[Texto de processo] Engenharia Naval em Papel


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12.2012

<<Depare-se com uma atitude despretensiosa. Aceite, observe e conduza sua atenção até chegar ao sentido, pois esse nunca é dado. A Lógica do Corriqueiro é o caminho de sua grandeza. Faça, reduza e empilhe barquinhos. Ou dê nós no tecido achado até o tecido se perder, desaparecido. Ainda, apanhe papéis e faça bolinhas. Arranje algumas pedras e deixe um desenho na areia. Transforme a banalidade em presente e construa significado. Veja o novo e instigante, o bobo, o potente e o sem base, sem fundo. Saia da base da montanha e suba ao cume. Depois retorne a base para poder olhar.>> [11.2011]

Num canto da sala, meio equilibrado pela quina da parede, uma pilha de barquinhos de papel, quase um pequeno castelo. Na base há um de tamanho comum, como se feito com uma folha de caderno, sobre ele outro com metade do tamanho e sobre este outro ainda menor. Reduzem-se até o barquinho da ponta, minúsculo. É algo artesanal, aparentemente não muito difícil, mas que necessita de alguma habilidade e paciência para ser feito. Terminantemente inútil e à distância, totalmente desprovido de significado. É algo tão vazio e tão pontual, tão largamente reconhecido, que serve bem à construção. Ali, empilhados, os barquinhos convidam à significação.

A arte (ou artesania) da Engenharia Naval em Papel foi desenvolvida pelo historiador Lellison Souza, que nos fala das diversas conexões (lidas, ouvidas, vistas e sempre vividas) entre as estranhas águas e embarcações que tem reunido de memória durante algumas centenas de anos (talvez um pouco mais). Podemos despender um esforço para compreensão de que o despejo das memórias é similar ao despejo dos barcos. Frutos do trabalho acanhado de algum sujeito atirado para frente, os barquinhos podem ser encontrados navegando sem paragens, ou ancorados num porto temporário. Recolhidos, ou assimilados, passam a ter um dono e só será algo que preste caso seja visto de verdade, i.é, tomados como presente. Um procedimento catalisador e o ato de presentear (costume já adquirido pelo citado historiador). Dar um presente firma já um sentido na coisa despachada para o próximo dono.

A localização de Engenharia Naval em Papel nos ÍCPP’s é de gênese, pois foi a primeira atividade intitulada “ínfimo corriqueiro”. Realizada no ((BOOM)) VIX (2011), contamos com a presença do próprio inventor da ENeP, realizando ação performática com feitura de barquinhos de papel e distribuição para o público. Aproveitando tal oportunidade ímpar, realizamos a gravação da feitura de embarcações num vídeo-manual e coletamos seu depoimento.

Dando continuidade a importante tarefa de erguer barcos em pilhas, surgem os cartões-poema [ação 01], ancorados entre páginas à espera de dobras corriqueiras. Faça, reduze, empilhe barquinhos.

No ato de construir conexões de memórias a partir do que possa haver de menos alardeado, nos voltamos para a cidade de Santa Leopoldina para lembrarmos que um rio é um mar, que um mar é um rio, que barcos costumam servir para navegar, mas alguns são feitos para afundar, outros para voar. Gostaríamos de passar de um continente para outro, com uma esquadra formada de palavras e ideias pequenas, de tamanho suficiente apenas para dobrar com o polegar e o indicador.

De um lado a outro, adentramos a história de Porto de Cachoeiro, filha do sol e das águas [Canaã, Graça Aranha]. Às margens do rio Santa Maria, tornou-se ponto de encontro entre tropeiros e canoeiros. De St.ª Leopoldina, o café e outras mercadorias dirigiam-se para Vitória, e já não se sabia onde os barquinhos estavam, se no rio ou se no mar.

Distribuímos os barcos-poema [ação 02] com frases escolhidas a dedo pelo inventor da ENeP, porque água é sempre água e o navegar é sempre impreciso. Se você está no interior, você também está na margem, já que todos os mares são sempre mares de morros.

Desaguamos barquinhos [ação 03] criados para a dissolução, pois flutuar é quase o mesmo que afundar, contanto que saiba onde as águas chegarão e em que porto você deve estacar. Se seguro com suas próprias cores, ou indistinto de tudo mais.

Alguns elos, de fios tênues, proas irregulares e destituídos de pontos cardeais, farão aparição no Museu do Colono mais à diante. O principal ainda será a discussão de miudezas, coisa que mais fazemos na vida.

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  7. Então é por isso que tive minha leitura interrompida enquanto me debruçava sobre o “The Return of the Real”. rsrs Fui marcada pela Fabi, mas na época acabei adiando a leitura do artigo.
    Belo trabalho 😉

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