ano seguinte. Os nomes ali presentes formarão o Grupo Madí, que ganhará reconhecimento internacional ao participar do Salão Novas Realidades, em 1948, em Paris. Junto com a eleição de Perón, em 1946, seguiu-se mais uma desilusão dos artistas concretos, que almejavam ganhar as paredes dos salões franceses.

O trânsito da “capital” moderna de Paris para Nova Iorque, ainda que não fosse condizente com os anseios europeus dos portenhos, coincidia com a postura mantida pela revista Sur, encabeçada por Victoria Ocampo. Com um lugar bem marcado em sua crítica ao nazismo e, simultaneamente, ao uso da arte como propaganda ideológica, nos anos de guerra, Sur alinhava-se a proposta norte-americana para uma arte de livre expressão. Ainda que a posição dos Invencionistas e do Grupo Madí não fosse necessariamente rumo à abstração, mas sim a negação de qualquer ilusão, o periódico e os artistas concretos compartilhariam de um mesmo nicho de resistência ao “exílio interno”, promovido pelo governo Perón.

Após a ascensão peronista, intelectuais como Victoria Ocampo foram presos ou, como Romero Brest, impedidos de trabalhar com condições mínimas. Os gritos de “Alpargatas sí, libros no!”, que ecoaram frente a Universidad de La Plata, em 17 de outubro de 1945, apontavam para o destino inevitável dos intelectuais liberais e progressistas. Afastado de seu cargo de professor, Romero Brest, que publicava, para o desenvolvimento da arte moderna argentina, desde o começo da década, o Boletín da Colegio Libre de Estudios Superiores, tem seu campo de comunicação reduzido ao diário do Partido Socialista, La Vanguardía. Os anos de cursos livres e oficinas voltadas para “métodos modernos” no CLES, junto de Julio E. Payró, haviam passado e, pelos dez anos seguintes, os acessos dos artistas às vertentes mais recentes de investigação sofrerão com as mesmas dificuldades colocada para a exibição de trabalhos abstratos. Encarnado no então ministro da Educação, Oscar Ivanissevich, o olhar de uma elite tradicionalista repudiava a pintura abstrata com tons similares aos usados para apontar a “arte degenerada” na Alemanha, anos antes (GIUNTA, 2001, p. 66). Com um nítido posicionamento antimoderno, Ivanisevich exige, no Salão Nacional de 1948, que um dos trabalhos que lhe desagrava, “Sol en el angulo”, de Emilio Pettoruti, fosse excluído. Já no salão do ano seguinte, Ivanisevich realiza um discurso que desfaz quaisquer dúvidas sobre seus intentos de extirpar a pintura abstrata do país. “El arte abstracto permitía, desde su perspectiva, construir prácticamente, un manual de patologías.” (Idem, p. 67).

Quando dizemos que artistas modernos argentinos promoviam, entre a década de 1940 e metade da década seguinte, uma espécie de resistência, é a seu posicionamento frente e tais posturas oficiais que nos referimos. Excluídas as possibilidades de debate, exibição e produção de arte moderna nas instituições e espaços oficiais, resta aos artistas o planejamento de um programa de tornasse possível o rompimento de tal bloqueio por meios independentes. Empreendimentos como Altamira, Escuela Libre de Artes Plásticas, aberta por Brest, Lúcio Fontana e Emilio Pettoruti, em 1946, e a revista Ver y Estimar, dirigida e inaugurada por Brest, em 1948, serão responsáveis por promover a entrada e o debate de questões modernas no seio da Argentina peronista (cf. GIUNTA; COSTA, 2005). Próximo ao que havia realizado a revista Sur, Ver y Estimar desponta como um periódico vinculado ao que Brest defendia em sua conferência itinerante “Acerca del llamado ‘Arte Social’” (GIUNTA, 2001, p. 82), na qual defende que as produções de arte não devem ser colocadas como simples instrumentos para a produção e manutenção de outros conhecimentos e lutas sociais, embora possuam seu papel para uma sociedade livre.

