[transcrição] Como não confundir Puritanismo com “Politicamente Correto”

sherrie levine

Recorte de uma fotografia da artista Sherrie Levine, presente na série intitulada “After Edward Weston”, de 1980.

Este texto é a transcrição do podcast Não Pod Chorar 10

Texto de Rodrigo Hipólito

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Por mais de uma década e meia, um tema tem me arranhado a paciência: a confusão que existe entre as críticas às posturas puritanistas e as críticas ao suposto movimento “politicamente correto”. 

Isso é algo obviamente extenso e que está ligado com a crescente conservadora que atinge o mundo em escala global. Pensar sobre esse assunto, nos últimos tempos, tem me rendido muito estresse, mas também ímpetos para produzir, como no trabalho “Novos Vocábulos Para a Juventude (crianças não devem ouvir palavrão)”. Esta obra em áudio, feita por mim, Rodrigo Hipólito, e Alana Oliveira, foi exposta no final de 2017, em Vitória/ES. Você pode ouvir o trabalho aqui

São tantas as situações que envolvem o puritanismo que devem ser pensadas e colocadas de modo mais evidente pra discussão. 

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Foi por volta de 2012. Mais para o final de 2012, se não me engano. Eu ganhei um livro que me pareceu muito divertido. Foi fácil e rápido de ler. O ritmo do texto era acelerado, como uma história de ação, não havia muito o que pensar sobre cada parágrafo além de passar para o próximo. O conteúdo soava engraçado e algumas das ideias faziam sentido para além do humor rasteiro de tio de meia idade incomodado com as novas gerações. 

Após a leitura, eu brinquei com algumas das piadas presentes no livro e, estranhamente, elas reverberavam no meu dia-a-dia. O que isso significa? Bom, quando repetia algumas frases do texto em conversas de trabalho, no horário do almoço, em mesas de bar ou em publicações no meu perfil pessoal, as pessoas reagiam, sorriam, discordavam, continuavam a conversa. Isso parecia interessante. 

Não muito tempo depois, as palavras mais comuns daquele livro me pareceram muito frequentes na boca de pessoas das quais eu discordava e eram usadas de maneira séria ou quase séria. Isso era estranho.

Ao procurar mais informações sobre o livro, descobri que se tratava de uma série já muito popular e eu apenas a desconhecia por não fazer parte daquele universo. Até aí tudo bem. Muitos livros, séries, autores, músicas podem ser famosos e consumidos sem que a gente saiba que eles existem. Quando eles chegam até nós é porque estamos no caminho do crescimento de sua fama. Foi assim nesse caso. Ou mais ou menos.

Eu conhecia o autor do livro e pelo pouco que sabia sobre o que ele havia escrito até então, aquele conteúdo só poderia ser ironia, piada. Essa era a parte mais estranha. As pessoas pareciam falar daqueles termos e daquele conteúdo como se fosse algo sério, acadêmico, profundo. As pessoas falavam daquele conteúdo como se fosse filosofia, mas aquilo não era filosofia, pelo contrário, aquilo não passava sequer perto de um encadeamento de ideias fundado por argumentos sólidos e por fatos profundamente questionados. Aquele texto não questionava quaisquer dos fatos apresentados como anedotas e tampouco fazia referências a fatos que não fossem convenientes para o funcionamento da, entre aspas, piada. 

Aquele livro era o “Manual Politicamente Incorreto de Filosofia”. Ao perceber que muitas pessoas fora do meu círculo de convívio levavam aquele material a sério como filosofia e o usavam para embasar suas opiniões e defesas ideológicas eu me forcei a parar de usar aqueles termos como piada e verifiquei o que havia ocorrido com aquele autor, que, aparentemente, fazia trabalhos sérios até então. 

Muitos autores e seguidores embaraçaram numa crítica séria de algo que chamavam de “politicamente correto”. Essa crítica não era apenas séria, mas apaixonada, ao ponto de todos os textos e crônicas semanais conterem pitadas de desgosto. Esses ataques a posturas ditas “politicamente corretas” ganhavam engajamento rápido, principalmente de pessoas saudosistas de um passado recente e em rápida mudança. 

