[crítica] Formidáveis Grãos de Poeira

Imagem de capa. Cartão-poema 01. Coletivo Monográfico. 2013.

Cartão-poema 01. Coletivo Monográfico (Fabiana Pedroni, Joani Caroline e Rodrigo Hipólito). Texto impresso em papel manteiga e deixado dentro de livros de biblioteca pública. 2012.

Texto de Corina S. Navalla

Salamanca, Janeiro/17, 2013

 

“O mundo se apossa de nós porque nós nos apossamos do mundo, em pequenas partes”. É numa conversa flutuante e íntima que estendemos nossos domínios perceptivos, ao conferir significados para alguma pequena mancha no chão, flertar com um barulho irritante na lateral do ônibus voltando pra casa, subir todos os dias pela mesma escada ou acreditar piamente possuir um jeito só seu de abrir uma porta emperrada.

Conquistar a realidade através das insignificâncias, emprestando-lhes sentidos desdobrados pela vontade de reconhecer o mundo em que se habita, é o que faz o Coletivo Monográfico, no projeto “Ínfimos Corriqueiros – Pormenores Possessivos” (ÍC-PP).[1] Num conjunto crescente de propostas que perpassam instalação, intervenção urbana, ilustração, poema, texto teórico, fotografia, vídeo e net.art, Fabiana Pedroni, Joani Souza e Rodrigo Hipólito investigam os modos pelos quais construímos o mundo enquanto o tomamos pela percepção.

Ínfimos e corriqueiro é o ato de dobrar barquinhos de papel. Desafiar-se a fazer dobraduras cada vez menores e presentear alguém com o resultado de sua empreitada já é uma geração estranha para algo aparentemente insubstancial, pois um presente se qualifica por seu valor. Em “Engenharia Naval em Papel”, o costume de fazer, reduzir e empilhar barquinhos, do historiador Lellison Souza, é desdobrado numa série indefinida de referências ao mar, à embarcações e ao ato de navegar. O resultado de tal navegação redobrada poderá ser visto no Museu do Colono (St.ª Leopoldina) em março deste ano.

O ateliê é o mundo”, me aponta Fabiana Pedroni, e essa é uma determinação chave para compreender um pormenor possessivo. Em cada farpa solta nas tábuas que nos rodeiam, nos zumbidos dos veículos em movimento, ou na paralisia dos ladrilhos do seu quarto, há uma desculpa para pensar livremente a respeito do SEU modo de habitar o labirinto. Tome uma fotografia em baixa qualidade da rachadura que nunca foi coberta na parede da cozinha, lhe dispense umas gramas de atenção e um poema rabiscado lembrará fácil e eternamente que Aquilo existe.

O sítio notamanuscrita.com começa a gerar um apanhado considerável desses formidáveis grãos de poeira, que são o que vemos e o que nos olha de volta, como diz Didi-Huberman. Os “Microvídeos” entram em cena como delimitadores de um acontecimento jamais cinematográfico, pois somente querem a pincelada perdida no oceano claustrofóbico de uma metrópole estendida. No duradouro temporal de informação visual citadino, é sim possível separar algumas gotas e dizer: “dessas eu gosto”. Assim é o caminhar com a “deriva estética”, conceito que, nos ÍC-PPs, difere um tanto dos passeios situacionistas, pois carrega os princípios de divagação e señalamiento dos argentinos Edgardo Vigo e Alberto Greco.

Greco contribui também com sua arte vivo dito, que, na apropriação do Coletivo, surge em “RE-vivo dito”, proposta em que a assinatura do argentino, falecido na década de 1960, é posta na ativa, sinalizando objeto e lugares “apossados”. Além de placas com a assinatura de Greco e círculos de giz como redomas que fariam das coisas no mundo obras de arte, desdobramentos brotam no processo de criação. É esse o caso do “Cartão-Poema 02”. Um pequeno cubo de papel semitransparente, que contém o manifesto da Arte Vivo Dito, de 1962, e as indicações de acesso ao sítio Nota Manuscrita. Largado para ser resgatado por qualquer um que deixe o olhar vagar pelos contos insuspeitos da cidade, o pequeno cubo adquiri um modo personal de ser.

Uma pedra, uma planta, um buraco, uma fechadura, tudo o que poderia passar despercebido pode também adquirir personalidade. As “Personagens Figuradas” realizam o esforço de dar voz para imagens que desejam falar de si. A palavra “desdobrar” aparece novamente. É como uma transfiguração que não visa dissolver o que antes era seco e opaco, mas clama pela geração de novas ideias a partir da matéria gritante nas formas minúsculas. Os ínfimos querem aparecer, mas não adensando o universo de imagens da sociedade espetacular. Todo o clique fotográfico almeja o compartilhamento, mas fazê-lo sobre um desespero de simplicidade, que seria pisado e esquecido por não ser visto, é usar o hermetismo da subjetividade para abrir conversas maternas com o mundo. Voltados para o micro-olhar podemos dominar o mundo que sempre construímos.

[1] Bolsa Ateliê em Artes Visuais, Secult-ES, 2012-2013.

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