[chamada] Revista do Colóquio N. 21: A trama dos tempos

A Revista do Colóquio, periódico online vinculado ao Programa de Pós-Graduação em Artes da Universidade Federal do Espírito Santo, está com chamada de trabalhos aberta para composição do seu número 21. Entre os dias 31 de março e 11 de maio de 2023, é possível realizar a submissão de artigos, relatos de experiência, ensaios visuais, resenhas e traduções pela plataforma de periódicos da Universidade Federal do Espírito Santo.

Antes de iniciar o processo de envio de trabalhos, verifique as Diretrizes para Autores no site do periódico.

Duas mulheres tecelãs. Colóquio 21.

“Duas mulheres tecelãs”, artista desconhecida, Horniman Museum and Gardens. Esta imagem está disponível para ser compartilhada e reutilizada sob os termos da licença Creative Commons Attribution-ShareAlike (CC BY-SA). Pintura vertical dividida de uma mulher de pele marrom manuseia o tear de madeira.

A trama dos tempos

Pedir pela compreensão da experiência de passagem do tempo é algo tão cruel e trapaceiro quanto encurralar uma discussão com a pergunta sobre a consciência. Não que falar sobre esses dois fenômenos engenhosos seja impossível. Pelo contrário, falamos sobre eles até que cheguem novas vozes para ocupar nossos lugares na conversação e nos deixar descansar. Falamos, pois as dúvidas sobre temporalidade e consciência giram em torno da nossa autocompreensão. Na síntese de Merleau-Ponty (Fenomenologia da percepção. 4ª ed. São Paulo, 2011, p. ):

O sujeito, o qual não pode ser uma série de eventos psíquicos, não pode, no entanto, ser eterno. Resta o fato de que ele é temporal não por algum capricho da constituição humana, mas em virtude de uma necessidade interior. Nós somos convidados a constituirmos do sujeito e do tempo uma concepção de modo tal que eles comunicam do lado de dentro.

Estar diante do movimento giratório da consciência e da experiência do tempo é confrontar a mortalidade. Mas, não se trata de um confronto em que possa existir vitória ou derrota. O enfrentamento da passagem do tempo é a aceitação do paradoxo de estar diante da vida e, em simultâneo, viver.

Em “Estação Perdido”, China Miéville (Trad. Fábio Fernandes; José Baltazar Pereira Júnior. 1ª ed. São Paulo: Boitempo, 2016) dá forma para o emaranhado de consciência e temporalidade na personagem Tecelão. Capaz de atravessar caminhos através das várias faces dos tecidos do tempo e encontrar entradas e saídas para o caos do conflito devastador entre natureza e exploração humana, Tecelão se esforça para manter a “beleza da teia da realidade”. O deus-aranha de Miéville está, certamente, próximo de Anansi, mas suas ações e seu esforço apontam mais para o trabalho de escrita da História. Conferir sentidos para o pandemônio de marcas temporais com narrativas atreladas aos compromissos de nossa própria época parece um trabalho tão árduo quanto tentar manter a teia da realidade que insiste em se romper.

Apesar de ser algo evidente, é bom dizer que a história, a crítica e a produção da arte estão repletas de propostas sobre como pensar as idas e vindas através dos tempos. Henry Focillon, Aby Warburg, Hans Belting, Georges Didi-Huberman, Germain Bazin, , Susan Sontag, Arthur C. Danto, Boris Groys, Claire Bishop, Hal Foster, Miwon Kwon, e uma miríade de outros nomes já se debruçaram sobre reflexões as mais variadas; da independência temporal da obra de arte à fragilidade dos modos de registro de propostas efêmeras, da apropriação e uso de arquivos à necessidade de antagonismo no encontro como experiência estética, do choque à harmonia, da permanência ao retorno.

Hoje, propostas de arte submersas no enfrentamento da experiência de passagem do tempo são esforços de Penélope em meio aos alarmes de urgência de um incêndio que conta os segundos por nossas expirações. Se há algo em comum entre as distintas formas de pensar nossa história e nossa crítica de arte é a confiança no documento e no arquivo como formas de conter os avanços do tempo em suas manifestações de degradação. Fora da frieza dos arquivos, renovam-se ferramentas expressivas para conhecer e sustentar os mundos.

Eu não tenho velhos livros como eles, nos quais estão desenhadas as his­tórias dos meus antepassados.8 As palavras dos xapiri estão gravadas no meu pensamento, no mais fundo de mim. São as palavras de Omama. São muito antigas, mas os xamãs as renovam o tempo todo. Desde sempre, elas vêm pro­tegendo a floresta e seus habitantes. Agora é minha vez de possuí-las. Mais tarde, elas entrarão na mente de meus filhos e genros, e depois, na dos filhos e genros deles. Então será a vez deles de fazê-las novas. Isso vai continuar pelos tempos afora, para sempre. Dessa forma, elas jamais desaparecerão. Ficarão sempre no nosso pensamento, mesmo que os brancos joguem fora as peles de papel deste livro em que elas estão agora desenhadas; mesmo que os missionários, que nós chamamos de “gente de Teosi”,9 não parem de dizer que são mentiras. Não poderão ser destruídas pela água ou pelo fogo. Não envelhecerão como as que ficam coladas em peles de imagens tiradas de árvores mortas. Muito tempo depois de eu já ter deixado de existir, elas continuarão tão novas e fortes como agora (KOPENAWA, Davi; ALBERT, Bruce. A queda do céu: palavras de um xamã yanomami. São Paulo: Companhia das Letras, 2015, p. 66).

Duas mulheres tecelãs. Colóquio 21.

“Duas mulheres tecelãs”, artista desconhecida, Horniman Museum and Gardens. Esta imagem está disponível para ser compartilhada e reutilizada sob os termos da licença Creative Commons Attribution-ShareAlike (CC BY-SA). Pintura vertical de outra mulher de pele marrom manuseando uma roca.

Quando giramos certas chaves, abrimos as portas para a experiência temporal e histórica como sustentação do único céu sob o qual podemos viver. A separação entre presente, futuro e passado pode, então, dar lugar à rede de trocas e diálogos que nos permite enfrentar a efemeridade não apenas como sujeitos fechados em nossa individualidade, mas como um vasto e heterogêneo grupo de pessoas que caminha sobre a teia do Tecelão.

“O tempo em suspensão” foi a temática do Colóquio de Arte e Pesquisa do PPGA-UFES 2023. Em diálogo e continuidade com esse IX Colartes, a Revista do Colóquio abre chamada para recebimento de artigos, relatos de experiência, ensaios visuais, resenhas e traduções sob o tema “A trama dos tempos”. Com principal interesse nas pesquisas desenvolvidas no interior do campo da arte, a Revista do Colóquio expande, a cada edição, os diálogos com diversas áreas de conhecimento, nas quais se desenvolvem debates e investigações aderentes às suas temáticas.

Para seu 21º número, a Revista do Colóquio procura trabalhos que exponham processos, análises críticas e narrativas histórias em diversos contextos ligados à experiência da passagem do tempo, com seus mais diversos aspectos poéticos, filosóficos, antropológicos, sociopolíticos e culturais.

Pede-se às pessoas interessadas em enviar trabalhos que, antes de iniciarem o processo de submissão, verifiquem, atentamente, as Diretrizes para Autores no site do periódico.

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