Anos depois, ainda percebo algumas pessoas criticarem o que chamam de “politicamente correto”, porém, hoje, percebo uma confusão parecida com aquele pela qual eu passei em 2012. Ao pensar nas pessoas que fazem a crítica apaixonada ao “politicamente correto” e, por vezes, se orgulham de serem politicamente incorretos, é justo pensarmos em senhores e senhoras saudosistas de uma época em que não precisavam pensar muito sobre a realidade. Também é justo pensarmos nos jovens fascinados por certo tipo de conservadorismo, frustrados e incapazes de aceitar suas responsabilidades sociais. Mas, há também outra espécie de sujeito que ainda promove essa crítica. Esse outro tipo de sujeito costuma se localizar no campo progressista, professa o respeito à diversidade, não demonstra apego exagerado ao passado e não tenta fazer uso de retórica barata em suas conversas e discussões. É sobre esse segundo grupo e com esse segundo grupo que eu gostaria de desenvolver algumas ideias.

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Estamos no início dos anos 1990, em uma sala de aula de uma escola pública. Não é nada parecido com as escolas limpas, brilhantes e coloridas mostradas pelo foco único das temporadas de Malhação. A sala possui trinta cadeiras e mesas de madeira com estrutura de tubos de metal enferrujados. As superfícies rabiscadas e com marcações em baixo relevo registram pelo menos uma década de uso. Tudo está vazio e o ar guardado da noite cheira a desinfetante. O vendaval começa quando uma mão adulta abre a porta.

Exatamente trinta crianças entre 9 e 10 anos começam a entrar apressadas e faladeiras. Uma parte das crianças traz mochilas de pano desbotadas, mas a maioria carrega dois livros didáticos encapados com plástico transparente e um caderno brochurão de 96 folhas dentro de uma sacola de arroz de cinco quilos. 

A maioria das crianças vai direto para o seu lugar de costume e se senta, sem deixarem de conversar. Algumas crianças começam a arrastar mesas e cadeiras e juntá-las em duplas ou trios, nas laterais e no fundo da sala, enquanto a professora grita por silêncio e ajeita seus materiais sobre a mesa à frente do quadro verde enevoado. 

Todas as crianças com mochilas sentaram-se nas cadeiras mais próximas à professora. Junto às paredes, há duplas e trios, sempre separados, de meninos e meninas. Ao fundo, quatro mesas se fecham, ocupadas por quatro meninos que não sorriem, não trazem cadernos e parecem maiores que o restante da turma. 

As últimas crianças a entrarem na sala estão em silêncio. Uma menina baixa, gorda, de cabelos muito longos, sobrancelhas grossas e vestido longo cinza azulado sem qualquer adereço. Uma menina magra, de cabelo crespo cortado curto, short jeans sujo, pele manchada e casca de machucados nos cotovelos. Um menino de cabelo embaraçado, chinelo de dedo costurado e camisa larga de colarinho esticado, com a estampa de campanha de um vereador da eleição passada. Um menino muito alto, muito magro, de queixo protuberante, olhos saltados, óculos que caem do nariz, lábios carnudos úmidos de saliva e dentes à mostra. Um menino baixo, gordo, quadril avantajado, cílios longos, camisa justa, bermuda larga, andar rebolante. Todos caminham de cabeça abaixada, em silêncio e se sentam sozinhos. 

A essa altura, você já sabe o que irá acontecer com essas quatro crianças durante aquele dia na escola. Você sabe, pois isso se tornou um clichê em novelas, filmes, séries, quadrinhos, livros. Isso se tornou um cliché porque acontecia todos os dias. Falar do cenário de uma escola sem mostrar tais cenas seria como falar da cidade de São Paulo sem trânsito, de fazendas sem mato, de bar sem bebida. 

A menina de vestido longo era evangélica. Nas narrativas de ficção ela aparece sendo chamada de quente da bunda quente, todos riem e ela chora sozinha em casa. No mundo real, os meninos se revezavam em desafios internos para correr e bater em suas nádegas, puxar seus cabelos, levantar seu vestido. As meninas escondiam seus materiais, jogavam tinta em seus livros, rasgavam seus exercícios e um dia a obrigaram a mastigar e engolir páginas da pequena bíblia que ela carregava sempre junto de si. Os meninos do fundo da sala tentaram estupra-la quando chegamos na oitava série. Ela saiu da escola e eu nunca mais a vi.

