[crônica] Porta sem aldrava I

Fones 04

Fones Expressivos, Rodrigo Hipólito. Ilustração, 2014. Desenho com linhas vermelhas finas sobre fundo rosa. À esquerda, busto de figura humana com cabeça oval, sem nariz, olhos e boca como pontos, vestindo camisa de mangas longas, segura uma caneta em uma mão e usa fones grandes, conectados por um fio à uma vitrola, do lado direito da imagem, vista de perfil, sobre uma mesa indicada com poucas linhas.

Texto de Rodrigo Hipólito

Depois de medições detalhadas, observadas por especialistas da sonoplastia doméstica, conclui que o chiado dos LP’s é idêntico ao chiado das minhas defeituosas caixas de som, plugadas por USB. O chiado que vem da vitrola cria uma ambientação simultaneamente vaga e profunda. O chiado transmitido pelos alto falantes baratos, ao lado do teclado, é exasperante e impede o pleno desenvolvimento da melodia.

A disputa entre presente e passado é um corvejar enjoativo. Como intitular desenhos e fotografias, ou fotografias de desenhos, feitos com displicente artesania para serem dispensados na árida web, quando o HD externo se debate por um espaço de respiro?

Atado à catalogação das unhas roídas, melhor seria que as letras fossem escritas diretamente no outdoor, para serem corroídas pela poeira de ferro e lavadas pela chuva escura.

[há um anúncio, na tela ao lado, que convida para o download do extenso disco do Flaming Lips, lançado em LP]

Minha datilográfica só me serve enquanto posso escanear ou fotografar o resultado do papel ferido em alta definição. A mesma coisa acontece quando assumo o desejo de exibir a materialidade do papel na iluminação adequada e tecnicamente eficiente da sublime penumbra em galerias pós-modernas (embora eu não esteja certo de que elas realmente já tenham existido).

Se todos já nascemos anacrônicos e é impraticável acompanhar a acelerada mudança de gerações, vou baixar o disco gravado para ser disco e esperar que isso dê sentido ao chiado dos alto-falantes com defeito.

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