
Imagem de capa. M83 Andromeda. Fotografia de Nick Franco, junho de 2014. Imagem colorizada da galáxia de Andrômeda, em tons de azul brilhante e branco. Fonte: Wikimedia.org
Chambers, Becky. Os registros estelares de uma notável odisseia espacial. Trad. Flora Pinheiro. Darkside, 2020.
Texto de Rodrigo Hipólito.
Tessa precisa lidar com o trauma que a explosão da nave Oxomoco causou em sua filha. A criança vive em constante temor de que as paredes a sua volta se abrirão para o vazio. Tessa também precisará repensar sua família e o seu destino, pois suas funções no compartimento de carga da nave Astéria provavelmente se tornarão obsoletas com a chegada de novas IAs.
Isabel trabalha nos arquivos de Astéria há mais de quatro décadas. Ela compreende que as mudanças são parte do caminho, que conflitos de gerações são inevitáveis e que o novo e o antigo não são incompatíveis. Mas, será que essa lógica se aplica às relações entre as diversas espécies senscientes da Comunidade Galáctica? Uma importante convidada harmagiana colocará essa questão em primeiro plano.
Ghuh’loloan é uma pesquisadora de etnografia no Instituto Reskit de Migração Interestelar e sua espécie é dominante na Comunidade Galáctica há bastante tempo. Mas, isso não vicia a sua interpretação durante seu período na Frota. O largo interesse público em seu relato apenas ressalta como os tempos mudaram, tanto para a humanidade que vive nas naves quanto para a população harmagiana, que já foi bem mais arrogante.
Sawyer vai tentar algo novo na Frota, depois de pular de planeta em planeta. Ele quer se integrar e ser abraçado como alguém que pode contribuir para um modo de vida que ele pouco conhece. Isso é confuso e, talvez, ele não tenha tempo de compreender a frieza com que foi recebido em Astéria.
Kip já se cansou dos estágios, não se considera inteligente nem talentoso para nada, mas precisa tomar uma decisão, pois a adolescência é esse momento horrível de dúvidas sem sentido. Ele comete mais erros do que gostaria de admitir. Seu desejo de conhecer os mundos fora da Frota é grande. Mas, sua necessidade de provar seu valor e seu respeito pela sociedade em que nasceu pode ser maior.
Eyas sempre quis trabalhar como cuidadora, mas a aura dessa profissão pode ser um inconveniente quando ela quer e precisa ser tratada apenas como uma pessoa qualquer. Lidar com a morte, com a terra, com as plantas, com os rituais de despedida e de recomeço não são um fardo que ela carrega com sofrimento. Ela entende bem a importância do que faz. Mas, pode ser que isso não seja mais o suficiente. O que ela precisará fazer para que os ciclos de vida da Frota Êxodo se renovem e tenham mais destinos?
Os capítulos de “Os registros estelares de uma notável odisseia espacial” intercalam as rotinas de cada uma dessas personagens. A única não-humana em destaque é Ghuh’loloan, e seu relato aparece no início dos blocos de capítulos. Através desses relatos, nós compreendemos um pouco da história da Frota Êxodo, que é conjunto de naves que abandonou o planeta Terra, muitas gerações antes das histórias ali narradas.
De início, a população daquelas naves tinha a intenção de procurar um novo planeta para estabelecer seu lar. Mas, a cada geração, a vida no espaço tornava-se natural e o estranho seria não ter as paredes de metal a sua volta.
Quando são encontrados pela Comunidade Galáctica e recebem uma estrela para orbitar, decidem permanecer como Frota. Afinal, sua cultura, sua história e seus modos de vida estão intimamente ligados àquelas velhas naves. Pra que mudar? Quais mudanças acolher? Quais limites são aceitáveis para que culturas permaneçam vivas e reconhecíveis? Uma cultura que não passa por mudanças pode se considerar viva?
Nesse terceiro volume da premiada série de livros de Becky Chambers, nós mergulhamos nos dilemas de habitantes da Frota Êxodo e podemos pensar as nossas escolhas no presente, aqui na Terra. Imigração, sexo, juventude, velhice, tradição, religião, morte, alimentação, infância, educação, dinheiro, sistemas de produção, obsolescência tecnológica, exploração da natureza e mais tantas outras discussões são possíveis de serem feitas a partir das histórias dessas personagens.
De modo mais nítido do que em “A vida compartilhada em uma admirável órbita fechada” e “A longa viagem a um pequeno planeta hostil”, em “Os registros estelares de uma notável odisseia espacial”, qualquer trama é de menor importância. O que encanta e instiga, nessas narrativas, são as conversas despretensiosas com pessoas que apenas querem ter uma vida digna. Assim como nós, elas não sabem como será o amanhã.
– [resenha] A vida compartilhada em uma admirável órbita fechada;
– [resenha] A longa viagem a um pequeno planeta hostil;
.
.
.
.
.
.
.
.
.
.
Pingback: [resenha] Salmo para um robô peregrino, de Becky Chambers – NOTA manuscrita
Pingback: NPC 34: Como não perder ofertas de morte – NOTA manuscrita