A menina magra era a negra de pele mais escura da sala e morava na favela mais pobre da cidade. Nas narrativas de ficção, os meninos e as meninas a chamam de neguinha, crioula e macaca, ela chora, procura briga e volta com o olho roxo e os lábios sangrando pra casa. No mundo real, os professores a mandavam de volta para casa depois de dizerem na frente de toda a sala que ela fedia. O cabelo dela estava curto depois que as meninas da frente a prenderam e queimaram seu cabelo com um isqueiro. Certa vez, a coordenadora a arrastou a força para o banheiro para lhe dar um banho com bucha vegetal. A coordenadora dizia: eu vou esfregar tanto que você vai quase virar branca. Eu não vi mais a menina magra depois da quarta série. 

O menino de cabelo embaraçado morava na mesma favela que a menina de cabeço crespo. Nas narrativas de ficção, os meninos o empurram de um lado para o outro e perguntam quem é o pai dele, o apelidam de remela seca e riem quando dizem que ele está doido pela hora da merenda. No mundo real, os meninos já rasgaram quase todas as suas camisas. Ele passou a esperar que a maioria das crianças merendasse, pois sempre jogavam seu prato de sopa de macarrão no chão e ele era levado para o castigo, pela orelha, pela coordenadora. A cozinheira o proibiu de repetir a merenda, dizendo que ia falta para os outros, embora sempre sobrasse. Os meninos do fundo descobriram que ele catava latinhas de alumínio no restante do dia, depois da aula, combinaram de segui-lo e o jogaram de um barranco junto com o saco plástico cheio de alumínio. Ele quase ficou cedo do olho direito e abandonou a escola.

O menino muito alto tinha vários problemas de saúde, incluso algumas deficiências que nunca soube exatamente quais eram. Nas narrativas de ficção os meninos o chamam de retardado e o fazem pagar mico declarando o seu amor por meninas ricas e populares. No mundo real, as meninas disseram para a professora que o viram com uma ereção. A professora quis expulsá-lo da escola. O pai de uma das alunas o segurou no final de uma manhã, o prensou contra o muro, lhe deu um tapa e o ameaçou. Os meninos do fundo arrancaram suas roupas e o obrigaram a correr pelado pela escola, enquanto batiam em suas costas com sua camisa molhada. Ele não continuou na escola no ano seguinte, a pedido das professoras e das famílias. 

O menino gordo era nitidamente afeminado. Nas narrativas de ficção, as outras crianças o chamam de boiola, bichinha, o empurram e ele faz amizade com as meninas da frente. No mundo real, ele levava socos e chutes todos os dias e o lado esquerdo do seu rosto ficou permanentemente deformado após ser atingido por uma pedra. Das primeiras vezes em que recorreu à professora ela chamava a coordenadora, que o afastava das demais crianças e dizia para que ele parecesse de chorar e virasse homem, que se ele continuasse assim nunca ia arranjar uma namorada. Um dia ele foi emboscado pelos meninos do fundo fora da escola. Eles o obrigaram a chupar seus pênis e enfiaram um cabo de vassoura no seu ânus. Os próprios meninos do fundo espalharam a história para o restante da escola. Ele ficou alguns dias ausente, mas voltou a frequentar as aulas até o final do ano. Eu nunca mais o vi. 

Obviamente, eu estava naquela sala de aula, embora eu não apareça nessas descrições. Preferi deixar de fora as agressões que eu sofri, até mesmo porque, hoje, sei que elas foram bem menos pesadas do que muitas das que presenciei ou que me foram relatadas. 

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Estamos agora em outra sala de aula, noutro momento. São os anos 2010 e nós encontramos uma turma de crianças entre 12 e 13 anos. Não há cadeiras juntas em duplas e trios. Embora não estejam em filas muito lineares, as trinta cadeiras brancas com suporte de madeira parecem bem organizadas. As crianças usam cadernos grossos de aro e algumas têm fichários coloridos abertos sobre a mesa. Das trinta crianças, umas quatro ou cinco são brancas. O restante aparenta ter ascendência negra e indígena. 

Apesar das conversas e cochichos, o professor não parece se incomodar. Ele termina de explicar a tarefa que quer pronta para o dia seguinte pouco antes de soar o sinal e todos se agitarem para pegar os aparelhos de celular nas mochilas. Eles demoram alguns minutos para guardar os materiais enquanto dispensam notificações na tela. Um garoto sorridente olha para a tela, ao passar pela porta de saída, e solta um grito estridente e alegria. Logo atrás dele, um menino alto e de tronco largo fecha a cara, empurra as costas do colega de classe e fala para todos ouvirem: além de preto e viado tem que ser escandaloso porra!?

