
“Empilhe”. Fabiana Pedroni. Montagem fotográfica, barquinhos de papel guardados por seis anos, maresia, poeira e ação de desdobrar e empilhar. 2019
Texto de Fabiana Pedroni
Enclausurados, nos iludimos no retorno. Alguns buscam conforto usando roupas de trabalho no desemprego domiciliar. Outros se maquiam para reencontrar o Eu que não pode existir deslocado do mundo lá de fora. Outros, ainda, remexem a casa inteira como se, ao fazer as tarefas acumuladas por anos, o mundo pudesse voltar ao curso que antes seguia. Esses fazem isso sem saber, na verdade, que o isolamento já era parte do caminho. Vez ou outra, nos encaixamos em algumas dessas tentativas. Isso não seria diferente para artistas e pesquisadores.
Quem acompanha os textos no NOTAmanuscrita pode ter reparado nessa necessidade de retorno.
2013 foi um ano de mudanças pessoais, acadêmicas e artísticas para Rodrigo e eu, Fabiana. Raramente damos autoria à escrita, pois, como tecido que se tece lentamente, o texto é trançado à quatro mãos. Mas, neste momento, vale dizer diretamente o porquê desse sentimento me invadir.
O retorno não é uma vontade de se reviver ou de voltar ingenuamente ao passado romantizado.[1] 2013 também foi ano de dificuldades. Em setembro de 2019, antes da pandemia nos assolar e, pior, da negação da pandemia nos devastar, eu desdobrei uma pilha de barquinhos de papel que havia dobrado em 2013. Por mais de 6 anos, os barquinhos estiveram dobrados e empilhados. Eles acumularam poeira, foram amassados na volta pra casa, de São Paulo à Vitória, pegaram maresia, deixaram de ser completamente brancos. O corpo estava cheio de marcas, não só das dobras, mas do tempo.
Desdobrei os barquinhos para conseguir escrever um artigo científico, que estava há um tempo engasgado. Aos poucos, percebemos que assuntos aos quais nos dedicamos como pesquisadores sempre estiveram nos assombrando. E então, a necessidade de retorno, não em uma máquina do tempo desejosa por revivências impossíveis, mas um olhar crítico para os vestígios deixados pelo Eu anterior.
O que me motivou a dobrar e empilhar barquinhos em março de 2013, em um quarto vazio e pesado, é motivo semelhante ao que me faz desdobrá-los: vontade de sentir o mundo como processo artístico. As tantas roupas que compramos para compor um personagem social, perderam seu sentido e agora são ressignificadas no interior dos quartos. As tantas dobras realizadas em 2013, agora são desdobradas para explicar novos sentidos da experiência. Quanto de nós há ainda em nós? Sigo na busca das dobras que me compuseram, dos atos corriqueiros que me reconfortam. Quando nos encontramos isolados, é a nós mesmos que buscamos.
Notas
[1] Falamos sobre essa romantização do passado no podcast “NPT S03E02 – Que Tempo Bom?”: https://notamanuscrita.com/2020/03/22/npts03e02/
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