A disputa entre instituições oficiais e independentes se acirra em 1949, quando da abertura de duas mostras conflitantes. Enquanto o Museu Nacional de Belas Artes inaugurava “De Manet a nuestros días”, o Instituto de Arte Moderno abria “Arte Abstracto”, com curadoria de Leon Degand. Como um reflexo da mostra “Do figurativismo ao abstracionismo”, trazida para o Brasil pelo crítico belga, “Arte Abstracto” intentava promover didaticamente a discussão sobre a validade da abstração frente a certo ativismo figurativista (FABRIS, 2010). No entanto, diferente da exposição ocorrida no Brasil, que contava com nomes firmes de uma defesa de pesquisas abstracionistas, como Waldemar Cordeiro e Cícero Dias, a mostra argentina não reunia um só nome local e, mesmo dos artistas brasileiros, manteve apenas o nome de Cícero Dias. Essa diferenciação e algumas declarações de Degand levaram a críticas de ambos os lados, tanto das visões portenhas mais tradicionais quanto da resistência modernista. Das páginas de Sur, Payró escrevia, em julho de 1949, sobre os equívocos de se intitular a mostra com uma referência direta a arte abstrata, quando, a seu ver, não passavam de produções “não figurativas” ou “não objetivas”. Diferente de outros cenários, incluso o brasileiro, na Argentina da década de 1940, era necessária a diferenciação, dado o histórico da arte concreta, que não se promulgava abstrata, mas sim “não objetiva” ou “não figurativa”. Tal discussão se estenderá pelos anos seguintes, embora, como adiantava o próprio Payró, em resposta às palavras do crítico Guillermo de Torre, dificilmente um debate promovido por alguns intelectuais de Buenos Aires poderiam, naquele momento, influenciar nos termos adotados pela crítica de arte internacional, notadamente aquela lotada nos EUA (PAYRÓ, 1951).

Apesar das muitas contendas sobre minúcias modernistas, o que os críticos da resistência já compreendiam era a proeminência inevitável da abstração. Aos primeiros anos da década de 1950 marcaram uma mudança de postura das instituições oficiais com relação à abstração. Essa mudança, embora não refletisse uma alteração do gosto das elites tradicionalistas, se alinhava com os objetivos de abertura internacional do país. É justo estipular a participação argentina na Bienal Internacional de São Paulo de 1953 como um marco da aceitação dos artistas abstratos. A nova imagem nacional argentina teria que se distanciar das paisagens bucólicas de planícies gaúchas e demonstrar que sua cultura estava entrosada com as tendências “centrais” do sistema da arte (GIUNTA, 2001, p. 76). O tipo de internacionalismo que passa a ser professado na Argentina se mostra similar ao defendido por Brest, desde a fundação de Ver y Estimar. A abertura, proposta a partir de 1953, se dá num sentido tanto de receber influências estrangeiras quanto de produzir uma arte e um pensamento local que pudessem ser exportados como modelos universais, com uma referência direta ao ideal parisiense:

El arte europeo, en nuestro siglo, se ha transformado en arte universal; y si París ha hejercido el más alto magisterio que le haya sido asignado a ciudad alguna en la historia de la humandad, es porque durante cincunta años ha sido el crisol de las teorías estéticas universalistas (BREST, 1948, p. 11).

Impedido de realizar esse projeto internacionalista de modo prático, Romero Brest o colocará em marcha nas páginas de Ver y Estimar, através da participação de críticos e artistas “de fora”, tanto aqueles que não estavam residentes em Buenos Aires quanto os estrangeiros que nela se encontravam. Tais contatos relacionam-se com seu reconhecimento fora das fronteiras argentinas, palpável pela sua participação como jurado na Bienal Internacional de São Paulo de 1951 e no concurso londrino para a definição do Monumento ao Prisioneiro Desconhecido, em 1953 (GIUNTA, ano, p. 79). Junto a essa concepção internacionalista, devemos sublinhar o entendimento de Brest para os caminhos da arte abstrata. Suas colocações em “La pintura europea contemporánea (1900-1950)”, publicado em 1952, resumem sua posição sobre os caminhos da pintura a partir do seu retrospecto de críticas e da revisão histórica do tema. Brest conclui que o projeto, posto em prática para a continuidade da arte moderna, era aquele que se definia por uma arte racional, abstrata e capaz de integrar diversas práticas e meios (KATZENSTEIN, 2004, p. 81). Sua postura a respeito do abstracionismo é determinante para o ambiente cultural argentino da segunda metade da década de 1950, posto que terá a chance de colocar seu projeto em prática. Após o golpe militar que retira Perón do governo, em setembro de 1955, Brest encerra os trabalhos da revista Ver y Estimar e ressurge para as instituições oficiais como interventor do Museu Nacional de Belas Artes.