Algumas alunas que ainda não haviam saído reagem de imediato, assim com o menino negro. Todos apontam os dedos para o menino alto e falam ao mesmo tempo. É possível diferenciar as palavras racista, homofóbico, escroto, babaca, ignorante. Cercado, ele empurra uma das menina e o professor chega para separar a confusão. 

No dia seguinte, na sala dos professores, o homem termina o relato, mais ou menos com a seguinte entonação: mas agora é pra eu chamar o pai do menino pra conversar? E o que eu vou dizer pra ele? Que o filho vai levar uma advertência porque reclamou que um colega escandaloso tava sendo escandaloso? Eu já chamei a atenção dele nisso também pra ele parar com esses gritinhos em sala de aula. Depois vai reclamar que os colegas chamam ele de viado? Eu não tô nem aí se ele vai virar viado ou não vai! Mas não precisa ser afetado desse jeito! Isso atrapalha a concentração, chama atenção de todo mundo. E aí qualquer coisa agora virou ofensa. Essas crianças vão ficar tudo molenga! Daqui a pouco vão querer me processar se eu te chamar de negão, não é não? É esse politicamente correto que tá estragando o mundo!

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Vamos para um terceiro cenário. Nós escutávamos um podcast. O entrevistado falava sobre o Saci. Não, não era o Andrioli Costa e ele não diria aquelas frases. Após falar sobre a importância do resgate histórico do folclore nacional, o sujeito engata uma sequência de afirmações cheias de desdém, como: Ah! É porque agora o politicamente correto deturpou o mito do Saci e ele não pode mais aparecer fumando, porque fumar não é politicamente correto; Ah! Mas porque agora eu não posso mais levar os livro do Monteiro Lobato porque o pessoal do politicamente correto inventou que ele era racista!

Nós paramos o programa pela metade e deletamos o feed quando o apresentador do programa começou a ratificar o discurso do convidado. 

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Outra situação. Num debate sobre métodos para lidar com o mal comportamento em sala de aula, uma aluna de pedagogia levanta a mão e se lamenta muito sobre como a crianças aprendem palavrões com as músicas de funk.  A turma parece concordar com ela. Após algumas falas que confirmam essa percepção, eu peço um exemplo de palavrão. As alunas que haviam falado sorriem e ficam caladas. Lá do fundo, outra aluna diz “porra, caralho, saco”. A maior parte da turma ri. Parecem constrangidas. Eu pergunto porque aquelas palavras são tão proibidas que mesmo entre adultos, parece errado que sejam pronunciadas num ambiente formal. As únicas respostas dadas para essa pergunta, num primeiro momento, são típicas: porque é feio! Porque é errado! Porque é ofensivo? Bom, errado e feio, não são justificativas por finais. Mas, será que essas palavras são mesmo ofensivas? Quais os significados dessas palavras, as quais colocamos dentro da categoria “palavrão”? A maioria fala de sexo e de ações que não costumamos realizar em público. Praticamente todas essas palavras estão, de alguma maneira, ligadas as genitais. Quando trocamos essas palavras por termos técnicos, científicos ou simplesmente formais, elas até começam a serem permitidas na maioria dos ambientes, embora muitas pessoas ainda virem a cabeça e contenham um sorriso ao ouvirem vagina, ânus, pênis, esperma, sexo, coito, orgasmo, masturbação e por aí vai. Um dos problemas com essa troca, é que nós não conversamos com termos técnicos no nosso quotidiano.

Quando nós dizemos que é ofensivo usar tais palavras em público ou até mesmo fora do ambiente público, nós também dizemos que não é permitido conversar informalmente sobre sexo. No mínimo, essa conversa passa a ser feita de modo velado, pois quaisquer termos informais que digam respeito ao sexo são relegados à caixinha dos “palavrões”. 

A proibição de tratar sobre sexo de maneira informal publicação já é um incômodo desnecessário na vida adulta, mas o seu incentivo durante a infância e a adolescência ultrapassa as fronteiras da estupidez. Construir, para as crianças, a ideia de que sexo é algo proibido, sujo, secreto e vergonhoso, é o mesmo que facilitar o trabalho de abusadores, facilitar que elas contraiam doenças, gravidez precoce e reproduzam práticas sexuais padronizadas pela indústria da pornografia. 

A única coisa que nos impede de proteger as crianças de abusadores, doenças e gravidez precoce, é o puritanismo. 

