[texto de processo] O tempo que nos lava

Folhas. Fabiana Pedroni, 2021. Gif de fotografias de 2013 com texto poético. Imagens de um corredor de piso marrom que separa o muro branco chapiscado e a parede branca da casa.  No gif se acompanha as folhas caírem, o chão varrido, depois lavado, as noites intercalam com o dia. A cena de tempo é acompanhada pelo seguinte poema: “Nos dias em que não se dorme. Nos dias de agonia, a duração do segundo grita alto. Eu me irrito com o tempo O tempo se irrita comigo. O acúmulo me desgasta. O acúmulo me impregna e tira meu sono. Eu insisto. Eu lavo. Mas é o tempo que me banha. Sou frágil, o tempo é cruel. Confio, o tempo é infinito. Eu me irrito com o tempo. E ele só quer brincar. Num arranjo de ponteiros. E volta…”

Em 2013 acompanhei as folhas caírem. Em 2013 o futuro era outro.

Texto de Fabiana Pedroni, publicado pela primeira vez como apresentação dos processos criativos da mostra Chronologia kairológica, Galeria Homero Massena, Vitória, 2013.

Se o tempo passado é embaçado pela porosidade da lembrança, o tempo futuro o é pela distância que separa a imaginação presente da concreção do tempo sonhado. Para pensarmos no tempo futuro, imaginamo-nos caminhando numa linha, como se, adiante do presente, alcançássemos o futuro. Concretizamos, imaginariamente, os planos a curto prazo, e pisamos no domínio do futuro.

O embaçamento está na incerteza das previsões. O quão distante é a distinção entre passado e futuro? O futuro é uma construção imaginativa. A lembrança é uma reconstrução imaginativa que, em diversos níveis, impregna-se de expectativas. Afinal, ambos dependem da estrutura da mente no presente.

“O futuro é possível porque vivemos o tempo, porque podemos sonhar uma lembrança“ (Motti dos Anjos).

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Quando nos deparamos com imagens do passado, nem sempre compreendemos de forma clara como elas apontavam para o futuro, para um desejo de tempo. Às vezes nos incomodamos com a poeira que insiste em se acumular nos móveis, no sal que gruda nas janelas do litoral, naquilo que nos faz movimentar em círculos repetitivos. Ou, ao menos, que nos dão essa impressão.  Quão distante está a limpeza de um móvel da observação de uma florada de primavera?

Parece uma aproximação absurda. Talvez seja. Mas a movimentação de nossos corpos, o pensamento e o prazer de alteração do espaço nos tiram dessa sensação de ciclo. Toda semana limparei este chão, mas toda semana é um chão diferente. As folhas que caíram não são mais as mesmas. Os pensamentos que dominam o esforço físico, não são mais os mesmos. Sentir prazer no cotidiano é um desafio. Não se sentir sufocada pelo cotidiano é um desafio ainda maior.

O tempo nos lava. O tempo nos leva.

Se não nos agarrarmos a cada florada, ele nos sopra.

Sopra pra longe. Nos acumula entre as folhas.

Onde estão caindo suas folhas?

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