A disparada vanguardista

Junto a Revolução Libertadora, o ambiente político cultural argentino mergulha numa fase de eufórica disposição pelo novo. As direções a serem tomadas por artistas e críticos apontavam para harmonia entre as instituições públicas e privadas e valorização da liberdade de criação, assim como da abertura para cenários internacionais e a experimentação das linguagens mais recentes. “Novedad, juventud y internacionalismo serán los ejes a partir de los cuales irán organizándose, cada vez con maior direcionalidad, los proyectos institucionales.” (GIUNTA, 2001, p. 88-89). Na descrição desse cenário, deve ser incluído um inevitável desejo por renovação, certo desligamento de formas passadas e um possível encontro com uma nova estética, que pudesse representar a grandiosidade de um povo argentino liberto, como já comentado sobre o projeto internacionalista de Brest. Mas, diferente do que ele pensava, na segunda metade da década de 1950, a abstração geométrica não representava o que havia de mais vanguardista. Outro ponto repensado se firmava sobre possibilidade de exportar para o restante do mundo uma “arte argentina”. Essas e outras questões se tornaram patentes após o envio do bloco de artistas argentinos para a Bienal Internacional de Veneza de 1956. Sem a possibilidade de construir uma curadoria que fosse simultaneamente vanguardista e fizesse jus aos artistas desprestigiados durante a ditadura peronista, Brest e Payró optam por escolher trabalhos de artistas mais jovens, porém, mais afeitos às tendências recentes da produção, o que gera atrito (GIUNTA, ano, p. 94-95).

Dessa maneira, o suposto clima de harmonia pós restabelecimento das liberdades individuais se desfazia entre os diversos interesses e compreensões dos destinos da arte argentina. É nesse cenário, com tal embate de vontades e projetos amplos para a arte local, que despontam os movimentos vanguardistas da arte contemporânea argentina. Embora, para uma parcela da literatura, seja precoce falar em arte contemporânea ao sul geopolítico antes da metade da década de 1960, as palavras do crítico conservador Carlos A. Foglia, em seu livro “Arte y Mistificación” (1958), já demonstra o embate entre um conjunto de produções então consagradas e as novas estéticas e propostas, que visam “romper” com paradigmas recentes não apenas na aparência dos trabalhos, mas em suas conexões com cenários políticos.

Diversos movimentos se desencadeiam no interior de tais ares de renovação. Os mais prestigiados, promissores e propagandeados talvez tenham sido o Movimento Espartaco e o Movimento Informalista (cf. HOYOS, 2012). O primeiro dialogava fortemente com as tradições de uma “arte social”, desde os muralistas mexicanos ao ativismo do Partido Comunista local, e teve uma jornada razoavelmente longa, com encerramento de atividades em 1968, isto é, após um novo golpe político da direita conservadora argentina e o recrudescimento das perseguições e censura. Quase em oposição, o Movimento Informalista possuiu vida curta e não seria exagero considerar que suas atividades, como grupo, se encerraram ainda no início de 1960.

Outra diferença significativa do Movimento Informalista argentino com relação as demais vanguardas e esforços que despontam no país, naquele final de década, diz respeito a uma maior variedade de correntes internas e às heranças históricas requisitadas por seus integrantes. Em outubro de 1957, abre-se, na Galeria Pizarro, uma mostra coletiva sob o título de “Siete Pintores Abstractos”, estes eram Clorindo Testa, Josefina Robirosa, Kazuya Sakai, Martha Peluffo, Osvaldo Borda, Rómulo Macció e Víctor Chab. Com trabalhos que fugiam da geometrização e passeavam entre o lírico e a expressividade carreada dos acúmulos de pigmentos, o grupo dos sete pintores continuou suas atividades coletivas no correr de 1958. Aliados ao periódico Boa, seus discursos dialogavam com as aspirações de uma nova “internacional surrealista”, encabeçada pelo poeta, crítico e diretor-editor da revista, Julio Llinás. De formação surrealista distanciada pelas condições limitadas das relações internacionais argentinas nas décadas anteriores, Llinás viaja à Paris, em 1952, com a intenção de se aproximar dos surrealistas “míticos”, como Breton. A situação desse movimento, no entanto, é de um estado de fratura e dissolução, assim como de boa parte do cenário francês pós-guerra. Aproximado do poeta Edouard Jaguer e do grupo que atua em torno da revista PHASES, Llinás retorna à Buenos Aires com a intenção de firmar, na capital portenha, um marco do internacionalismo da abstração não-geométrica. A exposição dos “Siete Pintores Abstractos” e a publicação da revista Boa, que terá apenas três números, precede o que ocorrerá, pouco depois, no Brasil, sob o impulso de Walter Zanini (cf. RIBEIRO, 1997, p. 38). Quase em simultaneidade com as ações de Llinás e dos demais nomes em torno da revista Boa, o Grupo de San Isidro, formado por Jorge López Anaya, Jorge Martin e Mario Valencia, desenvolvem e apresentam os seus “cosos”, também em franca oposição à abstração geométrica, porém, com um ideário oriundo das propostas de antiarte Dada (LÓPEZ ANAYA, 2003). Embora a atividade do Grupo de San Isidro tenha sido restrita e provavelmente não ultrapasse finais de 1957, não é difícil perceber a influência desse ideário nos nomes mais proeminentes do Movimento Informalista.