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As situações que eu apresentei até aqui são bem distintas entre si. A intenção de apresenta-las assim, em conjunto, é que nós possamos perceber essas diferenças de modo mais evidente. Não, nós não precisamos analisa-las com tanta profundidade para perceber isso. O modo como as crianças foram tratadas na escola, durante os anos 1990, quando foram abusadas, agredidas, humilhadas, atormentadas e excluídas, não era correto ou incorreto politicamente. O modo como aquelas crianças foram tratadas é violento, ultrajante, horrível, revoltante, asqueroso, condenável e tantos outros adjetivos que o nosso idioma possui. 

O modo como as crianças da sala de aula dos anos 2010 reagiram ao comentário racista e homofóbico do colega de classe não foi correto ou incorreto politicamente. O modo como aquelas crianças reagiram foi justificado, honroso, consciente, responsável, crítico, defensivo. Já o professor, foi irresponsável, covarde, preguiçoso e antiético.

O entrevistado do podcast, que se incomodou por terem retirado o cachimbo do Saci e por criticarem as narrativas de Monteiro Lobato estava confuso, pois juntou dois pontos de vista muito distantes num mesmo balaio. Retirar o cachimbo do Saci, assim como proibir livros infantis sobre orixás, ilustrações educativas de órgãos sexuais em cartilhas de saúde e livros didáticos ou a exibição livre de trabalhos de arte que contenham nudez, não é algo correto ou incorreto politicamente. Isso é puritanismo. 

Do outro lado desse puritanismo. Exigir que narrativas que foram escritas há quase cem anos sejam avaliadas criticamente pela ótica contemporânea e considerar os pontos de vista de pessoas que podem sofrer com o consumo acrítico dessas obras, não simplesmente correto ou incorreto politicamente. Isso é anti puritanismo. 

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Há pessoas que defendem as suas práticas racistas, misóginas, lgbtfóbicas e capacitistas como se fossem um direito liberdade de expressão. Ao mesmo tempo, essas mesmas pessoas são contra a educação sexual nas Escolas. Essas pessoas são grandes sacos de merda? Sim, elas são. Mas, elas são incoerentes? Não, não são. Elas se escondem atrás da ideia de que haveria um movimento “politicamente correto” para se recusarem a aceitar o quanto elas mesmas são destrutivas, abomináveis; para se recusarem a aceitar que elas é que tornam o mundo um lugar pior para se viver, pois a sua diversão se baseia no sofrimento do outro. Sem esse sofrimento, elas são obrigadas a perceberem como suas vidas são vazias, seu raciocínio é tacanho e as suas competências limitadas. Elas têm dificuldades para se adaptar e por isso querem que o mundo permaneça numa eterna infância de crueldades, na qual elas estão seguras por sua posição privilegiada. 

Há pessoas que lutam contra o racismo, o sexismo, o capacitismo e tantas formas de controle e opressão. Ao mesmo tempo, essas mesmas pessoas defendem que se converse com as crianças sobre sexo desde cedo. Essas pessoas alimentam a esperança na humanidade? Sim. Mas, elas são incoerentes? Não, não são. Elas defendem que todos sejam livres e que o exercício da liberdade se baseie, simultaneamente, no auto respeito e no respeito ao outro. Por isso essas pessoas lutam contra aqueles que acreditam que a simples existência de alguém poderia configurar uma ofensa. Contido no auto respeito está a autodefesa. Por isso essas pessoas lutam contra o individualismo, pois somente de modo coletivo é que os mais vulneráveis podem se defender da opressão. 

Se você é uma pessoa que acredita que é seu direito se divertir com o sofrimento dos mais fracos, você é uma criatura tão limitada, que deveria procurar ajuda para expandir as perspectivas da sua vida e parar de repetir que um tal de “politicamente correto” está destruindo o mundo. 

Se você é uma pessoa progressista, que compreende que a organização coletiva, os direitos equitativos e a compensação das injustiças históricas e estruturais são o caminho para uma sociedade mais saudável, você deveria parar de usar expressões como “politicamente correto”. Tirar o cachimbo do Saci, proibir festas juninas nas escolas, achar que palavrão é ofensa, ser contra educação sexual, querer eliminar o erotismo da vida, defender que músicas alegres com conteúdo sexual para rebolar a raba são algo errado e condenável, são posições puritanas. 

Se você se considera uma pessoa progressista, a sua luta deve ser contra o puritanismo, não contra o movimento do “politicamente correto”, por um simples motivo: ele não existe.

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