[texto de processo] Traços contínuos, reais ou imaginários, que percorrem a cidade

Texto de Fabiana Pedroni.

Apontamento I, pp.51-53, 27.01.2012

Na equivalência de copertencimento contextual, as linhas intrincam-se hierarquicamente para a delimitação do espaço urbano. Como as linhas que demarcam o espaço proficiente à escrita e que teimam em enclausurá-la sob o pretexto de organização, também as vias principais orquestram a vivência do sujeito.

Ao utilizar as vias como suporte a um trajeto, o sujeito se nega a experimentar as adjacências. Ir de um ponto a outro é cumprir objetivo sem relacionar-se mais profundamente com o espaço percorrido. Da janela do ônibus, avista-se o entorno sem nele se inserir. Para além da inserção, o desejo maior de habitar a cidade é obscurecido. A tendência urbana e impessoal do percurso é o isolamento.

O desvio no traço contínuo é um se movimentar em direção ao novo, na busca de se conhecer. A relação do Ser no e com o espaço frutifica num adendo de possibilidades que desvela o próprio Ser. A existência se dá na interrelação. A cidade torna-se objeto no momento-ato da relação com o sujeito, de mesmo modo que o sujeito torna-se objeto para a cidade.

Esse deslocamento pode ser físico ou mesmo o intento de alterar o arranjo relacional. O corpo faz parte do mundo e a ele está aberto. Compete ao sujeito incutir ou não obstáculos para a interação. Por cerca de quatro anos, um sujeito empregou um único caminho para se deslocar do ponto A ao ponto B. A via tornou-se uma rotina. Sua determinação de alcançar o alvo excedia qualquer tentativa do mundo de tornar o sujeito num objeto com o qual pudesse estabelecer contato para além do superficial.

Em determinado e inesperado dia, seu veículo rotineiro o desencaminhou do habitual. Pneu furado. Momento oportuno para o princípio da novidade. Porém, o sujeito limitou-se. Abriu a porta, pegou o celular e ligou para a seguradora. O apogeu se deu no contato apenas físico da sola do sapato com o asfalto. A pavimentação se exacerbou com a possibilidade de ser “notada” e fez uso de suas propriedades numa tentativa estéril: elevou sua temperatura até criar ondulações pela reflexão da luz. Resultado? O sujeito retornou para o interior do carro, fechou-se no ar-condicionado e na busca desesperada pelo retorno ao comum. Assim que o problema foi resolvido, regressou à movimentação de seu trajeto.

Segunda tentativa: obras – retorno. O se perder é um eficiente modo de travar novos contatos com o espaço. O sentido de desorientação torna o sujeito vulnerável e aberto para habitar a cidade. Porém… somente lhe apeteceu o objetivo de chegar ao ponto B. No visual, proliferaram novas informações que foram apreendidas objetivamente como um novo caminho, mas, ainda, um desvio pela via.

Enfim, terceira e última tentativa (para não nos prolongarmos sobre os infinitos empreendimentos do mundo). Fim de semana. A não-rotina do final de semana admite que o sujeito possa se relacionar com o mundo de modo mais direto e sem pressa. Do fundo de sua memória, recolheu a visão de um local agradável para ir com companhia. Era aquele bar, naquela rua, daquele desvio. Sentou-se à mesa do estabelecimento, olhou para o céu, para os prédios, para as pessoas, para tudo que pudesse lhe alcançar. Seu olhar apenas perpassava o sentido da visão. O sujeito (agora nosso sujeito, já que a posse se instituciona pelas intimidade e relação com o objeto), naquele momento, habitou a cidade.

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