No IV Salón de la Asociación de arte Nuevo, aberto na Galeria Pizarro, em 1958, Kenneth Kemble já se destacava pelo uso de materiais de refugo, como restos de roupas sujas, em colagens que tanto se afastavam da abstração geométrica quanto da lírica, do expressionismo abstrato ou mesmo da concepção de pintura residente na Buenos Aires daquele momento. Dado o desejo de renovação que imperava nos primeiros anos posteriores a Revolução Libertadora, é significativo que os diretores da Asociación de Arte Nuevo tenham requisitado a Kemble que enviasse outros trabalhos para a mostra, mais condizentes com a estética dos demais participantes. Com a recusa do pedido, o artista foi restringido a exibir apenas um trabalho, ainda feito pela colagem de trapos sujos, porém, construído no ano anterior e de aparência um pouco menos arrojada (LÓPEZ ANAYA, 1998).

Embora haja diferenças substanciais entre os processos e a estética de cada um dos informalistas argentinos, sua reunião se dá através de posicionamentos muito próximos e nítidos, como a recusa das tradições e modelos contemplativos, o distanciamento das possibilidades decorativas da abstração, notadamente da geométrica, a assimilação do discurso antiarte Dada e a identificação com o sentimento de reconstrução do campo da pintura europeia. Durante os anos de 1957-58, quase todos os nomes que integram a mostra “Movimento Informalista”, na Galeria Van Riel, realizam exposição individuais dentro e fora da Argentina. Esse é o caso de Alberto Greco, que havia passado pelo Brasil e exposto na Petit Galerie.

Além do Informalismo de Greco

Como indicado acima, a experiência de Alberto Greco no Brasil lapida uma consciência maior sobre a extensão da poética informalista e de suas pretensões para além da pintura vanguardista local. No Brasil, além do contato com os ambientes paulistano e carioca, que eram revolvidos pelo debate em torno dos concretismos, Greco abre portas para pensar seu processo como uma figura capaz de intervir no contexto mais amplo das artes plásticas argentinas. Em seu retorno, leva consigo trabalhos que formam a mostra “9 artistas de San Pablo” (GARCÍA, 2010, p. 1000). Em diálogo com as colagens de Kenneth Kemble, Greco agregava, aos seus trabalhos, feitos com materiais não tradicionais (dentifrício, borra de café, tapumes, papelão), a ação do tempo. Ao deixar que suas telas sofressem com a chuva, o sol, o mofo e o desgaste inerente aos materiais perecíeis, o artista era coerente com a efemeridade que marcava suas peças desde suas pichações por banheiros públicos, ainda em 1954 (cf. HIPÓLITO; GRANDO, 2016). Embora as informações sobre as preocupações do jovem Alberto Greco sejam poucas, em março de 1955, registra-se aquela que talvez tenha sido sua primeira mostra individual, composta por guaches, na Galeria La Roue, em Paris. O artista já se encontrava como residente na França desde o ano anterior e a espécie de abstração desenvolvida em suas aquarelas demonstra uma aproximação com a abstração lírica, proeminente na Paris daquele começo de década. Embora pudéssemos retornar até as experiências dos anos 1930, de Jean Debuffet, para falarmos dos interesses informalistas na França, em começos dos anos 1950, as movimentações se davam em torno da defesa do crítico e curador Michel Tapié, com sua publicação “Un art autre”, em 1952 (cf. HARRISON; WOOD, 1999, p. 619). O texto, em parte, baseava-se nas escolhas presentes na mostra “Signifiants de l’Informel”, no Studio Fachetti, que contava com trabalhos de Jean Fautrier, Georges Mathieu, Jean-Paul Riopelle, Iaroslav Serpan, Marcel Michaux e Dubuffet, a qual havia ocorrido em 1951. As palavras de Tapié dialogavam diretamente com as defesas de Harold Rosenberg (1952) com relação a “action painting” norte-americana, no que concernia ao desenvolvimento de uma crítica baseada nos elementos rítmicos da composição, assim como na valorização da pintura como uma linguagem com elementos intrínsecos e com um pressuposto essencialismo.

