Texto de Rodrigo Hipólito.
A imagem que acompanha este texto é uma fotografia registrada em 2013.
O aforismo que dá título a este texto foi dito por Fabiana Pedroni, alguns meses antes de a imagem ser registrada.
Essa máxima foi uma das bases que me ajudaram a pensar a maior parte dos projetos de arte e pesquisas que desenvolvi nos anos seguintes. Seria um pouco estúpido escrever um texto explicativo sobre essa sentença, dada a sua própria natureza sintética.
A função deste texto é outra. Enquanto escrevo, faço um esforço para organizar as ideias que estão amontoadas num caminho. Vou entender esse caminho, ainda atulhado de elementos que bloqueiam minha passagem, como uma pesquisa poética.
Este é um texto de processo.
Quando aquele aforismo foi proferido, nós estávamos no meio de uma pesquisa a respeito da aproximação entre arte e vida, ou arte e cotidiano, em processos da arte contemporânea dos anos 1960-70. A frase foi dita como uma consequência da compreensão de outra frase, “O museu é o mundo”, de Helio Oiticica.
Ao dizer “o ateliê é o mundo”, a nossa relação com a pesquisa acadêmica se transformou. Até aquele momento, nós desenvolvíamos um trabalho processualmente frio de verificação de documentos, compilação de dados, interpretação e contextualização de conceitos e propostas de arte. Nós realizávamos um tipo de pesquisa que separava a nossa lida, da lida de artistas, e separava o nosso tempo dos tempos passados e futuros. Era um pouco mais que isso. Aquele métodos de pesquisa separava o nosso corpo do nosso pensar.
A partir dessa compreensão, passou a ser nítida a contradição entre o que apreendíamos e construíamos como resultado de pesquisas e como essas construções de conhecimento afetavam a nossa relação com o restante do mundo.
Nós passamos a dar atenção para os detalhes a nossa volta. Nós deixamos de construir hierarquias entre referências teóricas e propostas de arte. Sem tais hierarquias, foi inevitável que seguissem práticas teóricas como propostas poéticas.
Como projeto, os Ínfimos Corriqueiros – Pormenores Possessivos tiveram seu tempo e seus lugares. Já como prática teórica/proposta poética, as ideias que brotaram do projeto continuaram a integrar a base de todos os processos que desenvolvemos.
Hoje, eu preciso me lembrar de que o ateliê é o mundo. Não é possível observar o mundo à distância. Não é possível estar fora do mundo. Eu preciso me lembrar de que as janelas, as telas, as folhas de papel e as imagens sintéticas são partes do meu corpo.
Não basta compreender que estar no mundo é uma condição para a vida. O mundo pode ser esquecido e relembrado, encoberto e descoberto, modificado e reciclado, destruído e reconstruído.
A partir daquela frase e daquela imagem, eu começo a organizar um desejo de prática teórica/proposta poética. Eu digo organizar, pois é algo que está em andamento há anos.
Sabe quando você monta um móvel e sobra um parafuso? Você deixa aquela peça guardada, pois pensa que um dia ela pode ser útil. Você já parou pra pensar quantas dessas peças você já deixou guardadas? Expanda essa metáfora para todas as ações que você realiza em sua vida.
Depois de algum tempo de acúmulo, pode acontecer de você começar a montar alguma coisa e perceber que muitas daquelas possas se encaixam bem.
Pensar nessa metáfora faz parte do ato de organizar o caminho pelo qual passeio neste texto. Eu começo a compreender como algumas das peças esquecidas que eu possuo se encaixam em algo novo, algo ainda por fazer. Eu penso em algumas fotografias, rabiscos, anotações, ilustrações, gestos, textos, objetos, lugares e ideias que desejam encontrar a sua posição num conjunto.
Essas peças são detalhes ínfimos, são partículas perdidas que começam a se identificar com as partes caídas de um mundo que se desfaz, que entra em colapso a partir das suas bordas.
Assim como ocorre com os parafusos que sobram, enquanto o mundo se construía, muitas peças sobravam e caiam no esquecimento. Na medida em que esse mundo entra em colapso e se desfaz, em que suas partes caem e ele acaba, essas partes encontram as peças perdidas. Desse encontro, desse encaixe, surge um novo. Como todo o novo, isso ainda não faz sentido.
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