Texto de Rodrigo Hipólito
Olhar para o horizonte é uma tarefa de merda. No começo, tentou manter o ânimo aquecido sob o despautério de encantar-se com o espetáculo da natureza. Essa, em seu caso, foi uma péssima escolha. A Natureza sempre lhe aparecia diante dos olhos baços por detrás de um véu de fedor variante entre arroz azedo e genitálias sujas. O espetáculo resumia-se aos sádicos jogos de freakshow. Olhar o horizonte cansa. Não demorou muito para constatar que uma das piores e mais degradantes sensações era a paz. A Paz, vestida de panos brancos esvoaçantes, cadenciada e harmônica, com a palavra estabilidade tatuada em cada têmpora, era a caracterização mais enganosa do desespero sem fim. Surpreendeu-se incontáveis vezes com o talento (que progride geometricamente em relação ao crescimento de todo o grupo) de seus semelhantes para construírem imagens atraentes dos piores horrores. O contrário talvez fosse verdadeiro. Mas, ainda não havia pensado sobre o assunto. Nunca há motivo para pressa. Sempre há tempo para evitar pensar em algo. Houve tempo suficiente para descartar o descalabro do nirvana. Por mais amaciada que estivesse sua percepção, não pode evitar um sobressalto apaixonado quando um ínfimo pixel dobrou a esquina do globo. Após já estar perdido no tempo e a ponto de duvidar da existência do mesmo, surgia uma perspectiva, algo para aguardar. Não sabia o que era, nem a que velocidade se aproximava. Não havia mais como mensurar distância e deslocamento. Aquele pixel, praticamente ilusório, bastava para circunscrever o sofrimento ao qual foi atirado quando lhe acorrentaram a pior de todas as funções: observar. Olhares de relance podem mesmo ser prazerosos. Já a obrigação de fixar um mesmo quadrante, por um período indeterminado de tempo, suga a esperança do ente mais otimista. Se antes chorava continuamente, por fim, sentia saudade da presença das lágrimas. Cada ponto acrescentado para formar a imagem, que era sua nova companheira ocasional, resgatava as carícias do gotejar salgado que se perdia na pele oleosa. De uma ponta a outra da linha que atravessava Seu panorama, havia a vontade de arrastar aquela silhueta branca de uma só vez. O nome dessa técnica de tortura reviveu em sua mente como a gratificação de encontrar uma moeda no bolso de um antigo casaco. Era a curiosidade. Com alguma elasticidade e pelo menos um dente, poderia até mesmo sorrir. Mais uma triste constatação do que lhe fora negado. Não poderia sorrir, tampouco chorar. Isso era o de menos. Na medida em que a imagem se formava, gostaria apenas de poder baixar as pálpebras. Quanto mais perto via o encontro, quanto mais intenso se tornava o cheiro que acompanhava o futuro, menos desprezível era seu passado recente. Somente quando abraçou os olhos do horror grotesco que o consumiria, foi que a realidade cuspiu com gosto em sua testa. Não havia, naquela altura, uma só criatura a suas costas. Não tinha mais dúvidas a respeito disso. Todos se foram ao serem avisados do que se aproximava. Somente quando o desejo de fugir foi o mais intenso que já sentira é que aceitou que isso jamais ocorreria. Não possuía mais pernas, nem braços e se havia algum corpo, o único indicativo disso era a dor, permanente e inconfundível dor. Toda sua serventia se resumia a agir como condutor. Perguntou, então, se algum dia, há muito tempo, alguém escolheu manter o ser contido na coisa que se tornara ao invés de passar-lhe uma borracha. Alguém poderia fazer essa condenação? Não, essa não foi sua última pergunta. Antes de ser digerido e engolido pelo visitante mais asqueroso que sua mente jamais pode imaginar, a curiosidade o assaltou. Haveria outros como ele, espalhados pela planície, perdidos, imóveis e amedrontados? Gostaria que sim, pois isso o fazia se sentir melhor.
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