Quando pensamos fora das fronteiras e dos contextos específicos dos países nos quais a abstração não-geométrica se desenvolvia naquele momento, o termo Informalismo pode conter uma miríade de iniciativas: art brüt, abstração lírica, abstração gestual, pintura matérica, tachismo, etc. No caso do Tachismo, sua popularização se dá na França, partir de 1954, pelas palavras do crítico Charles Estienne, que relacionava a liberdade gestual com as pesquisas surrealistas, principalmente com o automatismo, mas também com o contato e a influência dos elementos naturais e orgânicos (LOPÉZ ANAYA, 2003). É o Tachismo de Estienne que está em voga quando da primeira passagem de Greco por Paris. Ao retornar para a Argentina, o futuro informalista já está atualizado acerca das vertentes que pulsam fora do território argentino e que, a partir da Revolução Libertadora, serão alvos do já referenciado desejo pelo novo e pelo internacionalismo, que impulsiona as vanguardas locais. Após a mostra “Movimento Informalista”, na Van Riel, se seguirá uma segunda, no Museu Sívori, com curadoria de Rafael Squirru, que aproveitara o texto anteriormente publicado sobre a primeira mostra para o catálogo. A interpretação “psicologizante” de Squirru, que versa sobre o sentido de forma e remonta a pensamentos orientalistas, repete, em parte, a visão de Estienne sobre o Tachismo, a qual já havia sido divulgada por Greco desde sua volta de Paris.

Após uma última mostra de Greco e Pucciarelli, na Galeria Pizarro, em 1960, é razoável estipular a dissolução do Movimento Informalista argentino. No entanto, estes artistas encontram-se, ainda, no centro de uma efervescente cena vanguardista. Alberto Greco, especificamente, continuará suas pesquisas rumo a um Informalismo que intervém na realidade de maneiras efêmeras e radicais. Com sua postura iconoclasta, performática, radical e de fundo dadaístas, Greco constrói seu “movimento de um homem só”, com a divulgação do “Manifesto del Arte Vivo Dito”, em 1962, e segue um caminho inevitável até sua trágica morte (cf. HIPÓLITO; PEDRONI, 2014).

Algumas Heranças

Em fins de 1961, após Greco e Pucciarelli terem se estabelecido na Europa, Kenneth Kemble encabeça aquele que será um derradeiro evento informalista argentino, mesmo que exceda as ações do Movimento Informalista. Junto a Enrique Barilari, Antonio Seguí, Jorge López Anaya, Jorge Roiger, Luis Wells, Olga López e Silvia Torras, Kemble promove a mostra “Arte Destructivo”, na Galeria Lirolay. O panfleto de divulgação da mostra trazia uma charrete destruída após um acidente, o que indicava muito do caos que os visitantes encontrariam no interior da galeria. Sem qualquer indicação da autoria, encontravam-se objetos quebrados, parcialmente destruídos, pinturas atiradas aos cantos, fotografias dos artistas participantes com seus rostos deformados e uma série de experimentações sonoras que iam da leitura de trechos de livros e poemas ao som da destruição das peças (cf. LÓPEZ ANAYA, 2003). Com um resgate da influência Dada sobre os primeiros informalistas portenhos, “Arte Destructivo” dava o tom de uma ainda maior radicalização da experimentação das vanguardas sessentistas.

Já do ateliê que Alberto Grecco dividia com Jorge de la Vega, Luis Felipe Noé e Romulo Macció, durante o pulsante ano de 1959, surgirá o núcleo da Nova Figuração argentina (ABREU, 2013, p. 40). Em agosto de 1961 abre-se a mostra “Otra Figuración”, na Galeria Peuser, com seis pintores, dos quais Luis Felipe Noé, Ernesto Deira, Rómulo Macció y Jorge de la Vega, formaram um coletivo de artista que continuará a produzir e expor juntos e com diretrizes próximas, até 1965. Para essa mostra, Greco havia sido convidado, mas, declina da ideia, ainda que as conversas de ateliê lhe aproximassem.

Tanto Greco quanto os artistas que formam a Otra Figuración não aceitam uma discussão sobre a pintura que considere a dicotomia abstração/figuração. Como vimos, os debates em torno dos caminhos mais interessantes para a “nova” argentina da década de 1950 seguiram a memória de discussões anteriores, que envolviam tanto uma tradição figurativa da “arte social” quanto uma tradição de ruptura da abstração geométrica, razão pela qual o Movimento Informalista não foi facilmente aceito como uma possibilidade viável naquele momento.

Las exposiciones de los grupos informalistas fueron atacadas, en primer lugar, porque se consideró que no traían la esperada novedad: eran um camino equivocado y regressivo que no hacia más que remitir, en forma desfasada, a la irreverencia dadaísta que, por otra parte, nunca habia gozado de mucha legitimidad em Buenos Aires. El segundo aspecto – quizás el más importante – es que fue visto como una práctica contraproducente, en tanto atacaba el concepto de forma y de composición. La percepción más fuerte era que si se aceptaba esto, se aceptaría todo, lo cual implicaba abandonar um território ya conquistado, para reemplazarlo por un camino sin reglas, em el que todo, es decir, cualquier cosa, valdría.  (GIUNTA, ano, p. 123-124).

Mesmo Romero Brest, não aceita com facilidade as posições informalistas e se preocupará em estabelecer diferenças entre aquele grupo e Outra Figuración, no catálogo da primeira mostra. No entanto, a proximidade se tornava mais evidente. Do Movimento Informalista, muito pelos diálogos com Alberto Greco, os artistas da Nova Figuração e, notadamente, Luis Felipe Noé, herdaram a atitude frente aos paradigmas vigentes tanto no sistema da arte quanto na sociedade de modo amplo, mas também procedimentos e materiais. Essa atitude era marcada por uma visão específica sobre

la problemática del hombre, la sensación misma de vivir, que surge de oscuras fuentes del espíritu, allí donde reside lo aparentemente inexplicable, que se abarca con el nombre vago de inconsciente, y donde campean las emociones, los impulsos, los deseos, todo el universo de lo no racional. En esos misteriosos territórios lleva la voz cantante la imaginación, que prescinde la razón. (PELLEGRINI, 1967, p. 77)

Ambos os grupos se movem por uma busca existencialista que não nega sua origem surrealista, como também já indicado aqui. Tal rastro se mostra também no procedimento do desenho e da pintura por automatismo psíquico, que marca tanto o Movimento Informalista quanto os processos iniciais da Outra Figuración. Outros elementos, como a valorização do gestual, da composição orgânica e por materiais diversos, perecíveis e “não-artísticos”, apontam para a proximidade entre os dois movimentos. Como maior distinção, estaria a relevância da temática e de um compromisso social próprio de um discurso humanista, presente no grupo de Noé e dificilmente verificável no de Greco. (cf. CABRERA, 2008).

Considerações Finais

Uma análise da importância da década de 1950 para o andamento das vanguardas e da arte contemporânea argentina merece um espaço vasto e um aprofundamento em suas questões histórico-sociais. Quanto mais nos aproximamos dos fluxos de acontecimentos que permitiram e tornaram complexos os processos de formação de novos grupos, coletivos, instituições e projetos após a Revolução Libertadora, mais percebemos sua intimidade com os cenários brasileiros, nossas discussões, preocupações e também com os desenvolvimentos de nossa arte contemporânea. Como vimos, nas páginas acima, o contexto de surgimento do Movimento Informalista argentino o diferencia dos debates em torno da especificidade da linguagem pictórica, estabelecidos nos EUA e na Europa, no correr daquela década. Embora assimile noções básicas de ambos os cenários, pelas experiências de Júlio Llinás e Alberto Greco na França, respectivamente envolvidos com o surrealismo do grupo PHASES e com o Tachismo de Charles Estienne, o Movimento Informalista argentino bebe da antiarte Dada e responde aos desejos de uma sociedade ilhada por dez anos de ditadura. Os debates em torno da validade da pintura abstrata, marcantes para a década de 1940, e a esperança de um projeto como o de Romero Brest, para a abstração geométrica, estendiam as realizações informalistas para muito além da pesquisa pictórica, mas como um risco de ruptura das expectativas de uma “arte nova” para todo um sistema da arte recentemente liberto e em processo de internacionalização. Tais condições são, em parte, responsáveis pela assimilação dessa postura e desses procedimentos pelo grupo Otra Figuración e também pela abertura dos anos 1960 para experimentalismos mais radicais, como se vê em Arte Destructivo.

Referências

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